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Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

Bayreuth em directo...na net

 

 

 
 
Não haverá outra “coisa” que se me afigure mais manifesta concretização da “perda da aura da obra de arte” que a cena, tão frequente em viagens de comboio, com passageiros a verem nos seus computadores “filmes” – “pós-filmes” ou “rastos de filmes” diria antes.
 
E se isso se me afigura assim com “filmes”, parece-me haver qualquer coisa de inconcebível na simples ideia de assim se ver também óperas, e óperas em directo. Por reservas de princípio que possa ter com os “live broadcasts” abaixo referidos, ainda assim a difusão ocorre em espaços específicos, diria que locais de recepção artística, como as salas de cinema, ou mesmo, quando se fazem para o espaço público adjacente ao teatro, em locais onde nesse momento se cria o quadro mental e sociológico de uma recepção. Mas “streaming vídeo” de ópera no computador pessoal?!
 
Sucede que o “inconcebível” ocorre, e hoje é possível ver óperas e concerto em directo na net – de facto, ainda há pouco, questão de curiosidade e informação, “espreitei” o concerto que decorria no Festival de Verbier, na Suíça. Sucede essa possibilidade numa associação da cadeia franco-alemã Arte, www.arte.tv,  com esse recente e peculiaríssimo sitio que é www.medici.tv, uma filial da Medici Arts americana, detentora de um vasto catálogo de dvds e programas de arquivo. Assim ocorrem transmissões em “live stream”, ou tem-se acesso na Medici a um considerável acervo de concertos e espectáculos, disponíveis, e descarregáveis para “downloads” como “videos on demand”. E, por exemplo, antes de Verbier agora, houve também transmissões do Festival de Aix-en-Provence. Mas, entretanto, um outro facto, de algum modo altamente simbólico, se anuncia.
 
Com o Parsifal começou hoje o Festival de Bayreuth. E no próximo domingo, às 15h, o festival dá inicio a uma nova etapa, com o “live stream” de Os Mestres Cantores de Nuremberga em http://live.bayreuther-festspiele.de/live.html, acessível ao preço de 49 euros.
 
Claro que a escolha não e nada inocente; estes Mestres Cantores, estreados no ano passado, foram a primeira encenação em Bayreuth de Katharina Wagner, a filha mais nova de Wolfgang Wagner, e presumida herdeira única até a um recente volte-face do obstinado patriarca, após a morte em finais do ano passado da sua segunda esposa, e mãe de Katharina, Gudrun: agora propõe uma direcção partilhada entre as duas filhas, Eva e Katharina, em mais outro episódio de uma história familiar e do festival tão conturbada.
 
Mas deixando agora a saga dos Wagner e retomando o fio dos “live streams”, a acessibilidade por esse modo de um género de obra tão eminentemente cultual como a ópera, e logo com esta difusão com origem no mais cultual dos espaços, Bayreuth, vai de novo repor os discursos sobre a web como meio de partilha e “democratização”.
 
E, no entanto, é justamente difícil imaginar acto mais exemplar do que é “a perda da aura da obra de arte na era da sua reprodutibilidade digital”