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Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

O compromisso para a Cultura - II

 

 

 
 
Retomo agora, em versão um pouco abreviada, uma análise feita quando da posse do governo de maioria absoluta do PS por várias ordens de razões.
 
A primeira, que se mantêm por inteira válida, diria mesmo que reiteradamente, é que se tende a esquecer que houve compromissos assumidos pelo PS perante o eleitorado, que tomaram mesmo a formulação política de Programa do Governo.
 
É compreensível que questões, ou quebras de promessas e objectivos claramente fixados, como a da não-subida de impostos, a construção do novo areoporto na Ota ou o referendo ao Tratado Europeu, tenham um maior impacto mediático e público. Todavia, o compromisso governamental é válido para todos os sectores, é peça indispensável e fundamental do contrato democrático e da relação entre governantes e eleitores.
 
Confirmada no elenco governamental a quase absoluta secundariedade da Cultura nas opções do primeiro-ministro, o que tão largamente se veio a confirmar, identificado logo nessa altura um padrão da dupla a quem foi confiada a pasta, “ambos militantes do PC até bem tarde, ao fim da União Soviética, ambos queirosianos, ambos universitários que têm estado sobretudo ligado a questões de educação mais do que propriamente às dinâmicas culturais recentes”, que se viria inclusive a revelar de tão funestas consequências na persistência de um quadro de acção dirigista, havia ainda assim que lembrar, e há que lembrar, “que as capacidades dos governantes se avaliarão em concreto, e sobretudo, naquilo a que estão comprometidos, o programa do governo. Mas a que estão eles comprometidos e que está solidariamente o governo, o Primeiro-ministro desde logo”,
 
Para além de outros aspectos, em que a releitura deste texto suscita até um travo amargo (como na referência concreta a Augusto Santos Silva e que “as suas características parlamentares o qualificam para o novo posto – onde, de resto, afecto ao núcleo político do governo, poderá ter um papel de sensibilização” – amargo, de facto, verificado o particular despudor e gravidade com que afinal assume também ele a vocação controleira), resta ser imperioso recordar que, para além de condutas erráticas e mesmo de relacionamento prepotente e grosseiro, para além do imenso mal-estar que suscitou nos agentes culturais, a dupla Isabel Pires de Lima/Mário Vieira de Carvalho – com a cobertura política do primeiro-ministro é óbvio, ainda que uma ou outra vez com pouco disfarçado mal-estar – deve ser responsabilizada por ter deliberadamente faltado ao próprio compromisso político do Programa do Governo – o que tentarei lembrar com mais detalhe.
 
E isso não é facto político menor ou irrelevante (por muito com por diferentes razões o achem, imagine-se, um Pacheco Pereira ou um Vasco Graça Moura), mas uma violação das premissas do próprio contrato democrático.
 
 
 

 

 

 

O compromisso para a Cultura - I

 

 

 

1 - Tendo em princípio o novo governo as condições políticas para cumprir um contrato de legislatura, a consideração das linhas programáticas que se propõe não deveria restringir-se à sede parlamentar própria da democracia representativa, mas ser mais latamente atendida no espaço público.
 
No que diz respeito ao capítulo cultural, e antes de matéria propriamente de abordagem, esclareça-se um ponto prévio, que em rigor não diz respeito apenas a esse capítulo. Que essa parte siga fielmente o programa eleitoral do Partido Socialista, não é, em boa regra democrática, suponho, razão para “decepção” ou “ausência de novidade”, mas antes de elementar manutenção de um projecto programático, que agora todavia terá, espera-se que sem a repetição das desculpas do costume, tido como linha de acção governativa.
 
Se o programa enuncia uma estratégia, os meios da sua prossecução serão escrutinados também pelo possível relevo que o sector tenha no cômputo da acção governativa e quanto isso, embora não só, é já um outro dado a escolha da equipa do Ministério da Cultura.
 
2 – Mais do que gostaria numa coluna de opinião, mas dada a falta de atenção mediática, tenho que começar por transcrever os tópicos do programa, com a sua retórica própria.
 
“A política cultural para o período 2005-2009 orientar-se-á por três finalidades essenciais. A primeira é retirar o sector da cultura da asfixia financeira em que três anos de governação à direita o colocaram. A segunda é retomar o impulso político para o desenvolvimento do tecido cultural português. A terceira é conseguir um equilíbrio dinâmico entre a defesa e valorização do património cultural, o apoio à criação artística, a estruturação do território com equipamentos e redes culturais, a aposta na educação artística e na formação dos públicos e a promoção internacional da cultura portuguesa. A opção política fundamental do Governo é qualificar o conjunto do tecido cultural, na diversidade de formas e correntes que fazem a sua riqueza do património à criação, promovendo a sua coesão e as suas sinergias.”
 
“O compromisso do Governo, em matéria de financiamento público da cultura, é claro: reafirmar o sector como prioridade na afectação dos recursos disponíveis. Neste sentido, a meta de 1% do Orçamento de Estado dedicada à despesa cultural continua a servir-nos de referência de médio prazo (…). Ao mesmo tempo, o Governo fixa quatro objectivos complementares: a) desenvolver programas de cooperação entre Estado e autarquias, que estimulem também o crescimento da proporção de fundos públicos regionais e locais investidos na cultura; b) valorizar o investimento culturalmente estruturante, na negociação do próximo Quadro Comunitário de Apoio (2007-2013); c) rever e regulamentar a Lei do Mecenato, de modo a torná-la mais amiga dos projectos culturais de pequena e média dimensão; d) alargar a outras áreas e, em particular, ao funcionamento dos organismos nacionais de produção artística, o princípio de estabilização de um financiamento plurianual”
 
É favorecido o funcionamento em rede de equipamentos e actividades culturais, tido como “ o melhor factor de consolidação e descentralização da vida cultural e de sensibilização e formação de públicos”, comprometendo-se também o Estado a “ criar programas de incentivo à qualificação dos respectivos recursos humanos e das respectivas programações, designadamente “um programa de apoio à difusão cultural, cujo objectivo principal será estimular a itinerância de espectáculos e exposições, assim como a circulação de informação e apoio técnico”, comprometendo-se também o Ministério a promover “medidas de facilitação do acesso aos diferentes bens e equipamentos culturais, a começar pela organização de um sistema de passes culturais”.
 
