Após uma prolongada pausa, muito para além do que eu supunha no horizonte, devido ao trabalho como programador associado do DocLisboa, está de novo em linha a coluna Derivas em www.culturgest.pt. No caso, Tempo e Rito é uma reflexão sobre a formatação do tempo dos espectáculos e dos consumos culturais, quando na Culturgest é apresentado Studio su Medea, quando recentemente Peter Stein montou a integralidade da trilogia Wallenstein de Schiller num espectáculo de 10 horas, mas também quando acabam de ser colocadas em linha as primeiras web series, uma de raiz, Quarterlife, e outra aproveitando sequências não utilizadas de uma conhecida série, Lost: Missing Pieces, com episódios respectivamente de 8 e 3 minutos de duração. Com a reactivação das Derivas, a coluna O Estado da Arte aos dias 15 em www.artecapital.net e esta Letra de Forma, conclui-se ao fim de um ano a minha passagem do papel impresso impresso para o espaço digital.
A reposição de E.T., há uns meses [no inicío do Verão de 2002], suscitou alguns “flash-backs” sobre o “dossier” que o “Expresso — A Revista” lhe tinha dedicado, aquando da estreia em Portugal, em Dezembro de 1982 [fora a primeira vez que um filme tinha sido capa de uma publicação generalista]. Ao que entendi, os comentários e referências feitos agora em diversas publicações indicavam atitudes de alguma nostalgia, nuns casos, de alguma incredibilidade, noutros: esse “dossier” poderia parecer, visto hoje, ser ele próprio um “e.t.”, pelo seu manifesto desajustamento com o panorama actual da cobertura cultural da actualidade na informação escrita: o que então se fez era de todo impossível de aproximadamente se repetir agora.
Fui parte dessa história e não o posso iludir — e também nesta coluna [então “Mediatismos”] nunca se pretenderam insinuar análises clinicamente feitas, abstractas de uma experiência pessoal que antes tem estado repetida e explicitamente implicada. Porventura, este preciso campo das mediações jornalísticas-culturais será até aquele em que mais indissociavelmente sou em simultâneo observador e participante. Mas essa não é razão para considerações sobre ele serem indefinidamente adiadas.
O que se passou a partir de 1981 foi obviamente uma conjugação de vontades individuais, a começar por quem era o editor da “Revista”, Vicente Jorge Silva, mas não podendo ser esquecido que o sinal verde veio do então director do “Expresso”, Marcelo Rebelo de Sousa. Talvez hoje se possa observar melhor, considerando as personalidades, que foi também o facto de o primeiro caderno estar tão politicamente vocacionado que permitiu um outro tipo de abordagens, não estritamente culturais mas que certamente de forte matriz cultural, na abordagem reflexiva da actualidade. E, depois, o estilo da “Revista” estava no ar do tempo, de um certo “culto cultural” mesmo, até de uma estetização do quotidiano, na qual, pelos menos nos primeiros anos, se fazia sentir a ressaca do “tudo político” de 1974/75 — e este quadro, que tem de ser atendido, não é propício a exercícios meramente nostálgicos.
Em 1989, quando o núcleo da “Revista” saiu (saímos) para fundar o PÚBLICO, a aposta inicial tinha sido largamente lograda, culturalmente mas também economicamente, com a continuada expansão do semanário, que, como os números provam, começou em processo de subida em paralelo à implantação da “Revista”. Em 1989, pensar-se-ia que a experiência mediática-cultural adquirida poderia ter continuidade bifurcada, na “Revista” que permanecia no “Expresso” e no PÚBLICO, que ousava também ensaiar numa articulação de actualidade diária e suplementos semanais, um legado que afinal estivera na base da sua própria contratualização. Uma e outra expectativa desvaneceram-se.
A revista do “Expresso” deixou há muito de ser, vagamente sequer, uma referência cultural. O que é entendido como “cultura”, os objectos de “cultura culta” se quisermos, estão num “ghetto” virtual, arrumados no “Cartaz”, que aliás com a sua actual fórmula está prestes a deixar de existir — donde se arrumará definitivamente o rasto de qualquer espectro [é o “Actual”, tal como ora existe]. De facto, não deixa de haver uma certa ideia cultural subjacente a essa mostra social do “Expresso” que é o caderno “Vidas”. E esse, aí, “é o que está a dar”...
