Werner Schroeter era um dos meus cineastas preferidos, exuberante, arrebatado pela paixão da ópera (chegou aliás a encenar, nomeadamente uma Tosca na Ópera de Paris), inconfundível.
A propósito dele podíamos perguntar: se Deus morreu, onde estão os objectos de culto? Naqueles que transcendem a transitoriedade, como as divas da ópera, deixando o rasto imperecível de corpos celestes, aqueles que sempre desejaremos e nos remetem para os princípios da existência.
Traduzidos numa mitologia profana, os objectos de culto são deuses e deusas que trazem a promessa dos corpos celestes, satélites levitando em torno de um núcleo originário, objectos de devoção mas também de uma pulsão erótica, signo da humana existência, que supõe entre um e outro o desejo. Objectos ritualizados nas cerimónias de uma sociedade laica, por exemplo na ópera e no cinema.
No princípio, e no princípio do cinema de Werner Schroeter, era a Voz. Estanho enunciado quando se fala de um cineasta. Não é o cinema fonte de tantas iconologias contemporâneas? Não tem como princípio a imagem, fundamento das aparições e adorações?
A unicidade do dogma tinha caducado nas sociedades europeias quanto nelas se reinventaram os fundamentos mitológicos, o canto de Orfeu antes do mais, e se formulou a ópera. As mesmas sociedades tinham sido laicizadas quando a imagem passou a ser passível de reprodução mecânica e depois o cinema surgiu. Qualquer compêndio nos dirá que as imagens vieram primeiro as vozes, os talkies depois, por acrescento, mais próximo de um reconhecimento de um real.
É privilégio dos grandes cineastas que a sua obra apareça como uma daquelas que tudo reinventaram, por sua livre escolha designando a genealogia que preferem. Werner Schoreter era um desses. O seu cinema retomava os cerimoniais e os princípios da representação do que ele escolheu como origem: a ópera. O mundo, o mundo desejado da arte, fez-se então porque o objecto do desejo era uma voz, e Maria Callas era o seu nome.
“Werner Schroeter foi durante mais de dez anos – muito tempo pois, demasiado tempo – o realizador mais importante, mais apaixonante e o mais decisivo de um cinema alternativo, de um cinema, que, em geral, se designa por underground, o que o reduz, o minimiza e acaba por abafá-lo. (…) De facto não há senão filmes num conjunto cinzento. E há também os que fazem filmes. E, se os homens e os seus filmes são diferentes uns dos outros, a necessidade sentida de fazer filmes varia também naturalmente. (…) Werner Schroeter, que um dia terá o seu lugar na história do cinema (em literatura, eu considerá-lo-ia entre Novalis, Lautréamont e Louis-Ferdinand Céline) foi pois um cineasta underground durante dez anos e não se quis possibilitar-lhe escapar a esse papel. (…) atitude tão fácil quanto estúpida, porque os filmes de Schroeter estão próximos de nós; é verdade que são belos, mas não exóticos, pelo contrário”. Era o ano de 1979 e nestes termos se referia a Schroeter o seu colega Rainer Werner Fassbinder.
Em meados dos anos 80, quando despontava o jovem cinema alemão, Werner Schroeter começava a fazer filmes em 8 mm. Objecto constante: Maria Callas (muitos anos depois, em 1996, o admirável Abfallprodukte der Liebe/Poussières d’amour, haveria de ser feito com as divas retiradas Martha Mödl, Anita Cerquetti e Rita Gorr).
"A Morte de Maria Malibran"
Em breve, numa díspare panóplia, outras referências se acrescentavam, por exemplo a cançonetista Catarina Valente, ou o arquétipo histórico das divas de ópera, Maria Malibran – A Morte de Maria Malibran de 1972, superlativa obra-prima. As vozes pré-existiam para elas se encontrando as imagens. Questão de juntar duas bandas, de som e de imagem, sem que entre elas se supusesse a identificação. O método era de montagem, de collage, e daí haveria de resultar, em 1969, e concluído no formato de 16 mm, um anúncio genial, Eika Katappa.
