Haendel, glória e reapreciação - I
No dia dos 250 anos da morte do compositor
Morreu célebre George Frederic Haendel (1685-1759). A sua vida tinha sido de contrastes: sucessos e contrariedades, revezes e falências mesmo no seu género de eleição, a ópera, criação pelo fruto das circunstâncias e mesmo quase por acaso de um género nacional, a oratória inglesa, por este compositor alemão, imbuída de influência italiana, sensível à francesa e que se tinha adaptado também à tradição inglesa remontando a Purcell.
Se foi celebrado em vida, tanto que lhe foi erigida uma estátua nos Vauxhall Gardens, Haendel foi o primeiro compositor da história da música europeia de quem as obras nunca deixaram de ser executadas. Mozart fez arranjos de O Messias e Acis e Galateia, foi sob a influência das suas oratórias que Haydn compôs A Criação e As Estações, Beethoven reverenciava-o e se a geração romântica, toda votada ao culto do “redescoberto” Bach o ignorou, o jovem Brahms compôs as Variações e Fuga sobre um Tema de Haendel.
O alemão que na sua estadia italiana de 1706-10 absorvera em Roma com prodigiosa rapidez e invenção as influências de Corelli e Alessandro Scarlatti, e que triunfara ainda com duas óperas, Rodrigo em Florença e Agrippina em Veneza, chegara a Londres em 1711 exactamente para fazer triunfar a ópera italiana com Rinaldo. 30 anos depois Deidamia foi a última das 40 óperas que escreveu – 40, note-se bem!
Embora não sendo em rigor caso único (Vivaldi também foi várias vezes compositor e empresário), Haendel inseriu-se como sujeito autónomo na sociedade mercantil – e, assim, por protectores importantes que também tivesse tido, foi ele de facto o primeiro compositor emancipado, antes de Mozart se libertar do arcebispo Coloredo e de Beethoven se constituir como paradigma, como o quis a persistente tradição humanista, de resto retomada pela narrativa adorniana do modernismo (Adorno, de resto, era anti-haendeliano).
Mas ser empresário supôs investimentos, estar dependente de sucessos e insucessos (e com o correr do tempo cada vez mais de insucessos) e mesmo rivalidades ferozes, enquanto se ia constatando a resistência dos ingleses à ópera italiana, parodiada na Beggar’s Opera de Gay e Pepusch.
Tinha ele absorvido também como se disse a tradição inglesa remontando a Purcell, odes, anthems e masques. Foi como uma semi-teatral masque, uma representação religiosa de um drama bíblico de texto inspirado em Racine, que Esther foi apresentado em 1732, em Cannons, a propriedade de um dos protectores de Haendel, o Duque de Chandos. Algum tempo depois, e à revelia do compositor, a obra foi apresentada em Londres, com sucesso. Enfim, o próprio Haendel decidiu ser ele a organizar uma apresentação em concerto.
Tinham-se sucedido Deborah e Athalia, mas era ainda a ópera que ocupava Haendel. Enfim em 1739, com Saul, iniciou uma actividade consequente de autor de oratórias. De 1741, como já se disse, data a última ópera, Deidamia; no ano seguinte foi o triunfo em Dublin de O Messias.
É “esse” Haendel, o de O Messias, de Joshua, de Judas Maccabeus, de Israel no Egipto, que será massivamente celebrado, por vezes com coros de centenas de elementos, na imediata posterioridade e ao longo do século XIX.
Até que…