Sem prejuízo de outros itens, alguns dos quais de relevo, como a separação de direcção artísticas de funções administrativas em teatros nacionais e institutos públicos afins, a filosofia de acção sintetiza-se nas linhas atrás citadas, completadas pela opção pelo livro e pela leitura e pelo audiovisual como áreas de particular relevância.
 
3 – Este é, em primeiro lugar, um programa estruturado. O que é suficientemente raro para não ser assinalado.
 
A suborçamentação crónica do sector criou terríveis vícios, na reiteração das ladaínhas das verbas e dos subsídios. Não que aquelas não sejam importantes e que o reiterado horizonte de 1% do OE não seja crucial, inclusive em termos simbólicos, e até de uma criatividade com eventuais impactos económicos. Mas essa ladaínha da falta de meios financeiros de apoio às actividades, tão recorrente no espaço público, tolda a percepção genérica das dinâmicas culturais e das modalidades políticas da sua articulação, sendo estas uma instância em que há atender não apenas aos artistas e produtores mas também às formas de mediação e aos públicos, à cidadania em geral.
 
Este é um programa de acção governativa que equaciona os diferentes níveis, central e local, de estruturas públicas, a captação de apoios e participações privadas, as distribuições e acessibilidades territoriais, a relevância dos criadores e a diversidade dos públicos, os novos meios de difusão, a responsabilização e a avaliação das gestões. O seu núcleo é o de “cultura em rede”.
4 – Este programa tem a marca reconhecível de Augusto Santos Silva. E não me estou a referir apenas a quem era porta-voz do PS mas ao intelectual e sociólogo que vinha justamente colocando a ênfase no conceito de “rede”.
 
Não me cabe lamentar o facto de não ter sido ele o escolhido para a pasta. Entre o desenho de uma perspectiva e a acção há alguma diferença e, pese ainda a conjuntura financeira bastante adversa que teve que gerir, a sua anterior passagem pelo cargo não auspiciava um regresso, enquanto as suas características parlamentares o qualificam para o novo posto – onde, de resto, afecto ao núcleo político do governo, poderá ter um papel de sensibilização.
 
As questões políticas são de todo outras. Não houve qualquer indicação nem nos enunciados de Sócrates nem no seu preenchimento do cargo de uma presença da Cultura entre as suas atenções, nem mesmo do atendimento às muitas virtualidades do próprio programa.
 
Considerando a equipa Isabel Pires de Lima/Mário Vieira de Carvalho o que surpreende são as similitudes: ambos militantes do PC até bem tarde, ao fim da União Soviética, ambos queirosianos, ambos universitários que têm estado sobretudo ligado a questões de educação mais do que propriamente às dinâmicas culturais recentes. E quanto à óbvia diferença, lamento ter de constatar que a escolha de uma mulher para a Cultura, verificado o padrão geral deste governo, apenas confirma ter sido a pasta uma das últimas escolhas de Sócrates.
 
O que importa ter presente é que as capacidades dos ora governantes se avaliarão em concreto e sobretudo naquilo a que estão comprometidos, o programa do governo. Mas a que estão eles comprometidos e que está solidariamente o governo, o Primeiro-ministro desde logo.
 
Há então um outro nível político das questões. Considerando o programa do governo no seu conjunto, a “Cultura” é um item desgarrado do objectivo estratégico prioritário de “qualificação dos portugueses”, sublinhado em termos de plano tecnológico, inovação e ciência. Daí decorrem diferentes perspectivas de concretização orçamental, mas que podem também implicar o empenho político em “valorizar o investimento culturalmente estruturante”, inclusive na negociação do próximo Quadro Comunitário de Apoio. Ou a própria “estratégia de Lisboa” não passará também por aqui?
 
 
PÚBLICO, 27-03-05

Exonerada!

 

 

“O Primeiro-Ministro solicitou hoje a S. Exa. o Presidente da República a exoneração, a seu pedido, do Ministros da Saúde, Professor António Correia de Campos e da Cultura, Professora Isabel Pires de Lima” – Nota do Gabinete do Primeiro-Ministro, 29-01-08
 
“Em consciência, não vejo que haja objectivamente razões que motivem o primeiro-ministro a remodelar a pasta da Cultura. Pelo contrário.” (Isabel Pires de Lima, “Expresso” – 29-09-07)
 
 
“Gostava de ver lançado um grande festival ligado à ópera, os termos ainda não estão bem definidos. Teríamos de criar um festival de ópera que fosse o último da temporada europeia. Uma coisa que poderia ter poderia lugar no mês de Setembro, com produção do Teatro Nacional de São Carlos, mas realizado em vários espaços ao mesmo tempo e eventualmente em espaços ao ar livre” (Isabel Pires de Lima - “Notícias Magazine”, 16-09-07)
 
 
Assim falava Isabel Pires de Lima, que em tão alta consideração se tinha, e que tão longe no tempo e em tão grande escala imaginava a sua acção.
 
