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Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

Schütz sagrado

 

Heinrich Schütz
Excertos dos Salmos de David e Symphoniae Sacrae
Cantus Cölln, Concerto Palatino, Konrad Junghänel
Casa da Música, 14 de Novembro
 
 
Já tive ocasião de explicar que há certas obras, certos concertos, que justificam uma ideia de peregrinação – e este foi também um desses, raros. Se não erro, há mais de 25 anos (!) que não se realizava em Portugal um concerto dedicado a Schütz, o primeiro mestre alemão do barroco, e logo com obras de duas grandes colectâneas, os Salmos de David e as Symphoniae Sacrae, acrescendo a justificada reputação dos intérpretes.
 
Decisivamente marcada pelo novo estilo de monodia italiana e também pela policoralidade venezeniana, Schütz adaptou esses princípios à tradição luterana – com ele começou a linhagem que culminaria em Bach. As suas obras são admiráveis exemplos de retórica musical e de fervor religioso.
 
O Cantus Cölln é conhecido por se compor de uma voz real por parte, isto é, de nas linhas da clivagem na polémica sobre o “Bach choir” lançada por Joshua Rifkin e Andrew Parrot pender para o lado desses, os minimalistas. Casos há em que a opção, pela excelência da realização, se tem revelado pertinente – é o caso da extraordinária gravação da cantata Actus Tragicus de Bach. Mas outros registos há também em que a opção é bastante menos convincente, como os da Missa em si menor de Bach e da Selva morale e spirituale de Monteverdi.
 
Mesmo sendo certo que nas Symphoniae Sacrae estão estipuladas “vozes obrigadas”e “vozes facultativas”, pelo que é uma opção possível restringir-se estritamente às primeiras, porventura possibilitando uma melhor inteligibilidade do texto, o que é fundamental em Schütz, tenho dúvidas que a opção minimal tenha conseguido traduzir a absorção pelo compositor alemão da prática veneziana da policoralidade. Também uma das sopranos foi algo irritante.
 
Mas expostas as reservas, há que dizer que irradiou a extraordinária beleza desta música, intensamente interpretada numa relação de grande conhecimento e familiaridade, com dois momentos mesmo extraordinários: o “Ewigkeit” (eternamente) do Salmo 137 e sobretudo “Saul, Saul, was ver verfolgst du mich”, de resto porventura a mais celebra das Symphoniae Sacrae.
 
Sim, a peregrinação justificava-se e justificou-se.
 
 
 
PS – Para nossa penúria, por decisão arbitrária do mega-senhor do CCB, já perdemos nomeadamente este ano uma Festa da Música dedicada a Schubert. Para o ano, em termos do da importância da proposta, a perda será ainda maior: a “Folle Journée” de Nantes terá como tema “De Schütz a Bach”. Voltarei ao assunto.