David Ferreira, editor
O regresso jazzístico de António Pinho Vargas traz com ele outra notícia de relevo: o disco Solo é o primeiro objecto com o selo “David Ferreira – Investidas Editoriais”.
Depois de ter sido durante anos responsável da EMI/Valentim de Carvalho, e depois de ter chegado a sua própria hora de saída, David Ferreira lança-se agora num projecto estritamente pessoal de edição em geral.
Houve – e há ainda – importantes editoras literárias, sobretudo francesas (mas em Itália podem citar-se também os bem conhecido casos da Einaudi e da Feltrinelli) que tomaram o nome directamente dos editores, de um Gaston Gallimard ao recentemente falecido Christian Bourgois.
Mesmo no arquetípico sistema de produção de indústrias culturais, o cinema clássico americano, houve produtores, que não os grandes “moguls” e patrões, que tiveram um importante trabalho no acompanhamento do trabalho de realizadores e de feitura de filmes. Muito da história do jazz devemo-la também a produtores como Norman Granz e Orrin Keepnews (este também recentemente falecido) e até a um engenheiro de som como Rudy van Gelder.
O que ocorre com as megas concentrações editoriais, ou produtivas, nos mais diversos domínios das indústrias culturais, é que as “trocas” e parcerias fazem-se num regime de anonimato, isto é, sem os produtores ou editores que sejam efectivos cúmplices dos autores.
Por mim, enquanto crítico, gosto de me nortear pela definição que foi a de Serge Daney, “le passeur”, e quanto faço programação, como extensão do trabalho crítico, é também nesse sentido de mediar entre autores e obras, por um lado, e segmentos de público que gostaria que tivessem o mesmo prazer da descoberta.
De algum modo, é essa trabalho de “passagem”, com todo o acompanhamento e “acarinhamento” que supõe, que se encontra hoje drasticamente reduzido na escala que atingiram as indústrias culturais – e nas suas economias de escala internas.
Por isso são necessários produtores e editores que tenham também um trabalho de paixão. E que, de resto, podem fidelizar específicos nichos de mercado.
Recentemente Nelson de Matos fundou a sua editora literária, com o seu nome próprio. Agora é a vez de David Ferreira.
Separam-me dele fundas divergências em torno do que foi uma sua causa militante, as quotas de “música portuguesa” nas rádios. Mas por ora é momento de assinalar a (re)entrada em cena em nome pessoal de David Ferreira, com o que isso implica de uma noção de “cumplicidade” artística (e essa é outra noção que me é cara), tal como já materializada neste Solo de António Pinho Vargas.
Para mais, fico expectante de um conceito como “investidas editoriais”, com o que deixa inferido de "artesanato" no "fazer", mais do estritamente uma lógica de produção.