Cinema, críticos, futebol e "call boys" - IV
Eis que agora o cinema também é matéria do âmbito de “treinadores de bancada” e dos locutores públicos do “futebolês”. O que lhes não ocorre, no seu facciosismo, é que se alguém está estritamente a traçar uma suposta “via para o cinema português”, e assim a delinear um dirigismo, são eles mesmo, os “call boys” e “cow boys”. Querem sim sexo e padre, sexo, poder e futebol, sexo, poder e polícia, querem O Crime do Padre Amaro, Corrupção e Call Girl? Querem isso, e vêm falar ainda de “dirigismo”?
Mas como supõem que se garante o “apelo público”? Sabem por acaso que A Guerra das Estrelas começou por ser um divertimento quase experimental de George Lucas? Que E.T. foi o “pequeno filme pessoal” de Spielberg? Ou que agora a Dreamworks e a Warner andam confusas temendo por um projecto tão ousado como Sweeney Todd de Tim Burton?
(Sou um confesso admirador de A Guerra das Estrelas, rendi-me extasiado a E.T. logo na sua primeira apresentação pública em Cannes em 1982, Tim Burton é um dos meus autores mais apreciados, que fique tudo devidamente claro; se há pessoas que por facciosismo, e cabotinismo, tenham um discurso de rejeição do que é “sucesso” só por o ser, não faço parte desse lote.)
Conhecem estes articulistas os dados e factos do cinema em Portugal para saber como se fazem “filmes de mais público”? Saberão que realizadores e produtores que eram tido como garantes de “sucesso de público”, como o já citado Leonel Vieira, se depreciaram vertiginosamente? Têm alguma ideia concreta do impacto real das ficções telenovelescas e, mais grave ainda, dos “reality shows”, do impacto do sistema televisivo em geral?
Que há filmes e filmes que têm vindo a ser apoiados e produzidos condenados à insignificância, eis também o que é uma triste realidade que não pode ser iludida – e me leva de há anos à posição “impopular” de achar que há excesso de projectos apoiados e que deveria redifinições urgentes, mas esta é uma posição crítica pessoal. Não postulo linhas de orientação, ao contrário destes eminentes “treinadores de bancada”.
Quem serão afinal esses tal “call boys” que até dão título ao texto de Rui Moreira? Quem são nomeadamente os mencionados “críticos que desprezam tudo o que atrai público”, quem? É que já agora fico curioso por saber pois, pelo contrário, o que me parecem não faltarem é “críticos” com pouco sentido crítico, e alguns mesmo claramente enfeudados a distribuidoras e aos valores do “box office”, e das pipocas.
Que eu tenha sim apercebido, o notório “call boy” desse panfleto rasca, cheio de deturpações e insinuações, é o próprio Rui Moreira.
Mas o discurso do populismo “anti-intelectual” e “anti-críticos” ganhou uma tal dimensão, que até se viu esse artigo subscrito por um crítico literário e blogger de opinião fácil e abundante. Sim, já sabíamos que Eduardo Pitta também é muito “socialaite” e que, supondo-se cosmopolista, não raro cai na parolice. Pode ser que, tão “socialaite”, tenha achado que vir em socorro da Call Girl um “call boy” não apenas de bolsa mas de Palácio da Bolsa, era “chic a valer”. Mas mesmo sabendo como é fácil a tentação do blogger (e falo agora em termos gerais), é ainda assim inquietante de verificar quão longo é o lastro rasteiro do apelo contra um suposto “establishment crítico”, todavia já de si reduzido à insignificância de estrelas e estrelinhas.
Com estes quatro textos se retoma afinal uma reflexão sobre os estados críticos, sobre se “a ‘crítica’ ainda existe?”