Haendel festivo
Haendel
Dettingen Te Deum, Zadok, The Priest, Concerto para Órgão nº14
Richard Marlow
Coro do Trinity College de Cambridge, Academy of Ancient Music, Stephen Layton
Hyperion, dist. Andante
As obras incluídas neste disco espelham, à primeira vista, a mais tradicional tradição da interpretação haendeliana – passe a hipérbole pleonástica –, podendo mesmo sugerir-se como a mais “conservadora”. Se houve tradição ininterrupta de interpretação de obras do compositor, essa era constituída por um pequeno núcleo integrado, além de O Messias, pela oratória bélica e patriótica Judas Macabeu, a ode Alexander’s Feast, e Zadok the Priest, o mais famoso dos anthems (hinos) escritos para a coroação de Jorge II, e que desde então é sempre executado quando da coroação de um soberano britânico. Mas já a inclusão também de um concerto para órgão entre as duas peças se aproxima de um processo “filológico-reconstituítivo” : a partir de certa altura o compositor-intérprete passou a usar esse tipo de interpolações no meio das execuções das suas oratórias.
Acrescente-se que, diversamente do que estamos habituados com os coros de Oxbridge (Oxford e Cambridge), este do Trinity College é misto, tradicional se quisermos – e mais poderá parecer que este registo é um misto de conservadorismo e de modernidade historicista.
A batalha de Dettingen durante a Guerra da Sucessão da Áustria foi a última em que um soberano britânico participou directamente – e venceu. De facto, a participação do também Rei da Grã-Bretanha foi feita na qualidade sim de soberano continental, de Eleitor de Hanover. De qualquer modo, Haendel viu na ocasião a oportunidade de uma outra vez se associar ao poder régio britânico.
A escrita fugada é esplêndida, e há uma grande virtuosidade exigida ao coro e, nos instrumentos, em particular às trompetes, e esses requisitos são brilhantemente concretizados neste disco. A escolha de um coro misto revela-se mesmo muito acertada, pelos contrastes tímbricos e porque seria difícil os sopranos infantis responderem com o mesmo nível às dificuldades da escrita – ouça-se em particular o brilhantíssimo nº14, Day by day we magnify thee ou o God Save the King final de Zadok.
Tanto mais é de lamentar então nesta vibrante realização conduzida pelo novo director da Academy, Stephen Layton, que seja tão pálida a parte solista do concerto por parte de Richard Marlow. Mas ainda com essa não exactamente dispicienda reserva, este disco é de tal modo resplandecente que se justifica por inteiro ser recomendado.
Nota – Gostaria de explicar que, entre as pilhas e pilhas de discos e dvds acumulados sobre os quais escrever, escolhi ser este o primeiro depois do regresso por duas razões, 1) uma, pessoal, justamente por ser um disco festivo, e, 2) outra, mais substantiva, porque antecipa a corrente discográfica que será suscitada (que já o está a ser aliás) pelas comemorações em 2009 dos 250 da morte de Haendel (bem como do bicentenário da morte de Haydn).