Bachianas - I
Bach
Concertos Brandeburgueses BWV 1046-51
Concerto para Cravo BWV 1056, Concerto para Dois Violinos BWV 1043,
Café Zimmermann
Gulbenkian, 7 e 11 de Março, às 19h
Os Concertos Brandeburgueses são uma das mais célebres obras de Bach e mesmo de toda a música da tradição erudita ocidental, e no entanto, na sua integralidade de colectânea, muito pouco ouvidos em concerto.
Tempos houve em que as grandes orquestras filarmónicas os executavam, mas a emergência da interpretação historicamente informada fez com que essa prática fosse abandonada. Mas, por outro lado, os agrupamentos com instrumentos de época raramente os têm preparados em reportório, por razões logísticas e, eventualmente, também de gestão: a variedade do instrumentarium exige um número considerável de executantes, vários para participaram apenas num concerto. Acresce que as características e duração da colectânea não são conformes aos padrões, ou melhor à rotina, da prática dos concertos públicos: são demasiado longos para um concerto, e de menos para dois. A solução mais genérica é de os interpretar em dois concertos, com mais duas obras. Foi isso que agora sucedeu na Gulbenkian com o agrupamento Café Zimmermann, dirigido pela excelente cravista Céline Frisch (entre outros discos, deve-se-lhe uma das melhores interpretações recentes das Variações Goldberg) e pelo violinista Pablo Valetti, grupo que foi buscar o nome ao local de Leipzig onde se reuniu o Collegium Musicum fundado por Telemann e que Bach também dirigiu durante alguns anos.
O século XVIII foi precisamente aquele de implantação dos cafés, como parte da civilidade do novo espaço público burguês. Outro sinal dessa consolidação do espaço público foi a maior mobilidade de informações e obras, fazendo emergir culturalmente a noção de “Europa”. Assim o modelo dos concertos grosso e solista espalhou-se pela Europa, com intermediação decisiva da edição das partituras em Amesterdão. Do conjunto de obras concertantes de Bach os Brandeburgueses, verdadeira apoteose do concerto grosso, foram os únicos explicitamente apresentados como uma colectânea, dedicado ao Margrave de Brandenburgo, e se bem que anteriores ao período de Leipzig há grande probabilidade de terem sido executados isoladamente (cada um dos seis concertos, entenda-se) no Café Zimmermann.
Fazendo jus ao seu nome, o grupo de Frisch e Valetti teve a particularidade de os gravar não como colectânea, mas num conjunto de discos com outros concertos, quatro pelo menos até ao momento, de “Concerts avec plusieurs instruments” de Bach. A excelência das gravações recomendavam o agrupamento mas o que em concreto se ouviu na Gulbenkian foi no mínimo muito decepcionante, só pontualmente convincente mas também por vezes francamente desastroso, de tal modo que coloca questões que sendo em concreto sobre o grupo, são mais genéricas.
Nada substitui a emoção da escuta em directo, mas o disco constitui um meio privilegiado de conhecimento, não só pela sua difusão, como por ser feito com a proximidade sonora adequada, e com diversas tomadas de som até se obter a satisfatória e depois a sua montagem. Acresce que os instrumentos de época têm um som menos volumoso para as actuais salas de concerto, e são mais passíveis de problemas de (des)afinação, e também que se alguns deles têm uma actividade permanente e uma formação regular, muitos constituem-se e reconstituem-se ad hoc – por isso aliás se verifica que haja um número significativo de músicos pertencentes a mais que uma formação.
O inusitado facto de as apresentações terem decorrido com quatro dias de intervalo (com outro momento bachiano, as Goldberg por Andreas Staier, de permeio), é sintomático de que o Café Zimmermann não estava em digressão, e que o programa tinha sido menos rodado, feito expressamente para as apresentações na Gulbenkian. Mesmo assim é inadmissível a falta de vigor patenteada, o som empastelado (o pior foi o Sexto Concerto) e as desafinações, como as notas erradas e a falta de notas da trompete no Segundo Concerto, e sobretudo, escandalosa mesmo, a constante desafinação do solista, concertino e co-director Pablo Valetti.
Houve alguns momentos melhores, devidos sobretudo ao jogo e direcção de Frisch, no Concerto para Cravo, em fá menor, BWV 1056 (destreza digital, belos arpejos) e Quinto Concerto Brandeburgês que tem uma parte solista para o instrumento muito desenvolvida. Mas no global, como disse, esta ocasião, aguardada com tanta expectativa, foi no mínimo muito decepcionante, por vezes mesmo francamente desastrosa.
Foi uma oportunidade perdida, a lamentar.