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Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

À volta do barroco

Tendo vindo, nalguns textos sobre discos abaixo publicados, a andar à volta do barroco, é imperioso falar também da situação concreta em termos de concertos e de outras manifestações.
 
Pese ainda uma não desmentida “vaga”, forçoso é concluír que a situação geral em Portugal é de um estranho e inusitado refluxo. O vazio deixado pelo já referido fim dos Concertos Portugal Telecom/ Em Órbita,  um exemplo pela negativa das vicissitudes do mecenato, não foi preenchido.
 
Não menos deve ser devidamente notado que, no respeitante às alterações introduzidas no modelo de programação da Gulbenkian, com o fim dos Encontros de Música Contemporânea e das Jornadas de Música Antiga, efectivado a partir da temporada 2002/03, foram afinal os ciclos substitutos das segundas que se têm vindo a revelar menos aventurosos face às práticas anteriores: algumas importantes cabeças de cartaz, como Cecilia Bartoli, Andreas Scholl ou, ano sim, ano não, o inevitável Jordi Savall, por vezes William Christie e Le Jardin des Voix, não desmentem a falta de rasgo da programação, antes pelo contrário.
 
Entretanto terminaram os Cursos da Casa de Mateus, que tinham um protocolo específico e, enquanto tal, excepcional face às regras gerais de apoio às estruturas artísticas – perda que em todo o caso não deixa de ser mais outro buraco negro. E para mais este ano nem sequer houve o Festival de Mafra, que desde a saída de Miguel Lobo Antunes, quando assumiu funções na Culturgest, vinha tendo direcção da equipa do Em Órbita, isto é Jorge e João Miguel Gil – e não se efectivou pela razão burocrática da transferência do Palácio de Mafra da tutela do Instituto do Património para o dos Museus, bem como, pasme-se, porque apenas se poderia ter realizado num único fim de semana, dado o agendamento para aí da cimeira Sócrates-Putin de má memória.
 
Claro que há sempre concertos interessantes integrados no Festival de Póvoa, eventualmente noutros também, como Espinho. Um grupo como o Divino Sospiro tem tido um trabalho regular no CCB, mas também se podem elencar outras iniciativas e propostas de potencialidades que não têm condições asseguradas.
 
Não menos é de notar que enquanto hoje é de rigor os teatros de ópera programarem devidamente o riquíssimo repertório da ópera barroca, no São Carlos, depois da ousadia (uma das muitas) de João de Freitas Branco ao apresentar L’Incoronazione di Poppea de Monteverdi em 1974, passaram-se mais de 30 anos antes de, com Paolo Pinamonti, haver de novo duas produções em temporadas sucessivas, o suposto Dionisio Re di Portogallo de Haendel e o Motezuma de Vivaldo, ambas com Alan Curtis – é certo que nem uma nem outra foram muito felizes, mas ainda assim preencheram uma lacuna das mais notórias. Como em tantas outras coisas respeitantes ao São Carlos, a continuidade foi para já quebrada, com a fatídica OPART do secretário de Estado Vieira de Carvalho.
 
Tanto mais são assim de seguir as actividades da Casa da Música, estrutura de parceria pública-privada é certo, mas sem que isso invalide ser uma peça fundamental das políticas públicas de música.
 
Se desde os tempos ainda do Porto-2001 a aposta fundamental foi a criação e consolidação de um excelente grupo de música contemporânea, o Remix, a CdM não poderia também deixar de vir a ter um agrupamento barroco. A estrutura foi-se constituíndo de forma muito híbrida e mesmo equívoca, diria até que com alguns infelizes percalços de percurso (nomeadamente na preparação e montagem da ópera Joas de Benedetto Marcello em 2002/03), passando pela gestão de recursos que levou a que a formação fosse estranhamente feita a partir do Remix, com a chamada Remix Orquestra, até que passo a passo se avançou para a Orquestra Barroca da Casa da Música, ainda em fase de tirocínio dos seus elementos.
 
Mas, para além desses dados estruturais, a CdM organiza aquele que afinal é agora – triste situação, olhado o conjunto – o único pólo de programação regular, o ciclo À Volta do Barroco, que na presente temporada ocorreu nos dois fins de semana entre 8 e 18 de Novembro. É pois tempo para rememorar o que sucedeu, aliás com razões amplamente justificadas.