Da disparidade dos materiais, da dessincronização das bandas, extraía Schroeter um postulado: as imagens são o cerimonial de resposta ao chamamento da Voz. Questão também de origem, portanto. Questão de inevitável distância entre dois objectos, o que chama e o que responde, quais dois seres que impossivelmente se tentam realizar num único.
Impossível considerar o cinema de Schroeter sem esse apelo primordial, esse Urruf, que é simultaneamente o do útero materno (voltar ao corpo originário), da mitoligização do ser feminino (a Mulher é a “Diva”, a Callas antes do mais), do desejo da fusão, dessa androgenia que transcende as diferenças dos géneros sexuais e da qual se manifestam os sinais do desejo pelo “travestimento” dos semblantes e dos corpos – na paixão é-se um que quer ser outro. Assim foi o cinema de Werner Schroeter.
Em Portugal, com o produtor Paulo Branco, Schroeter rodou dois filmes, O Rei das Rosas e o derradeiro Nuit de chien. Eika Katappa, A Morte de Maria Malibran, Willow Springs (1973), O Reino de Nápoles (1978), Palermo oder Wolfsburg (1980), Ensaio Geral (1980 também, exuberante documentário sobre o Festival de Teatro de Nancy) e Poussières d’amour são indiscutíveis obras-primas.
Foi uma das maiores personalidades do cinema contemporâneo que morreu.
O ciclo berlinense da Cinemateca chega à sua raison d’être, o motivo do 20º aniversário da queda do Muro, com este espantoso documentário do cineasta este-alemão Jürgen Bottcher, raríssimo exemplo de História em directo, que apresenta precisamente a queda do Muro. Se me é permitida a observação, deveria ter sido por aqui (e embora falte ainda também exibir outro muito importante filme “em directo”, Novembertage de Marcel Ophuls, que passa a 29) que o ciclo se devia ter iniciado, indo depois ao flashback desde os anos 20.
No começo do filme, vemos vários blocos já arrancados do Muro, como num cemitério. Die Mauer/O Muro é o filme desse colapso e morte. Bottcher. filmou os primeiros momentos da derrocada, a 9 de Novembro de 1989, e depois a desordenada destruição do Muro, nesses dias em que cada um de nós por lá passávamos queríamos ficar com um bocado de Muro para recordar. Há turistas japoneses que passam, há crianças turcas que vendem esses bocados de Muro.
Prescindindo de qualquer comentário, voz off ou depoimentos falados, Bottcher, nascido em 1931 e que também é pintor assinando “Strawalde”, deixa a matéria das imagens ser suficientemente eloquente. A maior parte do filme situa-se na zona central da Porta de Brandenburgo e de Potsdamer Platz, nesta a câmara descendo aos subterrâneos, à desactivada estação de metro, qual visão da ante-câmara do inferno.
Mas Bottcher utiliza também um estratagema para relatar a História: por três vezes projecta no próprio Muro imagens de arquivo, 1) do centro de Berlim, desde a época de Guillherme II, passando pelo nazismo, até à tomada da cidade pelo Exército Vermelho, 2) da construção do Muro e das tentativas de fuga (um dos momentos mais intensos do filme) e, 3) da RDA na época do Muro.
Literalmente “filme da queda”, Die Mauer registou e traz-nos de volta a cada visão as memórias dos dias de Liberdade reencontrada ou descoberta. Foi também outro epitáfio, o último filme importante produzido na RDA. Por esse modo como captou a História em directo e pela inteligência das suas estratégias narrativas, Die Mauer é seguramente uma das grandes obras do documentarismo cinematográfico.
No ciclo “Os Mil Rostos de Berlim” a decorrer na Cinemateca desde o mês passado, a propósito do 20º aniversário da queda do Muro, entra-se hoje propriamente nos “anos do muro” com a adaptação cinematográfica do romance que celebrizou Christa Wolf, Der geteilte Himmel/O Céu Divivido. Se não se trata propriamente do Muro, a metáfora do “céu dividido” é suficientemente esclarecedora da confrontação das duas Alemanhas, RFA e RDA.
