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Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

A resposta de Rui Moreira

A revolta dos boys
 
Como esperava, a minha crónica sobre cinema suscitou a ira dos que se sentiram visados. Augusto M. Seabra, no seu papel favorito de insultador situacionista, foi um dos que espumaram e a chamaram rasca. Não faltaram os comentários jocosos, ligando-me ao futebol (de que só os indigentes e incultos gostam e falam), invocando que sou presidente da Associação Comercial do Porto (que julgam ser de horríveis comerciantes) e apelidando-me de "empresário" (que é, para eles, sinónimo de ignorante e imbecil). Distorceram, claro, o que escrevi, sugerindo que só poupei Oliveira pela sua vetusta idade, que não sei o que é "cinema de autor", que não reconheço a diferença entre qualidade e bilheteira.
 
Essa reacção sistémica dos zelosos boys e dos auto-intitulados especialistas perante a denúncia que fiz do ciclo vicioso instalado e do clientelismo que afecta e infecta a crítica cinematográfica, é tão patética como compreensível. São eles, afinal, quem tem, e quer manter, o poder. São eles quem colhe os privilégios de dominar os júris e de determinar, através da selecção e, mais tarde, da crítica, quem filma e quem não filma. Naturalmente, não lhes convém que gente como eu se atreva a discutir esses critérios ou se aventure, sequer, a escrever que gosta de um filme como Call Girl, que, segundo o inquisidor Pedro Costa, tem o triste condão de entusiasmar os burgueses por uma mulher fatal...
 
Acontece que não me conformo com esta sina do nosso cinema e não me deixo intimidar pela pabulagem dos batoteiros. Entendo que o Estado deve regular e estimular o cinema português (e não apenas o mainstream) de forma responsável. Não se pode limitar a disponibilizar apoios, lavando, depois, as suas mãos, desresponsabilizando os agentes que beneficiam de subsídios a fundo perdido, que fazem filmes totalmente pagos por esse dinheiro público e que não são auditados nem escrutinados por ninguém; a não ser pelos críticos que têm assento nos júris e que depois promovem as suas escolhas e abatem os filmes e os cineastas que ousam afastar-se e enfrentar a sua "linha justa".
 
Não me incomoda, por exemplo, que César Monteiro tenha tido uma crise de inspiração ou de fotofobia ao realizar Branca de Neve. O problema é que o subsídio que recebera destinava-se a um filme convencional (com cenários e guarda-roupa), que o cineasta nunca realizou. Este cinema "autista", que despreza o público em nome da ideia romanesca de que o artista é um incompreendido, não pode esgotar os subsídios e estes não lhe podem ser atribuídos por falsos pretextos e pelas piores razões.
 
Depois de ter lhe sugerido Call Girl, recomendo, caro leitor, que não deixe de ver As Vidas dos Outros, um magnífico produto do novo cinema alemão, disponível em DVD, que retrata o dirigismo da produção artística. Nesse caso, é certo que o dirigismo é político, mas verá que se assemelha, pela corrupção que fomenta e pelos resultados que produz, ao dirigismo estético que continua em voga entre nós e que tem, nesta gente que incomodei, os seus Stasi de serviço. A esses, prometo-lhes que voltarei, em breve, a este tema.
 
 
in “Público” de 14-01-08