Ofícios de Vésperas - I
Alessandro Scarlatti
Magnificat, Dixit Dominus, Madrigais
Concerto Italiano, Rinaldo Alessandrini
Naïve, dist. Andante
De todas as figuras maiores do barroco italiano, Scarlatti pai é aquela de quem dispomos de um menor conhecimento concreto por realizações discográficas, sendo certo que foi das mais influentes e prolíferas. Se entre as suas mais célebras óperas, La Griselda existe disponível, nomeadamente numa interessante realização dirigida por René Jacobs (Harmonia Mundi), faltam-nos nomeadamente Il trionfo dell’Onore e sobretudo aquela que, depois do insucesso inicial em Veneza, se tornaria contudo a mais celebrada de todas, Mitridate Eupatore.
Há todavia um manifesto reducionismo na estrita associação de Alessandro Scarlatti (1660-1725) à posição de “mestre” da ascendente “escola napolitana". De resto, se é excepcional o número de óperas que compõs, 114 (!) das quais sobrevivem 40, as suas 700 cantatas (!!) ou uma vasta produção religiosa, em que figuram nomeadamente, além de um conhecido Stabat Mater, 35 oratórios ou 70 motetos, são suficientes indicadores de um autor mais multifacetado.
Mas sobretudo, Alessandro Scarlatti não foi um compositor estritamente “napolitano”, já que não menos foi uma figura de revelo da “escola romana”. Formou-se aliás na cidade papal, tendo sido inclusive maestro di cappela da Rainha Cristina da Suécia e a Roma retornou mais tarde, ao círculo dos Cardeais Ottoboni e Pamphili, bem como à célebre Accademia dell’Arcadia, em que foi admitido em 1706, tal como Corelli.
Este admirável disco do Concerto Italiano reúne duas composições para trechos do Ofício de Vésperas, um Magnificat dos dois que compõs e o Dixit Dominus, e cinco dos seus mais raros madrigais. O que surpreende, em primeiro lugar, e nomeadamente face à relação consagrada com a “escola napolitana”, é o estilo conservador, para não dizer mesmo “arcaízante” ou anacrónico, com o stile osservato e uma densa textura polifónica, ao estilo da prima pratica de finais do Renascimento – stilo antico, pois.
Talvez ainda mais surpreendente são os madrigais, tão cultivados durante o maneirismo e o barroco inicial, mas inusitados em inícios do século XVIII. Não são contudo caso único, nem porventura o mais notável, apesar de um dos cinco aqui incluídos, O Morte, ser admirável: mais surpreendentes são ainda os de Antonio Lotti (1667-1740), havendo desses uma notável gravação dirigida por Alan Curtis (Virgin), sendo de referir, a propósito, que há também um outro disco de Madrigais de Scarlatti e de Lotti, dirigido por Anthony Rooley (Oiseau-Lyre). No caso é sobretudo do Maneirismo que estas composições de Scarlatti se aproximam: organização de sonoridades e dissonâncias mais do que observação da inteligibilidade do texto.
Com apenas um cantor por parte, e um contínuo tão estrito quanto notável (“chitarrone” e orgão nas obras sacras, cravo nos Madrigais), Alessandrini assina uma realização densa e com uma admirável clareza da estrutura polifónica e das figuras ritmícas, com o único senão das vozes femininas se revelarem inferiores nas passagens solistas. Em particular notáveis são o citado madrigal O Morte e no Magnificat o“Esurientes implevit bonis”, versículo de resto já de si singular, pois que não é hábito figurar nesse canto de lauda.
Apesar da reserva manifestada em relação às vozes femininas, este é um disco notável, absolutamente a reter.