Perspectivas mozartianas - II
Mozart
Concertos para Violino, Sinfonia Concertante para violino e viola
Giuliano Carminogla, Danusha Waskiewicz
Orchestra Mozart, Cláudio Abbado
2 cds Archiv/Universal
Mozart
Sinfonias nº 29, 33, 35 “Haffner”, 38 “Praga”, 41 “Júpiter”
Orchestra Mozart, Cláudio Abbado
2 cds Archiv/Universal
Podia esperar-se – e, no caso, mesmo temer – que Carminogla desse mostras do seu virtuosismo vertiginoso e sentido exuberante da ornamentação, que o tornaram um intérprete emblemático de Vivaldi, mas que seriam despropositado nos Concertos de Mozart.
Isso não ocorre. É de ter em conta que a gravação ocorreu depois de três anos de trabalho comum. Se há uma espantosa facilidade, muito caracteristicamente italiana, no manejo do arco, e uma sonoridade luminosa, Carmignola, e com ele a direcção de Abbado, dão mostras de uma permanente invenção do fraseado mas também de uma linha ampla. A finura e a elegância do desenho, a sonoridade resplandecente e o subtil recurso a um vibrato muito controlado, tornam o entendimento excepcional, o pico sendo o Rondó do Concerto nº 5. Mesmo que se sinta que na Sinfonia Concertante (que é, repete-se, uma das grandes obras de Mozart), a co-solista Danusha Waskiewicz não está exactamente ao mesmo nível (e a este respeito convém lembrar que na mesma obra, e numa edição que tem também os cinco Concertos para Violino, um Isaac Stern teve como cúmplice um intérprete tão qualificado como Pinchas Zukerman), esta publicação, e esta surpreendente estreia de Abbado à frente de uma formação com “instrumentos de época”, é de facto excepcional.
Contrariamente ao disco dos Concertos, no das Sinfonias a Orchestra Mozart apresenta-se com instrumentos tradicionais, ainda que, seguramente, com cordas de tripa e com alguns instrumentos de sopro também de “época”.
“Cada coisa é o que é”, e por isso não se pode deixar, antes do mais, de notar a concretização. Não fosse o disco de René Jacobs com as mesmas Sinfonias nº 38 e 41, editado no ano passado, e este disco teria de ser citado como o mais notável registo recente de sinfonias mozartianas. Acontece que esse tal outro disco existe, como existem os de Harnoncourt com a Concertgebow. As comparações tornam ainda mais elucidativas algumas menores valias deste disco.
Diga-se que a escolha do programa é inteligentíssima, mostrando que Abbado fez uma funda redescoberta, uma reaprendizagem mesmo, da interpretação mozartiana. Faz todo o sentido incluir a Sinfonia nº 29, por assim dizer a primeira das sinfonias tardias, ou a observação que Abbado faz nas notas que o desenvolvimento do 1º andamento da “Haffner” prenuncia o primeiro tema do andamento final da “Júpiter”.
A variedade incisiva dos ataques é outro clara confirmação que em três anos Abbado e a Orquestra Mozart trabalharam aprofundadamente. No caso do maestro então, ele está literalmente “irreconhecível”, por comparação com todos os seus anteriores registos mozartianos. Tudo isto salientado como é devido, há também a dizer que o escrúpulo filológico que leva nomeadamente à observação de todas as repetições, e que faz em particular que o andamento inicial da Sinfonia “Praga” demore quase 18’, não deixa também de dar azo a que a tensão nem sempre seja constante, de resto nessa sinfonia como na derradeira “Júpiter”, e que haja um insuficiente relevo dos sopros.
É bem provável que, a existir apenas este disco das sinfonias, a reacção pudesse ainda assim ser mais entusiástica, tal o exemplo de inteligência e de autêntica “re-aprendizagem” por parte de Abbado. Mas não só essa escuta comparativa com Harnoncourt e Jacobs - e este último tanto mais quanto o programa coincide com o segundo disco do presente registo - elucida alguns limites, como sobretudo é o brilhantismo excepcional do disco dos Concertos de Violino que abre campo a que se considere que esta outra interpretação das sinfonias, notável que é, não atinge contudo os mesmos níveis.
Mas que fique bem claro que esse disco dos Concertos de Violino é doravante uma peça a considerar na discografia mozartiana em geral.