Konrad Wolf (1925-1982) era filho de um célebre anti-fascista, Friedrich Wolf, e irmão do famoso super-espião Markus Wolf. A família partiu para a União Soviética logo após a tomada de poder pelos nazis em 1933, e Konrad viria a alistar-se no Exército Vermelho durante a guerra, vindo a fazer parte das forças que tomaram Berlim em 1945. Também desde cedo tomou contacto com o cinema soviético, e aliás depois da guerra completaria os estudos na célebre escola de cinema, VGIK. Esta “impecável folha de serviços” valeu-lhe desde cedo uma posição de destaque na DEFA, os estúdios da Alemanha Oriental. De facto, mais do que isso, Konrad Wolf não foi apenas o “cineasta oficial” da RDA, foi mesmo a figura do “artista oficial”, presidente da Academia das Artes da República Democrática Alemã desde 1965 até à sua morte.
Com este curriculum não deixa de ser algo surpreendente que se tenha metido à tarefa de adaptar Der geteilte Himmel, livro de “justificação” da RDA é certo, mas obra de dilaceração também (Christa Wolf participou na adaptação).
O filme é habilíssimo, fundando-se nessa clássica figura do esquema marxista que é a tomada de consciência, todavia atrás de uma releitura moderna do melodrama: Rita e Manfred amam-se, mas enquanto ela se vai progressivamente mais integrando nos mecanismos do “socialismo”, ele decide partir para Oeste. O uso frequente de contra-picados com o céu em fundo, sobretudo no início do filme, e também de grandes planos num formato largo, de Rita em particular, elucidam a divisão e o confinamento.
Tem sido apontada uma possível influência de Hiroshima Meu Amor no filme de Konrad Wolf. Tenha ou não havido influência directa há sem dúvida um paralelismo na abordagem de uma personagem feminina face à História, daí decorrendo um amor impossível de prossecução. Todavia, o que mais surpreende retrospectivamente é que este filme de um “cineasta oficial” tinha ainda assim uma liberdade de tom que estava cinematograficamente dans l’air du temps. Deste modo, e surpreendentemente, este filme de 1964, obra de “justificação” e de um “cineasta oficial”, surge num olhar retrospectivo como um imediato percursor da fugaz “nova vaga” da DEFA (chamemos-lhe isto por comodidade de expressão), um conjunto de filme de 1965/6 que logo foram proibidos e que apenas viríamos a conhecer em 1990, depois da queda do Muro, o mais célebre dos quais é Spur der Steine de Frank Beyer, outro sendo um filme que falta neste ciclo da Cinemateca, Berlin um die Ecke de Gerhard Klein (foi antes incluído outro filme seu, anterior, Eine Berliner Romanze).
A RDA, estado efémero, defrontou-se sempre com um problema de “identidade” e “fundamentação”: seria a parte “progressista” da Alemanha e a “barreira contra o capitalismo” (o que eram os termos de justificação do Muro), de facto um socialismo real, horrorosa mescla de totalitarismo soviético e autoritarismo prussiano. Com a queda do Muro o seu colapso era inevitável, e foram infrutíferas as tentativas de alguns, entre as quais precisamente Christa Wolf, de lhe dar continuidade então como “socialismo democrático” – “Wir sind Eine Volk”, “Somos Um Povo”, clamou-se antes nas manifestações de rua, Um povo a leste e oeste.
Enquanto habilíssima obra de “justificação” do “socialismo” a construir, Der geteilteHimmel é um objecto singular e de encruzilhada, a descobrir.
Uma das maiores estrelas do cinema americano, com uma proeminente posição no Box Office, é um homem pouco dado a vedetismo, muitas vezes mantendo-se escondido da ribalta pública
Pouco dado a discursos, responde às questões com o laconismo da maioria das suas personagens. As vezes hesita, repete que não sabe, evita o que possa ser considerado como questão mais pessoal.
Mas John Wilson, papel que interpreta em White Hunter, Black Heart, não é uma personagem qualquer: é um realizador de cinema, directamente inspirado em John Huston, e há questões que não se podem deixar de colocar.