No respeitante ao PÚBLICO, é de recordar que os suplementos foram dos primeiros a ser afectados, quando se tornou óbvio um sobredimensionamento do projecto (no qual, obviamente, tenho uma quota-parte de responsabilidades). Iniciada faz agora dois anos, a actual “arrumação” com os suplementos Y e Mil Folhas não é apenas mais uma das várias que se foram sucedendo. A ela está subjacente uma superação da matriz original, curiosamente retomando no entanto uma outra mais tradicional, aquela mesma que a experiência do “Expresso — A Revista” nos anos 80 tinha suscitado a ilusão de ter sido superada: uma diferenciada vocação da “cultura de massas” no Y e da “cultura de elites”, sobretudo de fortes marcas literárias, no Mil Folhas. Será a “ordem natural das coisas”?
Acontece que se as críticas terão de ser consideradas, até por razões de ordem prática, senão um campo à parte, pelo menos como tendo delimitações específicas, o espartilhar de diferentes perspectivas culturais pode conduzir a um alheamento das próprias capacidades críticas no tratamento da actualidade. É o que sucede. Dois exemplos apenas: já estamos no terceiro sucessivo ministro da Cultura [Sasportes, Santos Silva, Roseta] sem haver um único comentário editorial por parte deste jornal; salvo erro, no decorrer deste ano houve apenas dois “dossiers” culturais que foram destaque do jornal. A secundarização é patente.
É pequeno o passo entre a remissão à secundariedade e o alheamento, com o qual o tratamento dos acontecimentos é susceptível de entrar num sistema de auto-reprodução que acaba por equivaler à irresponsabilização. Eis dois exemplos em que atentei como leitor do jornal e frequentador de actos culturais por aquele abordados.
Como é possível que, no recente festival de documentário ocorrido em Lisboa no Centro Cultural de Belém, o jornal não tenha minimamente relatado o modo como aquele correu na prática? E entende o PÚBLICO que a escrita sobre filmes já dispensa vê-los no espaço em que são apresentados, as salas de projecção e no caso um festival? Como é possível que ao ler as notas de programa de um concerto tenha até verificado, como certamente outros espectadores, que esse texto e a apresentação do mesmo concerto no PÚBLICO sejam afinal um e o mesmo texto, com a mesma assinatura?
“Público”, 20-09-02
Republico agora este texto, que explicitava um itinerário também pessoal, embora não só, como ponto de partida para retomar a análise da depreciação da opinião cultural e sobretudo das práticas críticas no espaço em que elas eram supostas ter relevo, a dita “imprensa de referência” em Portugal.
Por socrática graça, é Isabel Pires de Lima senhora ministra da Cultura. À eminente literata justa homenagem acaba de ser prestada com a sua entronização na Confraria Queiroziana, momento solene que uma magnífica fotografia de Paulo Pimenta no “Público” de hoje, que com a devida vénia se reproduz, fixou para memória futura – dando-se como certo que é daquelas fotos que não nos sairá da memória.
Por socrática graça mas para nossa desgraça é Isabel Pires de Lima ministra da Cultura. E terá de ser dito, volvidos mais de dois anos e meio, que a acção e a postura da actual titular da Cultura ombreará certamente com as duas malfadas gestões santanistas, a do próprio enquanto secretário de Estado e, sendo Santana Lopes chefe do governo, a da sua ministra Maria João Bustorff.
Diz ela, em proverbial exercício de auto-estima: “Em consciência, não vejo razão que haja objectivamente razões que motivem o primeiro-ministro a remodelar a pasta da Cultura. Pelo contrário” (“Expresso” 29- 09-07). A declaração é insólita, já que remodelações são da competência própria e exclusiva do primeiro-ministro, e não cabe a ministro nenhum postular a sua inamobilidade. Mas tratando-se de Pires de Limes, só lhe faltou mesmo acrescentar como o outro: “Jamais, jamais”, en français dans le texte, quais passagens parisienses d’A Cidade e as Serras.
Certo é que, que tendo embora já sido ela por duas vezes desautorizada pelo primeiro-ministro (nos casos da Casa da Música e da colecção Berardo), não menos é ela a figura ornamental adequada para a tecnocracia pusilânime da gestão socrática, pouco afecto que é o primeiro-ministro ao investimento cultural.
Ainda assim destoa do padrão vigente, porque em matérias de planos tecnológicos e gestão propagandística está a senhora ministra manifestamente desfasada. Vai-se à página do ministério da Cultura e a última notícia informa-nos que iria ela estar presente na abertura da exposição “Encompassing the Globe: Portugal and the World in the 16th and 17th Centuries” em Washington, ocorrida a 20-06.
