Onegin, Gremin e os outros
Evgueny Onegin
de Tchaikovski
com Dalibor Jenis, Elena Prokina; Marius Brenciu, Anatoli Kotscherga
direcção de Lawrence Foster
Gulbenkian, 29 (e 31) de Maio
Desde que Lawrence Foster é maestro titular e director artístico da Orquestra Gulbenkian, a Fundação tem apresentado todos os anos uma ópera em versão de concerto nas suas temporadas – e para o facto não é indiferente um sublinhado de ser ele “maestro titular e director artístico”, uma tal programação afigurando-se directamente da sua esfera de decisão. Agora que é anunciada a próxima temporada, 2008/09, verifica-se mesmo que ele irá dirigir sucessivamente não uma mas três óperas em concerto, a Elektra de Strauss, a Norma de Bellini e a Medée de Cherubini, agrupadas sob um hipotético denominador comum de “Heroínas trágicas da Antiguidade”.
Ser a razão a margem de decisão do “maestro titular e director artístico” será justificativo da linha de programação mas também não é razão suficiente para cabalmente sustentar cada uma das óperas concretas. Foster tem desenvolvido um trabalho assinalável, e tido mesmo algumas iniciativas de programação interessantes, mas é no mínimo duvidoso que esta política de óperas em versão de concerto seja dos aspectos mais relevantes. Ainda assim, a apresentação agora de Evgueny Onegin era credível de um maior interesse, já que se trata efectiva e estranhamente de uma ópera rara em Portugal, apresentado uma única vez, em 1993, no São Carlos.
Obra-prima de Tchaikovski (e digo eu isto de um compositor que está longe de se incluir nas minhas preferências) sobre o drama em verso de Pushkin, Evgueny Onegin é uma ópera de uma delicadeza que exige quatro cantores idiomáticos e na plenitude dos recursos para os papéis de Oneguin, Tatiana, Lensky e Gremin, os primeiros porque estabelecem o trio fundamental de personagens, o último, mais acessório ao núcleo dramático, sendo todavia finamente caracterizado pela música. E este é um dos casos em que a execução em concerto mais faz exigir uma caracterização vocal e dramática sem falhas por parte dos quatro principais.
Sucederam desde logo dois percalços: o previsto intérprete do papel titular, Serguey Murazaev, teve de ser substituído, e Elena Prokina apresentou-se numa forma que não deixou supor a Tatiana que foi – e digo “que foi” porque não só havia sido ela já a cantar no São Carlos como também tive a oportunidade de a ouvir nesse mesmo papel no Festival de Glyndebourne, produção de que existe dvd. Ainda mais penoso me foi assim constatar como, abrindo a voz, esta se revelava instável e com aquele distintivo “vibrato” que é o pior da escola russa.
Se Dalibor Jenis, que substituiu Murazaev, se mostrou aplicado e conhecedor do papel, ainda assim falta-lhe o timbre aveludado, o lado sedutor desse estranho dandy que é Onegin, e sobretudo a capacidade de caracterizar a metamorfose da personagem, que de jogador altivo e insolente se torna em frustado e dilacerado sujeito de paixão. Mas o pior foi a voz e as linhas desarticuladas do Lensky de Marius Brenciu – e Tatiana e Lensky em muito comprometeram assim este Onegin.
O que se pode esperar numa interpretação desta delicada ópera apenas se ouviu ao grande baixo Anatoli Kotscherga (que foi nomeadamente intérprete de Boris Godonov com Cláudio Abbado), soberbo Gremin, a tal personagem finamente caracterizada pela música, mas personagem de uma só ária, e acessória ao núcleo das relações dramáticas, Tatiana-Onegin e Lensky-Onegin.
E uma decepção, Prokina no caso, não veio só: foi também penoso ouvir Laurence Dale, que fez o fundamental da sua carreira com William Christie e foi também um dos intérpretes de Don José na Tragédie de Carmen de Peter Brook, e que supunha hoje em dia já de todo reconvertido nas tarefas de encenador e director de teatro, apresentar uma ruína de voz – o papel de Triquet é episódico, mas ainda assim ouvir Dale foi de facto penoso.
Os precalços sucedem, mas ainda assim é difícil entender neste caso algumas das escolhas. Realizada em tais condições, uma versão de concerto não fez de modo nenhum justiça à obra. E se o apego à obra de Lawrence Foster foi pressentível, todavia o carácter lírico e apaixonado da obra só a espaços transpareceu nas cores orquestrais.
Que a apresentação tivesse sido escolha do “maestro titular e director artístico” só veio mostrar afinal que terá de haver precauções acrescidas a este tipo de programação. E tendo isto ocorrido quanto já está anunciado para a próxima temporada não uma ópera mas um ciclo com três ainda mais faz acrescer essas precauções.