Depois de outra tão longa ausência...
“Don Carlos” pela Cornucópia e “Café Müller” de e com Pina Bausch, dois notórios exemplos do muito que não escrevi
Uma outra tão longa ausência – e bem mais longa esta – obriga a uma nova explicação aos leitores.
Há três meses atrás expliquei que o momento de mais intenso trabalho na preparação das secções pelas quais era responsável no DocLisboa me obrigara a uma pausa. Se sair desse esforço foi difícil muito pior ainda viria a ser a experiência propriamente do festival e sobretudo o pós-Doc.
Para além da minha colaboração regular anual de programação de cinema com a Culturgest, sempre declarei a disponibilidade para, havendo solicitação da outra parte, colaborar com os três festivais que considero relevantes, o DocLisboa, o Indie e as Curtas de Vila do Conde. Mas isso mantendo uma relativa autonomia que me permita também preservar uma perspectiva crítica – e sou particularmente reticente a esta funesta tendência de os festivais estarem sempre a proclamar mais filmes, mais salas e mais espectadores.
No ano passado poderia ter sido co-director do Doc – e de facto contribui substancialmente para as escolhas da Competição Internacional e das Investigações. Pelas razões expostas preferi ser antes Programador Associado e responsável directo por duas secções, a retrospectivas de Diários Filmados e Auto-Retratos e a nova secção de Riscos e Ensaios, que fui solicitado a conceber.
Ao saber do arranque de ainda outras secções este ano, e da extensão em tempo pleno do festival ao São Jorge, para além da sua base na Culturgest, e do prolongamento iniciado em 2007 ao cinema Londres, decidi nem sequer me manter como Programador Associado, restringindo-me estritamente às duas secções de minha inteira responsabilidade.
Tenho como certo que foi o mais importante conjunto de filmes que me foi possível programar em muitos anos, e essa foi uma experiência exaltante. Mas o gigantismo geral deixou-me abafado, houve demasiados erros na grelha de programação (um ou outro meu também) e, embora já devesse estar habituado, continuo a ficar estupefacto e com o desinteresse da esmagadora maioria dos ditos “críticos cinematográficos” em descobrir, e em particular mesmo desanimado nalguns casos – acrescendo agora que nalguma blogosfera, que tinha neste tinha tipo de iniciativas uma ocasião de afirmar a sua importância, também afinal encontro ressabiamentos e dogmatismos.
Se continuarei em concreto a colaborar ou não com o DocLisboa verei. Certo é que afinal o decorrer do festival, que na parte que me dizia respeito até teve momentos muitos altos (e outros houve, como a retrospectiva Wiseman), me originou uma consternação e um posterior bloqueio de escrita. Acrescendo omissões que antes tinha já havido, e que entretanto também perdi espectáculos importantes (por exemplo o Siegfried no São Carlos, retido que fiquei, para a derradeira récita, no dilúvio ocorrido em Lisboa a 25 de Outubro, ou que não ouvi os últimos concertos dedicados a Magnus Lindberg, etc.) é afinal muito o que não escrevi – e, entre tantos exemplos possíveis já anteriores, não posso deixar de referir os dois máximos espectáculos teatrais que vi este ano, o Don Carlos, Infante de Espanha de Schiller, encenação de Luís Miguel Cintra, pela Cornucópia (um dos maiores espectáculos da história da companhia – e sou espectador desde a fundação, em 1973) e o Peer Gynt de Ibsen, encenação de Peter Zadek, pelo Berliner Ensemble, no Festival de Almada. E tantos concertos… Mas também não falei do Festival Pina Bausch, organizado pelo CCB e pelo São Luiz, ou mais em concreto por António Mega Ferreira e Jorge Salavisa, que para além de emoções intensas – como ver Pina de novo a dançar, quiçá pela última vez, a sua peça mais emblemática, Café Müller, foi uma operação escandalosa no modo de apresentação pelos responsáveis, num despudorado exercício de “revisionismo” histórico.
Por mais importante que seja a atenção à actualidade, esta é uma página pessoal e não me incomoda nada, antes pelo contrário posso por vezes ter como importante, que nela haja também Considerações inactuais. E a abordagem de alguns acontecimentos será também por certo também ocasião de retomar outros relacionados ocorridos nos últimos meses.
Se calhar devia ter aprendido a lição de vários acidentes de percurso e não anunciar ou reafirmar propósitos próximos – mas, por outro lado, é também uma disciplina de trabalho.
Assim, reafirmo objectivos de abordagem como, a) “La bande des trois R” (Resnais, Rivette, Rohmer), b) PortugALL S.A. – As colecções de Manuel Pinho, ou c) as programações e situações da Gulbenkian (esta, uma abordagem claramente atrasada, mas também com alguma razão de ser agora que já há nomeado – sim já há – um novo director do Serviço de Música), Casa da Música (também com novo director artístico) e CCB.
Pelos motivos expostos acresce uma necessária reflexão sobre festivais e modos de difusão e conhecimento e as incontornáveis datas que são os centenários de Claude Levi-Strauss, Elliot Carter e Manoel de Oliveira.
E há pilhas e pilhas de discos e dvds (de cinema e música) sobre os quais escrever, e também duas discografias críticas, preparadas ao longo de muitos meses, e que, uma por motivos óbvios, outra por motivos obtusos, têm mais que justificação – se impõem mesmo publicar este ano.
Espero estar à altura das responsabilidades e do eventual interesse dos leitores, a quem de novo agradeço.