Justiça seja feita, não é que da actividade da senhora ministra da Cultura não haja outros ecos. Assim, por exemplo, a 17-07-05, informava a agência de informação iraraniana: “Deputy Head of Iran's Tourism and Cultural Heritage Organization for Communication Affairs Mohammad Hassan Atrianfar met withPortuguese Culture Minister Isabel Pires de Lima on the sidelines of an exhibition dubbed `7000-Year Persian Art'. The Portuguese minister expressed her country's willingness to boost cultural cooperation with Iran and termed the Iranian works being on display at the exhibition as ‘surprising’. She then accepted an invitation presented to her by the Iranian official to pay a visit to the Islamic Republic in the near future" (www.iranmania.com... ).
Embora já tendo andado pelas Arábias, não nos chegaram ainda notícias da prometida visita à República Islâmica do Irão. Mas o fascínio da senhora ministra Pires de Lima pelas autocracias está ora patente na exposição do Hermitage, montada na Ajuda, no palácio sede do ministério, com um custo de 1,5 milhões de euros, a que acrescem os 850 mil que, para acolher a montagem, foram necessários às obras na galeria de D. Luís. Isto, num sector, a Cultura, e num sub-sector, o museológico, claramente suborçamentados.
“Provincianismo atroz”, exclama a ilustre queiroziana perante as críticas à operação-Hermitage. Em tão elevada auto-estima, sucede à senhora ministra Pires de Lima ser obnubilada pela própria imagem e involutariamente se auto-classificar.
Sucede que, azar, logo a realidade veio bater à porta, e com isso uma inequívoca demonstração, mais outra, do que é o carácter político de Isabel Pires de Lima: falo de trapalhadas e incapacidades do Instituto dos Museus e da Conservação, IPMC.
Já em Março passado, a falta de vigilantes tinha obrigado museus a encerrar ao público parte das suas salas. Sucedeu isso nomeadamente no Museu Nacional do Azulejo, MNA, e no Museu Nacional de Arte Antiga, MNAA. A directora do MNAA, Dalila Rodrigues, que vinha prosseguindo uma enérgica acção de revitalização pública do museu, fez-se então ouvir, “indignada com a situação”. O mesmo não se notou da parte do director do MNA, Paulo Henriques, o que aliás nada teve de surpreendente, já que sob a sua direcção um museu que tem um acervo patrimonial dos mais distintivos, vinha definhando na notoriedade que deveria ter, designadamente traduzida na perda de visitantes.
Mas nessa situação e noutras, tinha Dalila Rodrigues feito ouvir a sua voz. Era caso para dizer que estava a traçar o seu destino. Recém-inaugurada uma nova exposição no MNAA dedicada ao Tapete Oriental, exposição de um âmbito sem precedentes no capítulo das chamadas artes decorativas, e quando Dalila Rodrigues ia apresentar a sua directa tutela do IPMC os planos próximos, com destaque para uma exposição Zurbáran, recebeu guia de marcha do director do Instituto, Manuel Bairrão Oleiro, sendo muito “apropriadamente” substituída pelo obediente Paulo Henriques.
Em tempos idos, ainda de expectativa mesmo que reservada, que a governação ainda era então só de sete meses, e quando os novos responsáveis da tutela procederam às primeiras nomeações, escrevi um texto, “Cultura, nomeações e (in)competências” (“Público” de 20-10-05).
“Sucede por vezes que o PÚBLICO seja um jornal desconcertante, sobretudo para os seus leitores mais atentos e dedicados. Aconteceu isso a propósito das nomeações para cargos directivos no Ministério da Cultura. Fiquei estupefacto pela notícia na secção de Cultura, a 1/10, com chamada de primeira página, taxativamente enfatizar ‘Ministra da Cultura troca chefias e coloca quadros ligados ao PS’, ‘todos ligados ao PS’, como era afirmado em relação a Elísio Summavielle, Jorge Vaz de Carvalho e Jorge Couto, nomeados respectivamente directores do Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR), Instituto das Artes (IA) e Biblioteca Nacional (BN). E depois, qual não foi o meu espanto quando a 7/10, no exercício semanal de ‘Sobe e desce’ na secção de Política, me deparo com uma seta para cima graciosamente atribuída à ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, por ter procedido a essas mesmas substituições. Sobre um acto relevante de política cultural, as secções de Cultura e de Política deste jornal tiveram leituras distintas, senão mesmo opostas. Relembro o facto não só porque ele me desconcertou, mas também porque assinala que na própria redacção do PÙBLICO houve entendimentos diferentes daquele que foi expeditamente o da secção de Cultura”. Para concluír eu: “A prova da falta de verdadeira vontade política nestas nomeações é a recondução no Instituto Português dos Museus de Manuel Bairrão Oleiro”.
