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Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

Sidney Pollack - II

 

 

 

Há actores tentados pela realização e Robert Redford foi um dos que fizeram a passagem. Há reaìizadores que antes pensaram ser actores e um deles é Sidney Pollack. O que torna singular a obra deste realizador limitado, ou fazedor de filmes tradicionais como ele próprio diz, é antes do mais a sua continuada colaboração com Robert Redford. Uma colaboração longa mas mais do que uma colaboração, desde logo pelo estatuto que Redford teve como uma das imagens da América e pelo modo como essa imagem e as suas mutações são um eixo condutor nos filmes de Pollack.
 
 
Depois de África Minha Pollack dedicou-se sobretudo à produção. Quanto a Redford, é cada vez menos actor, dedicando-se à realização e ao Sundance Institut onde autores podem preparar os seus filmes longe de Hollywood. Voltaram a encontrar-se em Havana. Jack Weil , a personagem de Redford, é um jogador de póquer americano que chega à capital cubana pouco antes do triunfo dos guerrilheiros. Tem uns 54 anos, mais ou menos a idade de Redford, e a de Pollack, e a sua dedicação ao jogo será perturbada pelo conhecimento de uma mulher sueca (Lena Olin) casada com um revolucionário e envolvida em actividades clandestinas.
 
Poderia ser um filme dos anos 50, e se não o é, num curioso circuito de tempo, é precisamente porque essa imagem de Redford, que vem dos anos 60, que poderia ter algo de kennediano e em que politicamente a América se terá revisto pela última vez quando Jimmy Carter ainda sorria, essa imagem está envelhecida.
 
 
Como reage se lhe disser que Havana é um filme antiquado?
 
SIDNEY POLLACK- Depende. Há pessoas que o dizem no melhor sentido, outras em sentido negativo. Depende. Há pessoas que preferem algo mais contemporâneo, técnicas mais inovadoras, etc. As raízes da minha técnica cinematográfica são muito tradicionais, muito pouco imaginativas em termos de estilo. Não sou um estilista do cinema, porque me preocupo sobretudo com a história e as personagens. Tenho a certeza de que os meus filmes foram fortemente influenciados pelos que vi quando era um jovem estudante; foi no final dos anos 40 e nos anos 50, e eram filmes clássicos americanos. Por isso depende – se se gosta dos meus filmes, diz-se que são tradicionais; se não se gosta, chama-se-lhes antiquados.
                                                      
O passado está também presente por esse elemento de nostalgia que é muito importante nos seus filmes, como em O Nosso Amor de Ontem [The Way We Were] ou Havana.
 
Sim, sim. Eu até acho que as personagens que Redford tem vindo a interpretar têm muito em comum, são muito a mesma personagem em todos os filmes, só que vai ficando cada vez mais velha. Havana é uma espécie de fim da estrada.
 
Há quanto tempo se conhecem?
 
Há uns 30 anos. Conhecemo-nos em 1960. Éramos ambos actores.
 
E ele tornou-se o actor que V. não foi, é isso?
 
Sim.
 
 
Será ele então o seu alter-ego nos filmes?
 
Bom, eu não penso conscientemente nele como um alter-ego, mas ele tornou-se um porta-voz regular das minhas preocupações. Desempenha o papel do americano ambivalente melhor que ninguém, ou seja, o tipo com um aspecto exterior suave e um interior mais perturbado e sombrio. Nesse sentido, ele é uma excelente metáfora para a América.
 
Se com Havana não tentou fazer um Casablanca, e se não tentou fazer de Redford o seu Bogart, perguntar-lhe mesmo assim se há algum actor clássico americano de que se tivesse recordado.
 
Eu estava a tentar captar a forma de estar dos anos 50, que foram um momento de viragem, e não apenas para a América. Nos anos 50, havia uma espécie de inocência, de ingenuidade, algo de displicente, que mudou na América, para sempre, a partir dos anos 60. E acho que também no resto do mundo.
 
O filme é inteiramente sustentado em Redford. Para tomar os maiores modelos clássicos, digamos que ele poderia combinar a virilidade de um Clark Gable com o olhar inocente de um Henry Fonda. É uma característica de Redford ou foi V. que tentou combinar esses dois tipos de heróis clássicos americanos?
 
Sim. Eu queria que ele fosse um herói clássico. Jack Weil não passou nenhum tempo na vida a pensar noutra coisa que não fosse procurar o prazer. É um herói relutante. Há qualquer coisa de clássico nos heróis relutantes americanos, no homem que é empurrado para o acto heróico sem ter nenhuma decência básica. O importante para mim foi não o levar a cometer um acto político, o que seria demasiado fácil. Acaba por ser muito político, porque é ele que salva a personagem politicamente mais importante. Também é ele que traz os barcos para terra. Ironicamente, ele comete dois dos actos políticos mais importantes do filme, mas nenhum deles por razões políticas – e isso é muito americano. Não é por ele estar preocupado com a política, mas aparece e age – o que faz pensar num herói à moda antiga, que ele de facto é.
 
Quando insiste em que Weil/Redford está a terminar algo, embora não o saiba, acha que ele poderia ser Jeremiah Johnson ou o homem de África Minha, mas cansado da solidão?
 
Absolutamente. Quando estava a fazer África Minha disse a Redford que a sua personagem podia ser uma combinação do espírito de Jeremiah Johnson com o homem descomprometido de O Nosso Amor de Ontem. Era por isso que ele estava em África: afastava-se da sociedade tanto quanto possível para evitar ter de ser responsável por outras pessoas; encontrou então aquela mulher, a personagem de Meryl Streep, que insistia que, para terem uma relação, ele teria de desistir de uma parte de si próprio, o que ele recusava. Agora há este Jack Weil, menos culto do que o homem de África, mas que é o mesmo, só que velho, Tal como eu, tal como nós ambos.
 
Redford já era este tipo no primeiro filme que fizemos junto, A Flor à Beira do Pântano; era o homem sem passado, que no fim fica sozinho. E continuámos a seguir esse tipo em As Brancas Montanhas da Morte e os Três Dias do Condor, em O Nosso Amor de Ontem e O Cowboy Eléctrico, e só em África Minha me apercebi de que era sempre o meu tipo. Quer dizer, andámos 25 anos a seguir esse tipo, sem o sabermos. Mas agora há algo que terminou para ele – não há Barbra Streisand, Jane Fonda ou Meryl Streep atrás dele, agora é ele que segue uma mulher.
 
 
 FEVEREIRO; 1991