Haendel, heróis e heroínas
Haendel morreu célebre há 250 anos, e celebrado continuou a ser, historicamente o primeiro compositor de posterioridade ininterrupta, isto é o primeiro de quem as obras nunca deixaram de continuar a ser interpretadas e festejadas. E, no entanto, situação paradoxal, talvez nenhum outro compositor, à excepção de Mahler, “deva” tanto ao registo fonográfico. Contrariando a imagem do autor de uma solitária obra-prima, O Messias, contrariando a ideia de pompa que em Inglaterra se perpetuou em realização massivas com coros que por vezes chegavam às centenas de pessoas, não apenas de O Messias como de Judas Macabeu, Israel no Egipto, Joshua, Saulou Solomon, agora podemos reapreciar Haendel porque num período recente de cerca de 25 anos foram sistematicamente sendo disponibilizadas gravações que fazem com que hoje estejam editadas as suas 38 óperas e 26 oratórias – e, acrescente-se, um dos mais apelativos projectos editoriais em curso, na Glossa, é uma integral das cantatas italianas.
Atente-se aos números, 38 óperas e 26 oratórias. São a demonstração eloquente do género de predilecção do compositor. O alemão Händel desembarcou em Inglaterra em 1710, como compositor de ópera italiana, ópera séria evidentemente, já com a aureola dos sucessos de Rodrigo eAgrippina, e triunfou no ano seguinte com Rinaldo, primeira das seis “óperas mágicas” (Teseo, Amadigi, Orlando, Ariodante e Alcina são as outras), da ópera e da maquinaria e dos encantamentos e prodígios, que constituem a apoteose de toda a estética barroca da ilusão. E prodigioso compositor que num ano, em 1724/25, apresenta de seguida três grandes obras-primas, Giulio Cesare, Tamerlano e Rodelinda.
E compositor que escreveu para algumas das maiores vozes de então, o Senesino, a Cuzzoni, a o Bordoni ou a Durastanti, Mantagnana ou Anna Maria del Prado – donde desde logo se infere que para interpretar Haendel são precisas grandes vozes, grandes intérpretes, é preciso ter a noção clara da vocalidade; e assim também hoje, em tanto graças ao disco,podemos ter a percepção rigorosa de que ele foi um mestre do que é de facto o “bel canto”, o canto ornamentado e virtuosístico na expressão dos “affetti”. Na verdade a oratória, mais concretamente a oratória inglesa (já que no período romano compusera Il trionfo del Tempo e del Disingano e La Resurezione), surgiu a Haendel quase por acaso, com a Esther de 1732, escrita para o domínio privado de um protector, o Duque de Chandos, apenas ganhou relevo depois de apresentações públicas do Saul de 1739, e apenas se consagrou no entendimento do próprio autor com o triunfo do Messias em 1742, sucedendo-se à derradeira das óperas, a Deidama do ano anterior. Há certamente belíssimos “heróis” e “heroínas” em oratórias como Saul, Semele, Hercules, Belshazzar, Theodora ou Jephta, mas, pelos óbvios motivos expostos, é fundamentalmente nas óperas que se encontram os exemplos maiores.
São extractos de um texto sobre Haendel, Heróis e Heróinas em linha no sítio do Serviço de Música da Gulbenkian.