Sidney Pollack - I
Não foi por certo um “grande cineasta” e era mesmo fácil, demasiado fácil, considerá-lo representante de um academismo com qualquer coisa de serôdio, “cineasta de prestígio” que também foi para espectadores não motivados por atenção crítica. Mas Sidney Pollack (1934-2008) era o caso raro de um realizador, de um “fazedor de filmes”, ciente dos seus limites e dedicado à matéria humana das emoções e dos sentimentos, e desde logo aos actores, e em específico aqueles actores icónicos que designamos por “stars” – começou com Sidney Poitier, e ao segundo filme, This Property Is Condemned/A Flor à Beira do Pântano, encontrava Robert Redford que, numa invulgar associação, protagonizaria sete filmes seus. E uma invulgar associação que de algum modo leva mesmo à consideração específica de Pollack como “cineasta americano”.
Este ex-actor, que em anos mais recentes o voltara a ser esporadicamente (para Woody Allen em Maridos e Mulheres, para Kubrick em Eyes Wide Shut) dirigiu também Burt Lancaster, Robert Mitchum, Nathalie Wood, Jane Fonda, Barbra Streisand, Sally Field, Dustin Hoffman, Meryl Streep, Al Pacino, Harrison Ford, Tom Cruise ou Nicole Kidman – foi aliás Lancaster que lhe sugeriu que passasse de actor a realizador.
Com uma década de atraso, seguiu o caminho dos que chegaram ao cinema vindos da televisão, e os meados dos anos 60, quando se estreou na realização, foram dos tempos mais desérticos em Hollywood. O seu caminho foi aquele, em grande medida impossível, de prosseguir o classicismo e em particular as “ficções liberais”. Quando já havia, em meados dos anos 70, os primeiros sinais da geração dos movie brats, que iria alternar as coordenadas do sistema, Pollack foi, juntamente com Alan J. Pakula, um expoente dessas “ficções liberais” que os tempos, as heranças do Vietname e do Watergate, tornaram em ficções de “paranóia” – e neste sentido, até para além do seu valor intrínseco, Yakusa e Os Três Dias do Condor são por certo dois dos mais filmes mais representativos dos seventies.
Era eminentemente um cineasta urbano, que no entanto fez fora desse meio os seus melhores filmes, Jeremiah Johnson/As Brancas Montanhas da Morte e Out of Africa – este um projecto de risco que, coberto de Óscares, acabou por ser o mais bem sucedido da sua carreira, nos termos de um sistema em que se colocava –, O Cowboy Eléctrico fazendo de algum modo a passagem entre uns e outros filmes.
Sidney Pollack tinha a perfeita noção de que não era um estilista – entenda-se, um autor de um estilo cinematográficop próprio – e que se situava num middle ground ou mainstream revoluto. Desse ponto de vista, o insucesso de Havana (1990), a sua última colaboração com Robert Redford, marcou também o final da sua mais característica produção – e agora, ao reler após 17 anos a conversa que então tivemos, estava ele amargurado pelo insucesso do filme, o que mais surpreende é a sua lucidez perante o capítulo final que Havana necessariamente era, e foi.
Com os seus últimos trabalhos, deixou ainda essa herança das “ficções liberais”, como actor face a George Clooney em Michael Clayton de Tony Gilroy, que produziu. E foi de algum modo ainda um “ícone”, ou melhor, um fazedor de objectos icónicos, que filmou no seu último trabalho como realizador, o seu único documentário, Esboços de Frank Gehry (editado em dvd em Portugal pela Midas).
E eu, que nunca fui grande apreciador do seu cinema, com excepção de Os Três Dias do Condor e sobretudo de Jeremiah Johnson, devo acrescentar que Sidney Pollack me merecia imenso respeito, um realizador afável e franco como poucos de notoriedade.
Sempre aliás guardei a memória de que a conversa ocorrida nesses inícios de 1991 – era a altura da Guerra do Golfo, o que também convém notar – fora diferente de todas as outras que tive ao longo de anos: Pollack não fazia parte do meu “panteão” pessoal, e nisso a entrevista foi de facto diferente, mas intrigava-me e interessava-me quanto a longa relação Pollack/Redford era um facto importante do cinema americano. E, como disso, ele foi um conversador franco, sendo que por causa de um filme que persistiu obstinadamente em defender, os factos da conversa não era até propriamente motivo de cumplicidades imediatas.