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Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

O assessor e o BPP

 

 

 

A intervenção do regulador, o Banco de Portugal, isto é o Estado, dando o seu aval a um empréstimo de cinco instituições bancárias para salvar o BPP, é uma operação escandalosa, e aliás recheada de contradições.
 
Diferentemente da recente nacionalização do BPN não é caso de haver fortes indícios de actividades danosas e ilícitas. Mais: não sendo o Banco Privado Português um banco comercial, também não se trata de acorrer em salvaguarda dos interesses dos depositantes. Mais ainda: como há poucos dias tinha reconhecido o ministro das Finanças, não existia risco de efeitos sistémicos, isto é, de uma eventual falência do BPP se repercutir genericamente no sector bancário. O banco que tão orgulhosamente (está-se a ver) ostenta o “Privado” no nome, é uma instituição de gestão de investimentos e fundos, de gestão de fortunas se se quiser (Balsemão, Saviotti, Vaz Guedes, etc.).
 
Mas uma vez mais assistimos a esta cena caricata e dir-se-ia que endémica do capitalismo português: “privados” sim, mas se há problemas, ó da guarda, que venha o Estado.
 
No espaço de menos de duas semanas, o ministro das Finanças passou a considerar haver um qualquer inexplicado risco, o buda que é governador do Banco de Portugal passou de um horizonte de aval no limite de 45 milhões para 10 vezes mais, e os banqueiros, pelo menos um dos quais, Fernando Ulrich do BPI, tinha dito não perceber como é que um banco com o modelo de gestão do BPP e com a sua dimensão podia necessitar do apoio do Estado da ordem dos 750 milhões de euros (a verba que era pretendida pelo presidente do BPP; João Rendeiro), são agora arrastados para este empréstimo – é misterioso, de facto.
 
E que serve de garantia? Os activos do banco, diz-se – os mesmíssimos com os quais não conseguiu obter empréstimo sem intervenção do regulador; como no debate parlamentar de hoje perguntou o líder da bancada do PSD, Paulo Rangel, “Se os activos são tão prestáveis e valiosos, porque não foram suficientes para que o consórcio de bancos fizesse o seu empréstimo sem o aval do Estado, apenas com base nesses mesmos activos?”.
 
Para além do que como cidadão me escandaliza nos contornos desta operação, um activo há que particularmente me interessa, desde os seus primeiros anúncios: a que entretanto veio a ser a Ellipse Foundation.
 
A presença nesse fundo de investimento internacional em arte como curadores do inevitável “crítico excelentíssimo” Alexandre Melo (na imagem) e do também director do Museu do Chiado (funções a que era suposto por lei dedicar-se a tempo inteiro) Pedro Lapa, foi uma das razões que me levou a escrever em 2004 “Arte e Sistema”, com toda a polémica subsequente. Pela menos na Espanha e no Brasil, a Ellipse foi muito promovida, e sempre também como “fundo de risco”. Entretanto, mudou de rumo, e transformou-se numa fundação, com um centro expositivo. E comprou muito. E comprou e encomendou obras, caras por certo, de alguns artistas altamente considerados e cotados, como William Kentridge e James Coleman.
 
É evidente que o futuro da Ellipse é merecedor de ser seguido com atenção, desde logo porque na nova situação de crise do BPP não se vê que futuro, que continuidade possa ter. Mas, entretanto, também não se pode deixar de recordar, preto no branco, que um dos curadores da Ellipse, evidentemente o inevitável e excelentíssimo Alexandre Melo, é hoje assessor para a cultura do primeiro-ministro José Sócrates, ou dito de outra forma, e mesmo não querendo estabelecer nexos directos que seriam exorbitantes, que a rede do BPP chega ao gabinete do primeiro-ministro, numa figura que, além das suas responsabilidades directas na colecção, tão bem encarna a rápida constituição e ostentação da Ellipse: o cinismo triunfante.

 

Crítico Excelentíssimo - II

 

"Tenho repetidamente assinalado que as questões de 'gatekeeping', de selecção, legitimação e poder no campo das artes visuais, se processam em Portugal de modo estreitíssimo. Não menos tenho acrescentado que o paradigma dominante, ou, como se queira, a estrutura do poder neste campo específico, tem origem no momento de afirmação dos anos 80, a exposição Depois do Modernismo, e recordado a propósito, não sem amarga ironia, que tendo aquela também tido um objectivo político claro, contra o sistema critico encarnado em José Augusto França, acabou por a prazo produzir um outro crivo apertado e um sistema crítico de poder.
 
 Arte e Artistas Portugueses é a esse respeito um objecto a ser devidamente considerado, já que o facto de um crítico que até é agora assessor cultural do Primeiro-Ministro produza em forma de livro um discurso oficioso sobre a arte em Portugal conduz o estreitamento ao seu grave pico unipolar, e unipessoal, para mais tão duvidoso em termos de escrúpulos éticos e integridade intelectual."
 
 
 
 
 
Arte e Artistas Portugueses, livro do crítico e também assessor cultural do Primeiro-Ministro Alexandre Melo, editado por uma instituição oficial, o Instituto Camões, é o objecto da minha coluna O Estado da Arte na Artecapital.

