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Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

Presença de Messiaen (IV)

 

No dia do centenário do nascimento do compositor

 

 

 

 

Olivier Messiaen – La liturgie de cristal
realização de Olivier Mille
dvd Idéale Audience, dist. CNM

 

 

 

 

 

Este documentário é verdadeiramente precioso, porque tem uma única presença real, a do próprio Olivier Messiaen, dele e das suas obras.
 
São dos mais qualificados os intérpretes que vemos e ouvimos, Yvonne Loriod, Pierre Boulez, Pierre-Laurent Aimard, Seiji Osawa ou José van Dam, todavia, contrariamente a usos mais habituais em documentários, eles não dão outro testemunho senão o da sua condição de intérpretes. Pesem ainda algumas imagens originais, como a desse Monte Messiaen no Utah, em homenagem ao facto desse vasto e impressionante espaço ter inspirado a Messiaen uma das suas obras maiores, Des Canyons aux étoiles, ou então imagens de interpretações das obras, com destaque para as da célebre produção da ópera Saint François de Assise em 1992, em Salzburgo, encenada por Peter Sellars (espectáculo deslumbrante, memória pessoal fortíssima, que essas imagens reavivam), pesem essas imagens ou algum uso, parco, da “voz off”, o essencial é uma montagem de documentos de arquivos com Messiaen, captados entre 1965 e 1987. É a sua presença a razão de ser do documentário.
 
Há momentos verdadeiramente extraordinários, do ponto de vista de elucidação das características que sabemos terem sido as suas, como toda a parte inicial sobre os pássaros e a ornitologia ou o extracto de uma aula em que Messiaen debate com os seus alunos logo a obra que mais decisivamente o marcou, o Pelléas et Mélisande de Debussy. Há o modo como ele fala da sua fé, das cores, do Oriente, da sua posição de organista ou dos instrumentos de percussão.
 
O documentário intitula-se Liturgia de Cristal, que é citação do 1º andamento do Quator pour la fin du Temps, referido à passagem do Apocalipse em que fala de um anjo “e sobre a sua cabeça estava o arco-íris”; é justamente a noção das cores de Messiaen que melhor transparece. Notem-se a propósito três afirmações: “Posso ser tonal, modal, tudo o que quiserem, de facto sou sobretudo um colorista”; “sou compositor, ritmista, ornitólogo”; “os pássaros são artistas que são como eu  sensíveis à cor”.
 
Mas além dos pássaros havia a Fé, ou melhor a crença religiosa católica (“croyant”, repetia ele insistentemente), factor que em si mesmo não é dado musical. Como o documentário explica, a sua posição de organista na Igreja da Sainte Trinité em Paris foi o modo concreto de, como músico, participar na liturgia, mas o órgão em si mesmo foi também o seu “laboratório”, o instrumento em que praticou e experimentou durações, cores e ressonâncias.
 
Não houve apenas o cristal, houve os vitrais de cores de música, as catedrais sonoras e os grandes espaços que Messiaen ergueu.
 
Ter um tão elucidativo documento sobre tão singular e genial é facto precioso – de conhecimento indispensável mesmo.
 
 
 
Ver também aqui.