O seu balanço, e o do secretário de Estado Mário Vieira de Carvalho, é um desastre: desrespeito sistemático do compromisso político que é o Programa do Governo, dirigismo em especial patente nas mudanças de direcção artística de teatros nacionais e na criação da malfadada OPART EPE, - de que o infausto revestimento da operação Das Märchen foi o culminar -, total incapacidade em prover novo quadro legal ao mecenato, desconsideração dos agentes artísticos, da sua situação profissional e da regulamentação da sua segurança social, operações altamente dispendiosas sem justificação cultural sólida como a exposição do Hermitage, falta de acautelamento do interesse público numa negociação como a do Museu Berardo, etc., etc.
 
E lá se foi, enfim….
 

Messiaen - I, Turangalîla - I

 

Olivier Messiaen
Turangalîla-Symphonie
Stefan Litwin, Valérie Hartman-Claverie
Orquestra Nacional do Porto
Michael Zilm
Casa da Música, 26 de Janeiro
 
 
As comemorações do centenário do nascimento de Olivier Messiaen (1908-1992) não têm em Portugal a mesma intensidade que noutros países – e não só em França – mas começam agora por uma circunstância absolutamente excepcional, com duas sucessivas interpretações de uma das mais emblemáticas obras do compositor, e uma das mais extraordinárias obras orquestrais do século XX, a Turangalîla-Symphonie.
 
A primeira ocorreu no sábado, no Porto, na Casa da Música, a segunda será hoje, em Lisboa, no Coliseu dos Recreios, concerto integrado no ciclo de Grandes Orquestras da Gulbenkian.
 
Desde 1967, quando da sua 1ª audição em Portugal, que a Turangalîla não é ouvida em Lisboa e desde essa mesma data, quando foi executada pela então Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional, que não figurava no programa de nenhuma orquestra portuguesa.
 
O segundo facto, por si só, diz bem do particular relevo que teve o concerto de sábado. É efectivamente preciso uma orquestra que seja um corpo constituída com suficiente solidez para se abalançar à gigantesca e deslumbrante partitura de Messiaen, com a sua miríade de cores. E, para todos os efeitos, a continuidade de trabalho da ONP faz dela, de facto, a única orquestra sinfónica portuguesa, tanto mais que a propriamente chamada Orquestra Sinfónica Portuguesa continua em termos reais a ser a formação do São Carlos, do teatro de ópera, sem as desejáveis condições de trabalho, e sem uma programação de concertos com a regularidade suficiente para a tornar perceptível em termos públicos.
 
 
 
 
 
Esta foi uma outra ocasião em que a ONP afirmou os frutos do seu continuado trabalho. E foi também uma outra ocasião para confirmar a particular inclinação de Michael Zilm para o reportório de grandes dimensões sinfónicas, pós-romântico e do século XX.
 
A Turangalîla-Symphonie é uma obra cósmica, em que a construção temática e o jogo de timbres e dinâmicas exigem uma grande precisão e clareza. Foi isso que Zilm logrou, nomeadamente nos grandes crescendos da obra, na definição de planos dos “naipes”, na clara legibilidade dos temas estruturais, sobretudo o “tema do amor”.
 
 
 
 
Sendo sabido o particular conhecimento e a virtuosidade que a linguagem pianística de Messiaen sempre requer, mesmo no caso das intervenções do instrumento nesta obra, foi também apreciável o contributo de Stefan Litwin.
 
Entretanto, e dentro da margem de imponderáveis de qualquer realização musical, é outro grande momento que, com fundadas razões, se pode esperar hoje no Coliseu. Nesse intervalo de 40 anos, houve uma única execução da Turangalîla em Portugal, a 8 de Abril de 2003 no Euro-Parque de Santa Maria da Feira, justamente com a mesma orquestra e maestro, a Orquestra Sinfónica da Rádio de Baden-Baden e Freiburg e Sylvain Cambreling – e foi um concerto memorável, de intensas emoções.
 
O programa geral da Gulbenkian é omisso quanto aos solistas, mas podendo o panorama internacional das celebrações ser seguido no site www.messiaen2008.com, a informação aí existente é a de que na digressão da Orquestra fazendo esta obra os solistas são Valérie Hartman-Claverie em Ondas Martenot, tal como no concerto da ONP, e um dos máximos intérpretes pianísticos actuais de Messiaen, Roger Muraro.
 
E, a propósito, refiram-se então alguns dos maiores destaques deste Ano Messiaen: o Festival dirigido por outro grande intérprete e pianista, Pierre-Laurent Aimard, na South Bank de Londres, o “Parcours Messiaen” que decorre desde o passado dia 19 em Avignon (terra natal do compositor) e se prolonga até Dezembro, as representações de Saint-François de Assise na Ópera da Holanda em Junho, e a série de concertos que Myung-Wung Chung dirige em Paris, ao longo do ano, na Salle Pleyel e no Théâtre des Champs Elysées, incluindo o Saint-François em versão de concerto.
 
 
Turangalîla-Symphonie
Orquestra Sinfónica da Rádio de Baden-Baden e Freiburg
Sylvain Cambreling
Coliseu dos Recreios, hoje, às 21h

O conto interminável, a ópera dos fogos-fátuos - I

“Das Märchen”, ©Alfredo Rocha
 
 
 
Das Märchen
de Emmanuel Nunes
encenação de Karoline Grüber
direcção de Peter Rundel
São Carlos, 25 de Janeiro – estreia mundial
 
 
Antes do mais, a obra – estra concreta ópera, Das Märchen, e a obra de Emmanuel Nunes, em geral.
 
