Da Literatura e das normas - I
“As Vidas dos Outros”
Na mesma manhã da passada segunda-feira, em que o dislate de Rui Moreira chegava à comparação de posições críticas com a Stasi da defunta RDA evocada em As Vidas dos Outros, Eduardo Pitta punha em linha um “post”, que seria “resposta a uma leitora, M., filha de portugueses, nascida na antiga RDA, que tenta acompanhar o que se passa no nosso país, e tem dificuldade em perceber [«sinceramente não entendo»] os mecanismos de recepção cultural nos jornais e nos blogues”.Veja-se só a coincidência, ou a falta de imaginação no pretexto do argumentário...
Eu pratico a nomeação e o confronto directos, não a insinuação, mas sendo esta tão óbvia, aproveito então a oportunidade para também enunciar um ponto prévio, esclarecer uma regra e suscitar desde já alguns tópicos de reflexão.
Quero dizer em primeiro lugar que poucas coisas são para mim tão insultuosas como qualquer comparação com a RDA. Lembrar-se-ão alguns que, emocionado no momento da queda de Bagdad, que comparou ao 25 de Abril, o director do “Público”, José Manuel Fernandes, citou dois cépticos, Ana Sá Lopes e eu próprio, dizendo que estariam “com cara de comunistas na queda do Muro de Berlim”. Respondi-lhe dizendo também que o dito era tanto mais insultuoso quanto ele me conhecia o suficiente para saber o que directamente significou para mim a Queda do Muro, tanto que persisto em considerar em termos da minha vivência pessoal o 9 de Novembro de 1989 como a segunda grande data depois do 25 de Abril de 74.
Quanto a regras , aproveito para devidamente reiterar o seguinte: na apresentação desta página está escrito: “É isto um blog? Tecnicamente sim, mas o seu intento é outro. Letra de Forma será uma página de crítica e opinião, prosseguindo no espaço digital aquela que foi a minha actividade na imprensa ao longo de muito anos, (...) interessando menos, mesmo muito pouco, algumas das interacções características da blogosfera”. Entre outras razões, sou suficientemente leitor de blogues para me têr imposto como regra tentar evitar o imediatismo e os despiques taco-a-taco.
Mas sou suficientemente leitor de blogues para também acompanhar de há muito, entre outros, o Da Literatura e o que nele escreve Eduardo Pitta. Começando por dizer que, desde um post que foi o primeiro a fundadamente contestar a possibilidade do suposto “arrastão” a vários outros sobre uniões de facto, etc, apreciei com relevo muito do que escreveu. Mas também o leio o suficiente para tomar nota que, entre percursos na restauração, receitas finas e divagações sobre “hotéis de charme”, por um lado, e um impetinente tartufismo socrático que dele tem feito um dos mais destacados reprodutores do actual discurso governativo na blogosfera, Eduardo Pitta nos tem fornecido abundante material para se proceder a um “close reading” – retomando uma designação por ele tão apreciada.
Acho portanto que há de facto matéria para discutir os “mecanismos de recepção cultural nos jornais e nos blogues” de que ele fala, sem outras considerações extravagantes.