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Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

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Museus, uma farsa exemplar (II)

Já em Março passado, a falta de vigilantes tinha obrigado museus a encerrar ao público parte das suas salas. Sucedeu isso nomeadamente no Museu Nacional do Azulejo, MNA, e no Museu Nacional de Arte Antiga, MNAA. A directora do MNAA, Dalila Rodrigues, que vinha prosseguindo uma enérgica acção de revitalização pública do museu, fez-se então ouvir, “indignada com a situação”. O mesmo não se notou da parte do director do MNA, Paulo Henriques, o que aliás nada teve de surpreendente, já que sob a sua direcção um museu que tem um acervo patrimonial dos mais distintivos, vinha definhando na notoriedade que deveria ter, designadamente traduzida na perda de visitantes.
 
Mas nessa situação e noutras, tinha Dalila Rodrigues feito ouvir a sua voz. Era caso para dizer que estava a traçar o seu destino. Recém-inaugurada uma nova exposição no MNAA dedicada ao Tapete Oriental, exposição de um âmbito sem precedentes no capítulo das chamadas artes decorativas, e quando Dalila Rodrigues ia apresentar a sua directa tutela do IPMC os planos próximos, com destaque para uma exposição Zurbáran, recebeu guia de marcha do director do Instituto, Manuel Bairrão Oleiro, sendo muito “apropriadamente” substituída pelo obediente Paulo Henriques.
 
Em tempos idos, ainda de expectativa mesmo que reservada, que a governação ainda era então só de sete meses, e quando os novos responsáveis da tutela procederam às primeiras nomeações, escrevi um texto, “Cultura, nomeações e (in)competências” (“Público” de 20-10-05).
 
“Sucede por vezes que o PÚBLICO seja um jornal desconcertante, sobretudo para os seus leitores mais atentos e dedicados. Aconteceu isso a propósito das nomeações para cargos directivos no Ministério da Cultura. Fiquei estupefacto pela notícia na secção de Cultura, a 1/10, com chamada de primeira página, taxativamente enfatizar ‘Ministra da Cultura troca chefias e coloca quadros ligados ao PS’, ‘todos ligados ao PS’, como era afirmado em relação a Elísio Summavielle, Jorge Vaz de Carvalho e Jorge Couto, nomeados respectivamente directores do Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR), Instituto das Artes (IA) e Biblioteca Nacional (BN). E depois, qual não foi o meu espanto quando a 7/10, no exercício semanal de ‘Sobe e desce’ na secção de Política, me deparo com uma seta para cima graciosamente atribuída à ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, por ter procedido a essas mesmas substituições. Sobre um acto relevante de política cultural, as secções de Cultura e de Política deste jornal tiveram leituras distintas, senão mesmo opostas. Relembro o facto não só porque ele me desconcertou, mas também porque assinala que na própria redacção do PÙBLICO houve entendimentos diferentes daquele que foi expeditamente o da secção de Cultura”. Para concluír eu: “A prova da falta de verdadeira vontade política nestas nomeações é a recondução no Instituto Português dos Museus de Manuel Bairrão Oleiro”.
 
Mas eis agora que, numa sucessão de poucos dias, de novo a falta de vigilantes obrigou museus a encerrar parte das salas de exposições (e, por exemplo, no MNAA, a entrada pela própria Rua das Janelas Verdes, que Dalila Rodrigues tinha reaberto, está de novo fechada) e é público que não só o IPMC não tem verba para comprar um quadro de Tiepolo, Deposição de Cristo no Túmulo (um Tiepolo!, note-se bem), como também que para a senhora professora Pires de Lima o ministério não tinha conhecimento de uma e outra situação, por as mesmas não lhe terem sido comunicadas pelo IPCM. E mais ainda, que – imagine-se – a situação de escassez de verba para pagar aos vigilantes seria tanto mais incompreensível para a senhora ministra"quando o IMC é dos organismos mais reforçados no Orçamento de 2008" – cabendo-nos perguntar como um anunciado reforço para o próximo ano deveria ter colmatado a escassez de meios de gestão corrente em 2007, isto enquanto na operação-Hermitage se gastaram 1,5 milhões mais 850 mil euros.
 
Para a senhora ministra Pires de Lima, ora enfim ilustre Grã-Louvada da Confraria Queiroziana, nem as verbas investidas no Hermitage têm relação com a suborçamentação dos museus, nem o ministério é responsável pelos lapsos do IPMC.
 
Mas se para algumas coisas nada tem a ver, nem por isso Pires de Lima, depois da pública reprimenda, deixa de reiterar a confiança em Bairrão Oleiro. O conto é exemplar, do que é incompetência e falta de carácter político de uma governante, e daquilo para que serve um seu fiel director de Instituto: para lhe garantir obedientes funcionários, sempre prontos, mesmo quando humilhados, às normas do servilismo vigente. É a grave farsa da incompetência e mesmo do descalabro em vigor no ministério da Cultura.