Sim, “complexidade” e “rigor” são termos que sempre ocorrem a propósito de Nunes. Há um outro modo de considerar essa obra, sem desmentir essas caracterizações: por muito que pense e evoque, não me ocorre uma escrita musical hoje tão estritamente “ontogenética”. Com isso quero referir-me à “rigorosa” obsessão com as potecialidades de uma matéria musical, e tão só com a “complexidade” dessa composição.
 
Exemplos maiores são os dois vastos ciclos de obras, o centrado em Ruf e o outro, a partir de Nachtmusik I, designado como “A Criação”. Não duvido, de modo algum, que são dois vastos exemplos de “construtivismo musical”, sejam susceptíveis de detalhadas análises. A questão é que a “análise musical” pode ser frutuosa e esclarecedora, é com certeza um indispensável utensílio de aprendizagem e saber, mas não é si mesma “música”. E a música é eminentemente uma arte de dimensão pública.
 
Como no caso de um Boulez, há também em Emmanuel Nunes essa espantosa capacidade de expôr num acorde inicial as premissas da matéria musical – e o acorde inicial de Das Märchen é um exemplo portentoso. Mas, sem prejuízo da exigência de “rigor” e de “complexidade”, há uma inteligibilidade da matéria que, dada a dimensão pública da arte da música, não é suposto confinar-se apenas ao caracter estritamente “ontogenético” dessa matéria, sob pena de a percepção das próprias lógicas construtivas ficar restrista ao autor e aos seus especialistas.
 
Pois que falei em Boulez, cujo pensamento musical é um influxo central em Emmanuel Nunes (mais, muito mais do que um também tantas vezes evocado Stockhausen, do qual em Nunes apenas sinto as visíveis marcas de Gruppen), também recordarei que, desde o início dos anos 80, desde o extraordinário Répons, e com base contretamente também na sua tão fecunda experiência de intérprete, noções como a de “trajectória” e de “escuta” lhe passaram a ser axiais. Ora, o que é radical em Nunes - em sentido literal, de raíz – é o fechamento à perspectiva de qualquer dimensão ou parâmetro que não seja apenas o das potencialidades ontogénicas da sua matéria musical. É um pensamento unicitário e anti-dialógico, que exclui qualquer possibilidade de um Outro. Donde, a escuta pode interessar-lhe enquanto a sua própria escuta do material que elaborou, mas não fundamentalmente nos termos próprios da dimensão pública. Dito de outro modo, é também um pensamento voltado para o interior do labirinto da sua complexidade, e desse modo fortemente entrópico.
 
De facto, o “discurso sobre Nunes”, a “doxa” ciosamente constituída, é também o de uma “verdade revelada”, de que o garante é o próprio compositor e tão só ele. Isto são características gerais, que evidentemente não desmentem ou excluem a fertilidade de um pensamento musical e de algumas obras admiráveis – a meu ver Ruf e Quodlibet sobretudo. Mas que também sugerem uma prudência acrescida ao modo como as referências alardeadas pelo compositor e as suas declarações se tornam “verdades incontestáveis”, quando há também que as situar em termos de recepção – e de recepção crítica.
 
Um tão acentuado pendor entrópico seria sempre uma questão que acrescidamente se colocaria perante uma ópera, uma obra que exige uma realização cénica e um outro tipo de percepção e recepção. Ainda assim, e porque apesar de ter uma posição de prevenção e de distância crítica, a grandeza do compositor Emmanuel Nunes não deixa de me ser evidente, não suporia que esse radical alheamento de um qualquer Outro e das coordenadas concretas de um espectáculo de teatro musical e dos espectadores fosse tão extremo mesmo em Das Märchen.

O conto interminável, a ópera dos fogos-fátuos - II

“Das Märchen”, ©Alfredo Rocha
 
 
Eis uma “ópera” que, como muitos poucas (só me ocorre essa tentativa de escrita das Tábuas da Lei que é o Moses und Aaron de Schönberg), intenta fazer jus à raíz do termo, isto é, ser “a Obra”.
 
Ao trabalhar sobre Das Märchen de Goethe, ou simplemente “o conto” (embora deva ser entendido mais especificamente no sentido de “conto maravilhoso”), Emmanuel Nunes não realiza apenas a sua obra mais ambiciosa mas uma moralidade na sequência da Flauta Mágica de Mozart, nem menos (e já agora, de A Mulher sem Sombra de Hoffmansthal e Strauss – mais uma coincidência que propriamente uma referência, que não é por certo para Nunes).
 
O que a ópera também revela, e é facto que tem de ser devidamente escrito, com todas as letras, é que o compositor, sendo um autor cultissimo, não tem todavia a menor cultura teatral e cénica. Neste aspecto, crucial, Das Märchen é de facto uma obra espantosa, de inanidade.
Emmanuel Nunes, compositor do eixo franco-alemão de origem portuguesa (e que é “compositor português” quando devidamente lhe convém, como se sabe, quando se trata de obter o apoio e as garantias de mandarinato de entidades e poderes portugueses), foi apresentando o caminho para Das Märchen em várias obras intituladas Épures du serpent vert (a personagem principal do conto de Goethe é uma serpente verde). Recentemente, o Remix, sob a direcção de Peter Rundel, apresentou e gravou mesmo (conjuntamente com Duktus), as Épures du serpent vert II, obra espantosa de incandescências e invenções tímbricas, correspondendo ao “desenho” das partes 2 e 3 da Cena I da ópera.
 
