Haendel, glória e reapreciação - II
Em Junho de 1920, o Prof. Oskar Hagen dava início em Göttingen a um festival Händel (que ainda existe), apresentando Rodelinda, ópera que não subia à cena desde…1736 – e de facto nenhuma ópera de Haendel era representada desde 1754, ou seja, o “Haendel operático” já estava esquecido ainda em vida do autor. Era a estupefacção: Haendel “também” tinha composto óperas? Mas em 1922, o mesmo Hagen publicava uma edição de Giulio Cesare, com diversas transposições para vozes graves – até aos 50 e mesmo 60, barítonos como Walter Berry e Dietrich Fischer-Dieskau cantaram o papel titular tornando o Cesare na única ópera do autor vagamente conhecida, de resto de Haendel se retendo apenas O Messias, a Música Aquática e os Royal Fireworks e um espúrio “Largo”, que de facto é um larghetto, Ombra mai fu, o canto elegíaco a um plátano de Serse na ópera homónima.
Mas entretanto também ocorriam os primórdios da chamada “música antiga”. Com Alfred Deller ressurgiam os falsetistas ou contra-tenores. Em 1954, Deller gravou uma integral de uma ópera, Sosarme, para concluir que tanto como a sua voz se adequava a Purcell era desajustada para Haendel. Já do lado de lá do Atlântico o outro contra-tenor, Russel Oberlin, gravava um marcante recital no bicentenário da morte – recital que, atenção, acaba por ser reeditado pela Decca. E havia as cantoras, algumas.
Nesse mesmo de 1959, a estação de rádio de Colónia, a WDR, organizava uma versão de concerto da Alcina, com Joan Sutherland (e, em papel transposto, Fritz Wunderlich, o luxo), com um dos primeiros agrupamentos de instrumentos de época, a Capella Coloniensis – e, facto pouco conhecido, seria por representações da Alcina que a Sutherland ganharia o cognome de “La Stupenda”.
E Teresa Stich-Randall dava voz a Rodelinda e surgiam as incomparáveis meio-sopranos Marilyn Horne, Maureen Forrester, Teresa Berganza e Janet Baker.
Mas ainda em 1959, no tocante à musicologia, Edwar Dent publica Handel’s Dramatick Oratórios and Masques e abre caminho a outra revelação: há mais, muito mais, e do mesmo nível, que O Messias e Israel no Egipto. No ano seguinte foi a vez de Rudolf Ewerhart dar a conhecer o “fundo Santini” conservado na Biblioteca de Münster, dando início à revelação do período romano de Haendel.
O conhecimento musicológico foi aos poucos criando as premissas de uma reapreciação. Em 1985, o ano do tricentenário do nascimento, Christopher Hogwood, intérprete e estudioso (Handel – Thames and Hudson, 1988), proclamava que o músico “era por vocação um homem de teatro”. Nesse mesmo ano tal vocação dramática era corrobada por uma gravação maravilhosa da Alcina, com Arleen Auger (ah, que memórias dela nesse papel!) dirigida pelo recentemente falecido Richard Hickox. Mas já em 1976, John Eliot Gardiner com o seu maravilhoso Monteverdi Choir e uma então designada Monteverd Orchesta (com instrumentos clássicos, antes da formação dos English Baroque Soloists) registara prodigiosamente uma obra do período romano, o Dixit Dominus; nem ele próprio, em posterior nova gravação, repetirá tal prodígio. A reapreciação e redescoberta de Haendel começavam efectivamente.
Há 15 anos atrás constava eu de que das 40 óperas de Haendel, 23 estavam editadas em cd. Hoje todas as óperas estão gravadas (se bem que algumas entretanto indisponíveis), bem como aliás as oratórias.