O compromisso para a Cultura - II
Retomo agora, em versão um pouco abreviada, uma análise feita quando da posse do governo de maioria absoluta do PS por várias ordens de razões.
A primeira, que se mantêm por inteira válida, diria mesmo que reiteradamente, é que se tende a esquecer que houve compromissos assumidos pelo PS perante o eleitorado, que tomaram mesmo a formulação política de Programa do Governo.
É compreensível que questões, ou quebras de promessas e objectivos claramente fixados, como a da não-subida de impostos, a construção do novo areoporto na Ota ou o referendo ao Tratado Europeu, tenham um maior impacto mediático e público. Todavia, o compromisso governamental é válido para todos os sectores, é peça indispensável e fundamental do contrato democrático e da relação entre governantes e eleitores.
Confirmada no elenco governamental a quase absoluta secundariedade da Cultura nas opções do primeiro-ministro, o que tão largamente se veio a confirmar, identificado logo nessa altura um padrão da dupla a quem foi confiada a pasta, “ambos militantes do PC até bem tarde, ao fim da União Soviética, ambos queirosianos, ambos universitários que têm estado sobretudo ligado a questões de educação mais do que propriamente às dinâmicas culturais recentes”, que se viria inclusive a revelar de tão funestas consequências na persistência de um quadro de acção dirigista, havia ainda assim que lembrar, e há que lembrar, “que as capacidades dos governantes se avaliarão em concreto, e sobretudo, naquilo a que estão comprometidos, o programa do governo. Mas a que estão eles comprometidos e que está solidariamente o governo, o Primeiro-ministro desde logo”,
Para além de outros aspectos, em que a releitura deste texto suscita até um travo amargo (como na referência concreta a Augusto Santos Silva e que “as suas características parlamentares o qualificam para o novo posto – onde, de resto, afecto ao núcleo político do governo, poderá ter um papel de sensibilização” – amargo, de facto, verificado o particular despudor e gravidade com que afinal assume também ele a vocação controleira), resta ser imperioso recordar que, para além de condutas erráticas e mesmo de relacionamento prepotente e grosseiro, para além do imenso mal-estar que suscitou nos agentes culturais, a dupla Isabel Pires de Lima/Mário Vieira de Carvalho – com a cobertura política do primeiro-ministro é óbvio, ainda que uma ou outra vez com pouco disfarçado mal-estar – deve ser responsabilizada por ter deliberadamente faltado ao próprio compromisso político do Programa do Governo – o que tentarei lembrar com mais detalhe.
E isso não é facto político menor ou irrelevante (por muito com por diferentes razões o achem, imagine-se, um Pacheco Pereira ou um Vasco Graça Moura), mas uma violação das premissas do próprio contrato democrático.