Não me está em dúvida a invenção do material, e apesar da sua duração de 1h58’ (“batendo” inequívocamente a 1h45/1h50 do Acto I do Parsifal de Wagner nas leituras mais lentas), o Acto I de Das Märchen ainda me afigura de grande riqueza, apesar de, entre outros, dois aspectos: a falta de inteligibilidade da concepção dramática e a banalidade da escrita coral, este último um aspecto que, devidamente ponderado e atendendo a já infelizes exemplos anteriores (73 Oeldorf- 75 II, Vislumbre ou Machina Mundi), até não de será de todo surpreendente, mas que a este nível de banalidade é embaraçante num compositor da envergadura de Nunes. Sendo até mais curto, o Acto II é no entanto o da confirmação da catástrofe.
 
Entendamo-nos sobre os “discursos sobre Nunes” e a “doxa” constituída: não é pelo facto do compositor invocar a Fenomenologia de Husserl que uma “fenomenologia do tempo” se torna constituítiva da sua obra; pelo contrário é até com alguma frequência um dos seus aspectos mais problemáticos – no epílogo de 47’ minutos de Das Märchen essa questão chega mesmo a um patamar exasperante.
 
Com obstinado rigor, sem dúvida alguma, Emmanuel Nunes concretizou esta ópera com uma conjunção de meios de todo inédita, co-produção do São Carlos, da Casa da Música e da Gulbenkian (além do IRCAM, no tocante à realização electroacústica) reunindo o Remix, a Orquestra Sinfónica Portuguesa e o Coro de São Carlos e ainda, segundo o que é referido no programa, com a colaboração da Companhia Nacional de Bailado – já agora lembrando eu que originalmente estava sim previsto o Ballet Gulbenkian, pelos vistos removido da memória pública. E nem estou sequer agora a falar de um empenhamento directo dos responsáveis do Ministério da Cultura, isto é, do poder político, na solicitação de meios para uma extravagante operação de teledifusão e de um “oportuno” colóquio de “consagração” – isto sem falar mesmo do que não pode ser esquecido, isto é, das intrigas directas do compositor com vista à alteração da direcção artística do teatro, objectivo logrado, como se sabe.
 
 
Pode então perguntar-se, e pergunto eu: estes meios todos para quê? Como é por exemplo admissível, nos precisos termos do rigor que se reconhece em Emmanuel Nunes, que uma imensa percussão todavia mal se ouça, perdida no trajecto entre o Salão Nobre, para onde teve de ser remetida por óbvios motivos logísticos, e a sala? Que “rigor” há na banalidade da escrita coral? Que “rigor” há na participação de um grupo de bailado que o compositor quis desde o princípio e para o qual não tem nenhum pensamento constituído? O que pensa Emmanuel Nunes que é o teatro musical: uma inacreditavelmente dispendiosa récita de “kindergarten”?
 
Há em Das Märchen, o conto de Goethe e a ópera de Nunes, umas personagens de relevo que são os Fogos-Fátuos. Lamentavelmente, e apesar das belezas que na obra também há (e repito que, apesar da vacuidade da concepção dramática, as quase duas horas do Acto I me surgem de grande beleza musical), Das Märchen é um Fogo-Fátuo, com uma encenação atroz no seu simples propósito “ilustrativo”, e mesmo que com uma realização musical empenhadíssima, na direcção de Peter Rundel e também, há a assinalar, contando com um cantor de excepção, o baixo Mathias Hölle.
 
Lamento, sinceramente lamento, em primeiro lugar pela simples razão “egoísta” de que não gosto de me chatear num espectáculo (e já me tinha bastado o que sofri no Rigoletto), em segundo lugar porque as questões contemporâneas da ópera me interessam como poucas, em terceiro lugar porque tenho o devido respeito e admiração, tantos vezes reiterados, pela obra de Nunes, que venho seguindo de há muito e sobre a qual venho escrevendo faz 30 anos; lamento, lamento sinceramente, mas enquanto objecto-ópera, nos seus próprios termos programáticos, Das Märchen afigura-se-me um desastre muito para além de tudo o que se poderia recear.
 
Não vejo “promessa” ou “aurora” alguma na obra, tão só os fogos-fátuos de uma ópera enquanto manifestação do poder.

Dez pontos sobre o Museu Berardo

Daniel Buren: “Projecto-Soprar: Deambulatório”
(em “Um Teatro sem Teatro”)
 
 
Por falar na exposição Um Teatro sem Teatro no Museu Berardo: Dez pontos sobre o Museu Berardo é a minha crónica "O Estado da Arte" deste mês na Artecapital.net. Sem prejuízo de manter presentes os termos poucos acautelados para o interesse público do acordo entre o Estado e o investidor e coleccionador José Manuel Rodrigues Berardo, ou a amputação numa importante entidade pública cultural como o CCB de uma sua componente estrutural, há também que fazer uma apreciação do Museu e da sua programação com a experiência de sete meses passados, o que deve ser autonomizado das susceptibilidades que suscita e justifica a pessoa concreta do investidor.
Essa mostra veio também pôr em evidência que o espaço que era o do Centro de Exposições do CCB continua a ser uma plataforma de acolhimento de exposições temporárias, embora também a sua concreta montagem não deixe de manifestar alguns problemas de exiguidade – isto para além das questões, essas intrínsecas à própria exposição, de mesmo numa tão importante proposta interdisciplinar ser ainda assim dado um muito maior concreto relevo às obras, autores e matérias reconhecidos como do campo das artes visuais, em detrimento das propostas teatrais e performativas, um aspecto a abordar em textos mais detalhados sobre a exposição.

