Museus, uma farsa exemplar (I)
Por socrática graça, é Isabel Pires de Lima senhora ministra da Cultura. À eminente literata justa homenagem acaba de ser prestada com a sua entronização na Confraria Queiroziana, momento solene que uma magnífica fotografia de Paulo Pimenta no “Público” de hoje, que com a devida vénia se reproduz, fixou para memória futura – dando-se como certo que é daquelas fotos que não nos sairá da memória.
Por socrática graça mas para nossa desgraça é Isabel Pires de Lima ministra da Cultura. E terá de ser dito, volvidos mais de dois anos e meio, que a acção e a postura da actual titular da Cultura ombreará certamente com as duas malfadas gestões santanistas, a do próprio enquanto secretário de Estado e, sendo Santana Lopes chefe do governo, a da sua ministra Maria João Bustorff.
Diz ela, em proverbial exercício de auto-estima: “Em consciência, não vejo razão que haja objectivamente razões que motivem o primeiro-ministro a remodelar a pasta da Cultura. Pelo contrário” (“Expresso” 29- 09-07). A declaração é insólita, já que remodelações são da competência própria e exclusiva do primeiro-ministro, e não cabe a ministro nenhum postular a sua inamobilidade. Mas tratando-se de Pires de Limes, só lhe faltou mesmo acrescentar como o outro: “Jamais, jamais”, en français dans le texte, quais passagens parisienses d’A Cidade e as Serras.
Certo é que, que tendo embora já sido ela por duas vezes desautorizada pelo primeiro-ministro (nos casos da Casa da Música e da colecção Berardo), não menos é ela a figura ornamental adequada para a tecnocracia pusilânime da gestão socrática, pouco afecto que é o primeiro-ministro ao investimento cultural.
Ainda assim destoa do padrão vigente, porque em matérias de planos tecnológicos e gestão propagandística está a senhora ministra manifestamente desfasada. Vai-se à página do ministério da Cultura e a última notícia informa-nos que iria ela estar presente na abertura da exposição “Encompassing the Globe: Portugal and the World in the 16th and 17th Centuries” em Washington, ocorrida a 20-06.
Justiça seja feita, não é que da actividade da senhora ministra da Cultura não haja outros ecos. Assim, por exemplo, a 17-07-05, informava a agência de informação iraraniana: “Deputy Head of Iran's Tourism and Cultural Heritage Organization for Communication Affairs Mohammad Hassan Atrianfar met with Portuguese Culture Minister Isabel Pires de Lima on the sidelines of an exhibition dubbed `7000-Year Persian Art'. The Portuguese minister expressed her country's willingness to boost cultural cooperation with Iran and termed the Iranian works being on display at the exhibition as ‘surprising’. She then accepted an invitation presented to her by the Iranian official to pay a visit to the Islamic Republic in the near future" (www.iranmania.com... ).
Embora já tendo andado pelas Arábias, não nos chegaram ainda notícias da prometida visita à República Islâmica do Irão. Mas o fascínio da senhora ministra Pires de Lima pelas autocracias está ora patente na exposição do Hermitage, montada na Ajuda, no palácio sede do ministério, com um custo de 1,5 milhões de euros, a que acrescem os 850 mil que, para acolher a montagem, foram necessários às obras na galeria de D. Luís. Isto, num sector, a Cultura, e num sub-sector, o museológico, claramente suborçamentados.
“Provincianismo atroz”, exclama a ilustre queiroziana perante as críticas à operação-Hermitage. Em tão elevada auto-estima, sucede à senhora ministra Pires de Lima ser obnubilada pela própria imagem e involutariamente se auto-classificar.
Sucede que, azar, logo a realidade veio bater à porta, e com isso uma inequívoca demonstração, mais outra, do que é o carácter político de Isabel Pires de Lima: falo de trapalhadas e incapacidades do Instituto dos Museus e da Conservação, IPMC.