A actualidade da Ópera - II
Ontem estreou em Lisboa, no Teatro Municipal São Luiz, o brilhante e divertidíssimo Evil Machines, que o autor do texto e encenador, o celebrado Terry Jones, que integrou os Monty Python, refere mesmo como “ópera”, o compositor Luís Tinoco mostrando-se mais circunspecto na caracterização, correctamente a meu ver. Fique pois a designação que consta do próprio espectáculo, “fantasia musical”.
Em breve, no próximo dia 25, ocorrerá a estreia em São Carlos de Das Märchen de Emmanuel Nunes. Lá mais para o fim do ano, aguarda-se na Culturgest a nova ópera de António Pinho Vargas, com libreto de José Maria Vieira Mendes.
Mas note-se também o que ocorreu ao longo do ano passado, ou para usar critérios mais pertinentes, no ano passado e no decurso da temporada anterior, 2005/2006, isto é, nos últimos 16 meses.
Sucessivamente estrearam: A Little Madness in the Spring, um tríptico de Pinho Vargas, Frédéric Durieux e ìris ter Schiphorst; Itinerário do Sal de Miguel Azguime; Reset de Vasco Mendonça; A Montanha de Nuno Côrte-Real e Metanoite de João Madureira; O Rapaz de Bronze, também de Nuno Corte-Real; enfim, W, de José Júlio Lopes. E no elenco dos factos deve ainda referir-se que chegou a estar anunciada mas não se efectivou por ora a estreia de O Sonho de Pedro Amaral, tendo contudo o autor feito a apresentação de um excerto da ópera.
A lista parece suficientemente eloquente de que também aqui e agora é manifesta a nova actualidade de um género que tanto foi proclamado como “morto”, entrem ou não numa categorização estrita de “ópera” as diversas obras referidas – as quais, em qualquer caso, são todas integralmente de teatro musical, e não “teatro musical” no sentido mais restritivo e específico, característico de um Mauricio Kagel ou de um Georges Aperghis.
É certo que a característica social e simbólica de distinção e ostentatória do género também é um fantasma não-ausente. Infelizmente, o modo como evoluíu o processo de apresentação de Das Märchen, com as intrigas do compositor junto do poder, e o directo, directíssimo envolvimento desse mesmo poder político, do actual dueto do Ministério da Cultura, nesse processo, são prova acabada de como o prestígio simbólico da ópera, e os seus custos de produção também, a tornam propícia a exemplos de espectáculo majestático.
A um outro nível, a dupla operação A Montanha /Metanoite, no Fórum Cultural “O Estado do Mundo” da Gulbenkian, foi também uma operação ostentatória e desastrosa. Digamos que foram mais as duas óperas “comemorativas” do 50º aniversário da Fundação e condenadas a por aí se ficarem, sendo o desastre em especial notório no tocante à de Côrte-Real; entre outros motivos, como depois ficou claro, essa amarga decepção ocorreu também porque não era de facto cabalmente exequível que o autor estivesse em simultâneo dedicado ao processo de composição de duas óperas, essa e O Rapaz de Bronze, sendo ainda para mais que foi ele próprio o libretista de A Montanha, a outra ópera sendo muito mais interessante, entre outros motivos, porque de facto tinha devidamente um libreto, de José Maria Vieira Mendes.
Como não pode deixar de se notar também, esta significativa sucessão de novas óperas e obras de teatro musical é, todavia, um facto quase publicamente ignorado. Pode ser que me tenha escapado alguma referência (pode ser, ainda que duvide), mas só me recordo de ter lido críticas às duas obras que estrearam na Casa da Música, A Little Madness in the Spring e O Rapaz de Bronze, e ambas de um crítico também compositor, Fernando Lapa.
Não sei ou não, esse sim é um facto de que duvido, se na imprensa portuguesa ainda existe “crítica musical”. Não creio é que uma tendência tão insistente e importante possa deixar de ser assinalada. E, a propósito, não menos foi lamentável que quando da estreia de W a Culturgest tenha anunciado um suposto colóquio internacional, que contudo foi confidencial, “Next Opera Next”, co-organizado pela “Coisa-em-Si”, a produtora do próprio José Júlio Lopes, e o CESEM, o Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical da Universidade Nova de Lisboa – e que, provavelmente, foi mais uma manifestação “para si mesmos”, entrópica, dos senhores musicólogos “cesemianos”, dado a acrescentar, na repartição das competências, à tendência ao desaparecimentos de críticas na imprensa.
É pois tempo de falar concretamente de obras novas, de Evil Machines, mas também de recordar alguns percursos recentes.