Mas eis agora que, numa sucessão de poucos dias, de novo a falta de vigilantes obrigou museus a encerrar parte das salas de exposições (e, por exemplo, no MNAA, a entrada pela própria Rua das Janelas Verdes, que Dalila Rodrigues tinha reaberto, está de novo fechada) e é público que não só o IPMC não tem verba para comprar um quadro de Tiepolo, Deposição de Cristo no Túmulo (um Tiepolo!, note-se bem), como também que para a senhora professora Pires de Lima o ministério não tinha conhecimento de uma e outra situação, por as mesmas não lhe terem sido comunicadas pelo IPCM. E mais ainda, que – imagine-se – a situação de escassez de verba para pagar aos vigilantes seria tanto mais incompreensível para a senhora ministra"quando o IMC é dos organismos mais reforçados no Orçamento de 2008" – cabendo-nos perguntar como um anunciado reforço para o próximo ano deveria ter colmatado a escassez de meios de gestão corrente em 2007, isto enquanto na operação-Hermitage se gastaram 1,5 milhões mais 850 mil euros.
Para a senhora ministra Pires de Lima, ora enfim ilustre Grã-Louvada da Confraria Queiroziana, nem as verbas investidas no Hermitage têm relação com a suborçamentação dos museus, nem o ministério é responsável pelos lapsos do IPMC.
Mas se para algumas coisas nada tem a ver, nem por isso Pires de Lima, depois da pública reprimenda, deixa de reiterar a confiança em Bairrão Oleiro. O conto é exemplar, do que é incompetência e falta de carácter político de uma governante, e daquilo para que serve um seu fiel director de Instituto: para lhe garantir obedientes funcionários, sempre prontos, mesmo quando humilhados, às normas do servilismo vigente. É a grave farsa da incompetência e mesmo do descalabro em vigor no ministério da Cultura.
É isto um blog? Tecnicamente sim, mas o seu intento é outro. Letra de Forma será uma página de crítica e opinião, prosseguindo no espaço digital aquela que foi a minha actividade na imprensa ao longo de muito anos. Como tal, e de acordo com a defesa que sempre fiz de que a crítica deve ser também uma actividade profissionalizada, este espaço, diferentemente da generalidade dos blogs, é também ele feito numa base profissional. De algum modo, aliás, retomam-se assim questões que tem vindo a suscitar importantes controvérsias sobre as relações dos espaços críticos na imprensa e nos blogs, e sobre se eventualmente estes estão a contribuír para o definhamento de tais espaços no meio imprenso. O anacronismo do título, Letra de Forma, é também uma resposta pessoal: aqui se escreverá tal como na imprensa, interessando menos, mesmo muito pouco, algumas das interacções características da blogosfera.
Em Outubro de 2006, entendi demitir-me do Público, jornal de que havia sido um dos fundadores. As razões então tornadas públicas baseavam-se num motivo que em princípio me era alheio: chocaram-me vivamente os processos de rescisão de contractos então encetados, sem que a direcção editorial e a direcção da empresa se questionassem elas próprias sobre a sua fundamental quota-parte de responsabilidades na situação do jornal. Fui então acusado pelo director de estar ressentido com uma hipotética “falta de protagonismo” no processo de reestruturação, e de uma minha inconstância : “já se demitiu do Público várias vezes” mas teria voltado sempre. A resposta “ad hominem” questionava o meu carácter. Está à vista que não voltei, contra-resposta suficiente.
É certo que outros prenúncios de ruptura existiam. De há muito que eram patentes as profundas divergências entre os meus comentários e opiniões e a quotidiana informação cultural do jornal, e já a série de artigos “A ‘crítica’ ainda existe?”em Junho/Julho de 2006, para além de reflexão genérica, desenhava uma amplitude de desacordos que de por si não podiam excluir a possibilidade de ruptura.
