Andreas Staier, o pianoforte e o Clementi abandonado de Queluz
Andreas Staier
Ainda no ciclo barroco da Casa da Música tive ocasião de ouvir Fabio Biondi com a Europa Galante dar a conhecer-nos extractos de uma pouco interessante ópera de Domenico Scarlatti, Narcissus, mas infelizmente não pude assistir – e tinha o maior interesse – uma semana depois a um outro concerto, fruto do trabalho que entretanto Biondi fizera com a própria Orquestra Barroca da Casa da Música.
Ouvi sim o recital de Andreas Staier em pianoforte, a 18 de Novembro, tocando nomeadamente obras de Domenico Scarlatti (estas sim, as importantes, algumas sonatas) e Mozart, não só pelo prazer de ouvir esse espantoso músico como também pela curiosidade em saber como soaria o instrumento na Sala Suggia, o grande auditório da Casa da Música.
Essa estreia foi eloquente, pelas incríveis cores e variedades de planos obtidas por Staier, um verdadeiro alquimista das teclas. Ocorreu-me de súbito a memória antiga da estreia de Gustav Leonhardt em Portugal: o único cravo de modelo de época existia no Porto, propriedade de Maria Lurdes Santos (também este pianoforte ora usado é particular, propriedade de Helena Marinho), e foi aí, no Ateneu Comercial, que Leonhardt se apresentou a 4 de Maio de 1979, a que se seguiu, um dia depois, um recital de orgão na Sé de Lisboa.
Mas recordei-me também ter sido o mesmo Andreas Staier, a 14 de Setembro de 2002, em Queluz, nos Concertos PT/ Em Órbita, que fez o primeiro recital com o pianoforte Clementi restaurado por Joop Klinkhamer, com os fundos obtidos pelo Em Órbita com receitas de bilheteira dos concertos, por contributo privado pois.
É mais que inépcia, é gravoso desleixo dos responsáveis por Queluz e da sua tutela, que com o fim daqueles Concertos o instrumento tenha ficado sem utilização, o que é o mesmo que ao abandono, já que a sua conservação em bom estado depende de uso. É assim que a gestão dos orgãos e entidades do ministério da Cultura vela pelo património, e pelo património que foi possível restaurar por contributo generoso de privados! “Conservadores”, dizem eles? Burocratas negligentes, isso sim!