Presenças de Beckett

 

 

 
“Esse est percipi”, “ser é ser apercebido”, postulou George Berkeley (1685-1753), eclesiástico e filósofo irlandês, filósofo do empirismo. O postulado foi retomado por outro irlandês, Samuel Beckett (1906-1989), na sua incursão cinematográfica designada tão só como Film – e genial filme de 22’ – como uma peça há que tão só se chama Play. Ainda que realizado por Alan Schneider (e com fotografia de um dos mestres maiores, o irmão de Dziga Vertov, Boris Kaufman – os filmes de Jean Vigo ou Baby Doll, Há Lodo no Cais e Esplendor na Relva de Kazan têm a sua impressão fotográfica), seria erróneo dizer que, como nas convenções de uma ficha técnica, Beckett teria sido o “autor do argumento” – a concepção é inteiramente sua, e para supervisar, ou para finalmente se encontrar com Busker Keaton, pois que é ele o protagonista, Beckett até viajou de Paris para os Estados Unidos.
Buster Keaton, de facto...
Muito falam Vladimir e Estragão enquanto esperam, esperam, À Espera de Godot, e a sua imobilidade não deixa de evocar a passidade do homem que nunca sorria...e nunca falou – e ainda mais evoca Keaton a ainda mais imóvel Winnie de Dias Felizes. São todos seres de linguagem e de circunstâncias que outros determinaram, existem, “são”, enquanto circunstãncias e percepções.
“Esse est percipi” – “mas como escapar às ‘felicidades do percipere e do percipi’ se pelo menos uma percepção existirá enquanto vivermos, a mais temível, a de si pelo próprio?”, perguntava a propósito Gilles Deleuze em Cinema I – A Imagem-Movimento. A questão é ontológica, e se é de alguma maneira questão fundamental do teatro de Beckett (Winnie ou Krapp), não menos é uma questão fulcral de cinema nos termos em que ele a delineou.
“O”, a personagem de Keaton, é alguém “em busca do não-ser, tentando escapar a percepções exteriores para caír na inexorabilidade da auto-percepção” (Beckett). “O” tenta assim escapar a “E”, a “e(ye)”, ao olho da câmara, que de facto é como uma outra personagem. Questão eminentemente de cinema, pois.
Film de Samuel Beckett e Alan Schneider é exibido hoje às 19h30 na Cinemateca Portuguesa, com Hautes Solitudes de Philip Garrel.
“Quad”
Uma outra presença de Beckett ocorre na magnífica exposição Um Teatro sem Teatro, patente no Museu Berardo: Quad (sobre a qual Deleuze escreveu um texto próprio, L’Epuisé), de resto numa apresentação bem mais interessante que a do écrã de televisão em que estava encerrada nessa outra recente exposição no Museu do Chiado, Centro Pompidou: Novos Media, 1965 – 2003.
Há Beckett e Bruce Nauman, Beckett que influencia Nauman, este que homenageia o outro em Slow Angle Walk (Beckett Walk), admirável percepção da lógica “coreográfica”, de organização do movimento, que há na obra do outro - não deixa aliás de ser espantoso que a obra de Nauman, de 1968, seja um ano anterior a Film, que entre “O” e “E”, tão extraordinariamente afirmaria essa lógica. De resto, acrescente-se, um recente intérprete de Acto sem Palavras em Nova Iorque foi...Mikhail Baryshnikov.
“Slow Angle Walk (Beckett Walk)”

Histórias do Cinema

“A Tradição está na Passagem do Fogo e não no Culto das Cinzas” de Gustav Deutsch
 
A “opus magnum” que são as Histoire(s) du Cinèma de Jean-Luc Godard, recém-editadas pela Midas, constitui-se como o mais cabal e fértil exemplo da importância de uma reflexão cinematográfica sobre a própria história do cinema. Mas há outros importantes exemplos: os trabalhos de Gustav Deutsch (que têm vindo a ser apresentada em Vila do Conde, no festival, mas também na Galeria Solar), de Al Jaritz, Hollis Frampton, Thom Andersen, Hartmut Bitomsky, etc. É um panorama dessa reflexão que agora nos é proposto, num ciclo programado por Ricardo Matos Cabo na Culturgest.
 
 
 
HISTÓRIAS DO CINEMA POR SI PRÓPRIO
 
Este programa é uma pequena introdução ao tema vasto das histórias do cinema através do cinema. Apresenta ensaios visuais, documentários e outras formas que reflectem através das imagens e dos sons uma visão crítica da História do Cinema para além da cronologia e da história dos autores ou épocas, recorrendo a excertos, à reutilização de imagens, à invenção e análise visual. O programa apresenta diversos exemplos e abordagens deste género maior, presente desde sempre na história do cinema: formas pedagógicas e críticas, meta-histórias do cinema, filmes--compilação, reconstituições e outras formas que se relacionam directamente com esta possibilidade do cinema de constituir um discurso sobre si próprio.
 
