Harold Pinter (1930-2008)
Foi o maior autor teatral depois de Beckett, do qual aliás era devedor (e ele, que começara sendo actor, voltou mesmo a pisar o palco, o do Royal Court, em 2006, para interpretar Krapp’s Last Tape do outro), e era o maior dramaturgo vivo. Uma situação “pinteriana” era imediatamente reconhecível – e note-se que se muitos grandes autores cinematográficos deram origem a caracterizações, “hitchcockiano”, “godardiano”, “felliniano” ou “antonioniano”, no teatro das últimas décadas isso apenas sucedeu com Beckettt e Pinter justamente – “beckettiano” e “pinteriano”.
Situação arquetípica pinteriana: duas personagens e a possibilidade de um terceiro intuída (The Dumb Waiter/O Serviço, eventualmente a mais “beckettiana” das suas peças) ou sobretudo três personagens e um jogo de duplicidades (O Amante, Traições). Mestre da língua, e dos silêncios também (as famosas “pausas” que pontuam incessantemente os seus textos), Pinter elaborou situações de ameaça (O Encarregado, o citado O Serviço, O Aniversário) e de memória (Old Times, No Man’s Land). Há uma peça de Beckett que se chama tão só Play; em Pinter não são só os intérpretes que são players, são-o as próprias personagens, players de jogos, intrigas e situações que se desdobram.
O grau de reconhecimento das situações “pinterianas”, do arquitexto por assim dizer, e pese ainda a mestria das palavras e dos silêncios, também gerou as muito particulares convenções, por assim dizer a sua específica “carpintaria” teatral. Nesse aspecto, contudo, foi no capítulo dos argumentos cinematográficos que Pinter mais se repetiu. Depois do magistral O Criado de Joseph Losey (dois homens, uma relação de poder e a sua inversão), um esquema semelhante (mas com um homem e uma mulher de diferentes classes) seguiu-se com O Mensageiro do mesmo Losey, o jogo de duplo (a actriz e o actor, a relação deles mesmos e das personagens que interpretam) em A Amante do Tenente Francês de Karel Reisz, até a recente remake de Sleuth, sobre a peça de Anthony Shaffer, ainda uma troca de posições entre dois homens – e pelo meio ficou associado a coisa tão lamentáveis, ainda que muito apesar dele, como The Handmaid’s Tale de Volker Schlöndorff ou The Confort of Strangers de Paul Schrader – sendo que todavia aquele que foi o seu grande projecto cinematográfico, e de que existe o argumento, ficou por concretizar, a adaptação de Em Busca do Tempo Perdido de Proust.
E claro que sobretudo nos últimos anos houve também, e notoriamente, o Pinter activista, panfletário mesmo. Se desde a Guerra do Golfo foram constantes nele as tomadas de posição anti-americanas, também há que reconhecer que muito desse activismo, desde logo na Grã-Bretanha dos anos 80, dos anos Tatcher, foi feito ainda em nome das palavras, contra a erosão da liberdade das palavras, e que múltiplas vezes defendeu, por vezes nas circunstâncias “menos diplomáticas” (na Turquia, por exemplo), os direitos humanos.
Sim, era um mestre das palavras e dos silêncios, das situações tão rigorosamente prescritas nos seus textos, um dramaturgo da estatura de poucos.
Pinter interpretando Krapp's Last Tape de Beckett