Ouro, prata, lata

 

Nuno Ferreira Santos – “Público”
 
 
 
O primeiro-ministro José Sócrates será pois O Menino de ouro do PS, título da biografia de Sócrates pela jornalista Eduarda Maio, que contou com a apresentação de António Vitorino e Dias Loureiro (como poderia ter sido de Jorge Coelho e Ângelo Correia). É pois em coerência que tem um assessor para a cultura que se apresentou como emblemático de uma Idade da Prata. A “lata” é que também não é pouca.
 
 
 

 

Crítico excelentíssimo

 

 

Foi notada a recente edição pelo Instituto Camões, instância pública de difusão internacional da cultura portuguesa, de (mais) uma publicação de Alexandre Melo, Arte e Artistas em Portugal. O autor é apresentado como licenciado em economia e doutorado em sociologia, crítico de arte, organizador de exposições, autor de diversos livros e também curador das colecções do Banco Privado (em depósito em Serralves) e Ellipse Foundation. Como é sumamente sabido, embora não referido na algo modesta apresentação de um autor que acumula tantos papéis, ele é também assessor cultural do Primeiro-Ministro José Sócrates. Dirá o autor (e de resto já o tem dito) que apesar da data recente da publicação, ocorrida durante a presidência portuguesa da União Europeia durante o segundo semestre do ano passado (facto aliás expressamente assinalado numa nota introdutória do Ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado), a encomenda data já de 2001, quando o director do Camões era Jorge Couto, e não quando Melo já exercia o seu actual assessorado.
 
Em rigor, pouco importa isso, pois se confirma a proximidade de Melo a uma zona de poder com conotações partidárias, PS no caso (de resto, sendo novamente governo o PS, como o era ao tempo da encomenda, também o responsável pela encomenda, Jorge Couto, está de novo num alto cargo cultural público, a direcção da Biblioteca Nacional), e que o autor do livro, para além das funções que presentemente exerce junto do primeiro-ministro, continua “apresentável”, como curador de colecções privadas, e a esse nível interveniente também em instâncias que são ao mesmo tempo de “consagração” e de “mercado”.
 
Seja qual for a perspectiva, artística, sociológica, política ou ética, torna-se patente que Alexandre Melo é um “case study” de acumulação de competências e papéis – que até eventualmente poderia no âmbito académico ser objecto de uma análise, não sem o risco de ainda vir a ter como arguente ou director do júri o mesmo Alexandre Melo, tais as promiscuidades instaladas.
 
É uma tal abordagem da arte a altos níveis do Estado, com competências sobrepostas e na institucionalização das promiscuidades, um caso crítico, ético e político que cristaliza um entendimento do “Estado da Arte” – sem qualquer regulação de instâncias de regulação. É uma intervenção nos “mundos da arte” que configura uma “dominação” e uma legitimação directa a partir de instâncias centrais do poder político, em violação das normas abertas no espaço público. E que por inteiro, creio, justifica que obstinadamente se continue a chamar a atenção para um sistema gravosamente enquinado…
 
 
 
 
“Crítico excelentíssimo” é o título de novo texto na coluna “O Estado da Arte” em www.artecapital.net , prosseguindo a reflexão “Estado da arte – arte do Estado?”.
 
 
Nota – A propósito de promiscuidades, “arte do Estado” e outras questões: a série PortugALL S.A. – As colecções de Manuel Pinho prosseguirá, tanto mais que agora abriram as exposições por ele desejadas no Allgarve.

 

Estado da Arte -Arte do Estado?

 

 

 

Está entretanto em linha na artecapital a nova crónica do Estado da Arte, a que atribuo especial relevo, pelos factos que sumaria e a questão que coloca: “Arte do Estado?”
 
 
“Num conjunto de artigos sobre ‘Arte e sistema’, em 2003/05, entendi trazer claramente ao debate público a consideração de como um conjunto restrito de mediadores privilegiados se constituíam numa esfera autónoma e num exorbitante poder próprio, uma ‘nomenkultura’. Forçoso é constatar agora que essa situação se agravou com muitos mais directas imbricações em instâncias do poder político executivo.”
 
Em particular abordo o intervencionismo do Manuel Pinho no domínio artístico, de resto tanto mais notório quanto não há praticamente sinais de ministro da Cultura, e a sua promiscuidade com as iniciativas do BES no campo da fotografia, designadamente de iniciativa de sua mulher, Alexandra Fonseca Pinho.
 
Não é contudo o único exemplo de um enviesamento de intervenções culturais públicas.
 
“A objectiva legitimação do sistema instituído de promiscuidades, concretiza-se no facto do assessor para a cultura do primeiro-ministro ser o crítico e programador que por si só representa exponencialmente esse sistema, Alexandre Melo …com o protagonismo descomplexado e sem princípios que há muito exerce, pelo menos desde o ano de 1986 em que fazia a capa desse manifesto social de distinção que foi ‘A Idade da Prata’, um vértice que justifica consideração própria.”, em próxima crónica.
 
È uma perspectiva sobre uma situação gravosamente inquinada.