 Quarta 23 · 18h30
Modelos pedagógicos/críticos
Naissance du Cinéma de Roger Leenhardt, 1945, 45’
Eadweard Muybridge, Zoopraxographer
de Thom Andersen, 1974, 60’
Naissance du Cinéma foi uma encomenda de Henri Langlois a Roger Leenhardt e faz uso da colecção de dispositivos cinematográficos da Cinemateca Francesa para reconstituir alguns momentos da história primitiva do cinema. O filme de Thom Andersen é um ensaio sobre as implicações históricas, científicas e políticas da obra de Eadweard Muybridge.
Quarta 23 · 21h30
A tradição está na passagem do fogo e não no culto das cinzas
Tradition ist die Weitergabe des Feuers und Nicht die Anbetung der Asche
[A Tradição está na Passagem do Fogo e não no Culto das Cinzas] de Gustav Deutsch, 1999, som, 1’
The Film of Her

Uma sessão dedicada à cultura do arquivo, da preservação do suporte e do fragmento através de diferentes exemplos – um documentário sobre a descoberta da colecção de “paper prints” da Library of Congress nos EUA, um filme de Hollis Frampton composto por imagens retiradas dessa colecção, duas alegorias sobre o fogo, a cinza, a preservação e destruição do suporte nitrato; uma colecção de fragmentos preservados pelo Nederlands Filmmuseum e finalmente um ensaio autobiográfico de Morgan Fisher composto por imagens de fragmentos de película coleccionados pelo realizador.
de Bill Morrison, 1996, p/b, som, 13’
Public Domain
de Hollis Frampton, 1972, p/b, sem som, 18’
Transparencies
de Yervant Gianikian e Angela Ricci-Lucchi, 1998, 10’
Bits and Pieces
compilados no Nederlands Filmmuseum (selecção), 10’
Standard Gauge de Morgan Fisher, 1984, 35’
Quinta 24 · 18h30
Clássicos instantâneos
Intolerance (Abridged)
de Standish Lawder, 1960, 15’
Screening Room with Standish Lawder and Stanley Cavell de Robert Gardner, 1973-2005, 70’

Intolerance (Abridged) é o primeiro filme de uma série que Standish Lawder chamou de “clássicos instantâneos”. É uma redução e compressão da totalidade do filme de D.W. Griffith. O episódio de Screening Room documenta o encontro entre Standish Lawder e o filósofo norte-americano Stanley Cavell, aquando da publicação do seu primeiro e fundamental livro sobre cinema, The World Viewed.
Quinta 24 · 21h30
A reconstituição biográfica, o ensaio visual, e o making-of experimental
Le grand Méliès
de Georges Franju, 1951, 25’
Visual Essays: Origins of Film – Méliès Catalogue

Um filme menos conhecido de Georges Franju, recreação de momentos da vida de George Méliès, tendo como protagonistas a própria família do realizador. De seguida três estudos visuais de Al Razutis, investigações sobre a matéria pictural e fantasmática dos filmes de Méliès.
A segunda parte da sessão abre com outro dos ensaios de Al Razutis da mesma série tendo como eixo as imagens da chegada à estação filmadas pelo irmãos Lumiére. A fechar dois filmes raros sobre a rodagem de La Roue e La Fin du Monde de Abel Gance.
de Al Razutis, 1973, 8’
Visual Essays: Origins of Film – Sequels in Transfigured Time
de Al Razutis, 1976, 14’
Visual Essays: Origins of Film – Lumière’s Train (Arriving at the Station)
de Al Razutis, 1979, 9’
Autour de la Roue
de Blaise Cendrars, 1920-23, 15’
Autour de la Fin du Monde de Eugène Deslaw, 1930, 15’
Sexta 25 · 18h30
Diversidade primitiva
Opening the Nineteenth Century
de Ken Jacobs, 8’
A partir de filmes de viagem do catálogo Lumière, um filme que usa o Efeito Pulfrich a 3D. O filme é simétrico podendo ser mostrado em qualquer direcção. O feixe do projector mantém o ângulo quando encontra o écran, introduzindo volume e luz enquanto Paris, Cairo e Veneza de há um século atrás desfilam pelo écran.
Tom Tom the Piper’s Son
de Ken Jacobs, 1969, 115’
Análise do filme Tom Tom The Piper’s Son realizado por Billy Bitzer em 1905, um filme inspirado numa gravura de William Hogarth, “Southwark Fair”, originando uma transfiguração espectral das imagens de origem. Jacobs penetra na imagem, estudando cada plano em detalhe e criando um dos trabalhos mais importantes do cinema de vanguarda norte-americano.
Sexta 25 · 21h30
A saída da fábrica – variações
Motion Picture: La sortie de l’usine lumière à Lyon
de Peter Tscherkassky, 1984, 3’30’’
Arbeiter verlassen der Fabrik