Isto dito, a relação cessou de facto, e evidentemente com isso uma condição particular de fundador, que não me cabe mais invocar – ou não cabe ser invocada – a não ser na sua historicidade factual. Não tenho por isso qualquer espécie de conflito com o Público ou a sua direcção. Apenas verifiquei, com alguma estupefacção diga-se, que no projecto de reestruturação do jornal concretizado em Fevereiro, houvesse quem tendo responsabilidades afirmasse “fizemos o novo Público como se o Público não existisse”, depreciando assim o capital propriamente público do jornal, e que tendo-se aquele apresentado como novo mantivesse por omissão de mudança o Estatuto Editorial da fundação, o que, isso sim, me suscita uma perplexidade pessoal, por num objecto a que sou inteiramente alheio o seu código genético, a sua declaração programática, ser ainda aquela com a minha própria impressão digital, passe o paradoxo do enunciado.
Mas repito, para que fique bem claro: isso são factos passados que só agora aqui se invocam na medida em que a Letra de Forma retoma aquelas que foram as minhas práticas em papel impresso, portanto propriamente em “letra de forma”, e não tenho qualquer espécie de conflito com o Público ou a sua direcção. Ou antes tenho com o jornal a relação de leitor (e é o único jornal português de que sou regular leitor) e enquanto observador dos media posso por isso tê-lo também como objecto privilegiado de algumas observações, designadamente no tocante às questões de crítica – e do seu estatuto – que mais me importam, bem como na análise de como se operou, ou tem vindo a operar, a sua passagem ao estatuto de bi-media, em papel impresso e digital, que é hoje o desafio maior da imprensa.
Houve entretanto uma breve passagem pelo “Diário de Notícias”, cessada por vontade própria no momento em que tive conhecimento de qual era a nova direcção do jornal. Um Pacheco Pereira, que tantos comentários pertinentes tem feito à intromissão dos media na vida privada, à sua devassa mesmo, e ao populismo, não se abstem contudo, pondo os princípios entre parênteses, de designar o “Correio da Manhã”, como “imprensa popular de qualidade” – o jornal sendo a principal publicação do grupo Cofina, de que uma das outras é a revista “Sábado”, em que o mesmo Pacheco Pereira também é colunista. Por mim em caso algum admitiria que o nome figurasse na ficha de um jornal, como passou a ser o “Diário de Notícias”, dirigido por quem no “Correio da Manhã” tristemente fixara novos patamares de devassa e de campanhas visando o carácter e a integridade de pessoas.
No actual contexto – e não creio haver horizontes de mudança – a colaboração na imprensa escrita é um capítulo para mim encerrado, com algum desconforto é certo em função dos factos concretos, mas também, e tenho de o dizer com toda a sinceridade, com um indesmentível alívio. Sem prejuízo de manter a possibilidade de me exprimir na imprensa por razões de ordem civíca e desde que haja nesses casos de excepção espaço de acolhimento – tal como não me tenho recusado a responder a questões ou entrevistas que me êm sido solicitadas -, o
passado é passado e os horizontes são agora outros.
Quaisquer que tenham sido as dificuldades resultantes da desvinculação de jornais, houve também uma acrescida disponibilidade para retomar outras práticas, designadamente de programação, que não menos me importam. O ciclo dedicado ao cineasta Hou Hsiao-Hsien na Culturgest, o labor dedicado ao recente DocLisboa, como programador associado e comissário da retrospectiva de “Diários e Auto-Retratos”, a programação para a Orchestrutópica do concerto “Metropólis” ou o trabalho com Tiado Guedes e Maria Duarte no espectáculo Ópera, fazendo a assistência artística, foram-me particularmente gratificantes.
O acolhimento na página da Culturgest da coluna Derivas permitiu-me também encontrar uma linha de reflexão sobre questões culturais genéricas, e nomeadamente de tecno-cultura, que há muito desejava, mas que os modos prementes de solicitação da mais imediata actualidade vinham inviabilizando na prática de jornal. Mais recentemente, O Estado da Arte, espaço mensal em linha todos os dias 15 em www.artecapital.net , é um tipo de reflexão e de opinião num campo específico.
Contudo, foi-me insistentemente feito notar, e eu próprio não deixei de amiúde o sentir, que ficavam de facto em faltas as práticas de crítica e de opinião mais conformes ao meu perfil público. E são essas práticas que aqui se retomam agora em Letra de Forma. E assim, usando ainda a ferramenta tecnica do Sapo Blogs, Letra de Forma será uma página de crítica e opinião, página de textos mais do que própriamente "posts", prosseguindo no espaço digital aquela que foi actividade na imprensa ao longo de muito anos