Variações sobre um dos motivos primeiros da história do cinema – a saída da fábrica. O filme-compilação de Farocki reúne e comenta diversas imagens de filmes ao longo da história que mostram o movimento de saída dos trabalhadores. No final uma selecção dos filmes da dupla Mitchell e Kenyon, documentos sobre a Inglaterra no início do século.
de Harun Farocki, 1995, 36’
Factory Gate Films da colecção Mitchell e Kenyon
Sábado 26 · 16h00
As história(s) do cinema
Visual Essays: Origins of Film – Storming the Winter Palace
de Al Razutis, 1984, 16’
O último dos ensaios visuais de Al Razutis é uma reflexao sobre a montagem e a dialética nos filmes de Eisenstein a partir de imagens de “Outubro” e dos escritos de Benjamin Buchloh, entre outros.
Gloria!
de Hollis Frampton, 1979, 10’
“Em Gloria!, Frampton confronta formas do século XIX com formas contemporâneas, através da junção de um filme de cinema primitivo com a imagem vídeo de material textual. (...) Gloria! transforma-se numa meditação cómica, por vezes comovente, sobre a morte, a memória e sobre o poder da imagem, música e texto para ressuscitar o passado.”
Bruce Jenkins
Moments Choisis des Histoire(s) du Cinéma
de Jean-Luc Godard, 2000, 84’
“Aquilo que revela Godard nestes Moments Choisis é o valor introspectivo da sua reflexão em acto sobre a imagem. Não fazer da história do cinema um monumento cronológico, mas um sonho filosófico imemorial.” E. de Lastens
Sábado 26 · 18h30
A história elementar do cinema
Conferência de Klaus Wyborny com projecção de Elementare Filmgeschichte
A História Elementar do Cinema de Klaus Wyborny é um trabalho em progressão desde 1971 – uma sucessão de filmes de Hollywood filmados de um ecrã de televisão. Filmando apenas alguns fotogramas de cada plano, Wyborny comprime os originais a apenas uns minutos cinéticos. O resultado não só tem o efeito de transformar “Morocco” ou “Million Dollar Legs” em anticipações do seu próprio trabalho, oferecendo uma análise útil da consistência visual que existe e atravessa um dado filme. Os filmes, ordenados cronologicamente tornam explícito o declínio da narrativa comercial e a cada vez maior dependência na forma do campo/contra-campo. Klaus Wyborny estará presente para falar sobre este projecto.
Sábado 26 · 21h30
Antologia do cinema – Hartmut Bitomsky (I)
Das Kino und der Tod
* [O Cinema e a Morte] de Hartmut Bitomsky, 1988, 56’
Flächen, Kino, Bunker – Das Kino und die Schauplätze ** [Superfícies, Cinema, Bunkers] de Hartmut Bitomsky, 1991, 52’

No primeiro filme do projecto Antologia do Cinema de Hartmut Bitomsky, pergunta-se “Porque é que o cinema sente necessidade da morte, se não a pode mostrar?” – O monólogo do realizador cruza o discurso das imagens. O segundo é um filme sobre os lugares tal como são imaginados pelo cinema: espaços de lembrança, reais, semelhantes...cruzados por Hitchcock, Chaplin, Buñuel, Renoir e Depardon.
Domingo 27 · 18h30
Antologia do cinema – Hartmut Bitomsky (II)
Jean Rouch. Premier film: 1947-1991
de Dominique Dubosc, 1991, 27’
Jean Rouch improvisa um novo comentário em harmonia com as suas imagens, terminando assim finalmente, em 1991, o seu «primeiro filme», Au Pays des Mages Noirs.
Das Kino und der Wind und die Photographie: Sieben Kapitel über Dokumentarishe Film
** [O Cinema, o Vento e a Fotografia: Sete Capítulos sobre o Filme Documental] de Hartmut Bitomsky, 1991, 52’
Em “O cinema, o vento…”, o cineasta inquire livremente extratos de citações sobre as imagens documentais e a sua “verdade”. Cruzamos Flaherty, Ivens, Robert Frank, Peter Nestler, Jean Vigo…
Domingo 27 · 21h30
Morrer pelas imagens
La mer et les jours
de Alain Kaminker e René Vogel, 1958, 22’
Mourir pour des images de Réne Vautier, 1971, 45’

“Morrer pelas imagens” reconstitui através de entrevistas a rodagem do filme La Mer et Les Jours, realizado em 1958 por Alain Kaminker e REné Vogel (e com um texto de Chris Marker). Alain Kaminker desapereceu durante a rodagem do filme, um documentário sobre a vida dos habitantes da Ilha de Sein. O filme constitui-se como uma interrogação sobre os laços que unem quem filma aquem é filmado.

BMC-NYC

 

 

 

 
“BMC-NYC” é uma produção conjunta da Orchestrutopica, da Fundação de Serralves (Porto) e do CCB (Lisboa)
Comissário: Augusto M. Seabra
 
Robert Rauschenberg encontrou John Cage e Merce Cunningham no Black Mountain College em 1949. Algumas das suas primeiras pesquisas, as “White paintings” designadamente, são paralelas à radicalidade de propósitos de Cage, por exemplo na célebre peça silenciosa, 4’33’’.A influência de Cage e dos “happenings” no Black Mountain College é de fundamental importância no percurso de Rauschenberg, influência que, de resto, este transmitiu a Jasper Jonhs; a 15 de Maio de 1958, no Town Hall de Nova Iorque, ocorreu mesmo um concerto retrospectivo de 25 anos de obras de Cage, produzido por Rauschenberg, Johns e o cineasta Emílio de Antonio. Inclusive as suas famosas “Combines” são também elas aproximáveis do princípio da “music of chances” desenvolvido por Cage.Mas, se a também designada “New York School” teve em John Cage o seu pólo de referência, as relações entre as artes, e nomeadamente entre música e pintura, foram também recorrentes na obra de outro dos maiores compositores norte-americanos, Morton Feldman. Em torno da relação da relação Rauschenberg-Cage, este concerto evoca a paisagem artística extraordinariamente fértil que se constituíu no eixo Black Mountain College – New York City.
 
26 de Janeiro | 16.00 | Biblioteca de Serralves |  Apresentação do concerto
por Augusto M. Seabra
 
26 de Janeiro | 21.30. | Auditório de Serralves
27 Janeiro | 17.00 | CCB, Pequeno Auditório
 
 
 
ORCHESTRUTOPICA
Pedro Amaral, maestro
António Pinho Vargas, participação especial
John Cage
Music for Marcel Duchamp
John Cage
CREDO IN US
Christian Wolff
For 5 or 10 Players
 
John Cage
Music for Piano 4-19
John Cage
4'33''
Earl Brown
Folio and Four Systems
October 1952
November 1952
December 1952
MM 87/MM 153 March 1953
Music for “Trio for five dancers” 1953
Four systems Jan 1954
 
Morton Feldman
Ixion

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