P – Porquê esta obsessão por personagens obcecadas?
Clint Eastwood – Não sei, não tenho a mínima ideia. Penso que as acho interessantes. Concordo com elas nalgumas coisas, noutras não.
P.- Por exemplo?
R. - No caso de White Hunter, Black Heart, concordo em muito com a filosofia do realizador de cinema, acho que o modo como ele se coloca ao lado dos que são tratados "abaixo de cão" é admirável, mas também que ele é muito cruel com as pessoas que o rodeiam. Mas é a maneira de ser dele, é o que o torna uma personagem interessante. O que o determina? A sua inconstância, o seu brilhantismo, a sua força? Não sei. Num filme tem que se pôr tudo isso, tanto quanto possível, e dá-las a ver ao público- eu acho isto, e você? No último plano, o realizador começa o seu filme, grita "action"; o que lhe vai acontecer, para onde vai? Vai transformar-se por causa do incidente trágico que provocou? Não sei, cada um interpretará como quiser.
P. – Mas para si foi essencial que ele fosse um realizador? Ter-se-ia interessado por um homem que constantemente se desafia no seu trabalho, movido pela obsessão de matar um elefante, se fosse outra coisa que não um realizador?
R. - Se a história fosse outra coisa qualquer, e igualmente interessante, podia não ser essencial, mas nesta é.
P. - A certa altura, o argumentista no filme diz que as pessoas não vão ao cinema para ouvirem uma conferência. Não acha que, sendo você um actor/realizador, o discurso de John Wilson sobre o cinema pode ser confundido com uma declaração sua?
R.- Não, é apenas a personagem. É apenas a personagem. Ele fala muito da sua relação com as histórias, da simplicidade na arte, mas é o modo de ser dele.
P. - E não se confunde com o seu?
R. - Bem. Deve haver qualquer coisa em comum que me atraíu.
P. - Por exemplo?
R. - Concordo com o que ele diz sobre a importância da simplicidade na arte.
P. - Precisamente, ele fala muito. Estamos acostumados a vê-lo a si interpretar personagens muito lacónicas. Nunca como esta.
R. Ele explana muito, é uma parte muito importante da sua personalidade, como também era para John Huston.
P. - Voltemos então a Huston / Wilson. Para si, ele é um clássico realizador de Hollywood?
R. - Huston era uma figura internacional; viveu na Irlanda e no México, noutros sítios. Segundo as normas de Hollywood, ele era um bocado rebelde; acho que também sou e esse aspecto é comum. Hoje Hollywood é diferente, toda a produção está internacionalizada, de qualquer modo, não participo muito na vida de Hollywood e talvez também haja aí um paralelo. Estou de acordo com o que Wilson diz no filme quanto à necessidade de não estar sujeito ao contrato de uma companhia.
P.- Mas Huston é um realizador particularmente importante para si?
R. – Bem, cresci vendo filmes de cineastas como Howard Hawks, John Ford, John Huston ou Preston Sturges.
P. - Sente-se herdeiro deles?
R. - Espero que sim.
P. - Qual o seu filme de Huston preferido?
R. – O Tesouro da Serra Madre.
P. - Nunca encontrou Huston e para preparar este filme viu documentárioscom ele. Tem pena de não o ter encontrado?
R. -Tenho pena, mas era capaz de não ter sido bom, era capaz de me ter disperso em pormenores. Assim, pude ver o filme de maneira objectiva. O que interessa é a ideia que se faz da personagem. E só isso que conta, torna-se parre de nós.
P. - Acha que se, como actor, tivesse feito um filme com Huston, se sentiria intimidado?
R. - Bem, isso acontece, às vezes acontece mesmo em filmes meus. Às vezes há actores novos de quem se sente que cresceram a ver os filmes daquele realizador e se sentem intimidados. Isso também me aconteceu quando fiz Breezy, o primeiro filme que realizei em que não entrava como actor. William Holden era o protagonista, um actor que eu tinha visto no cinema desde que era criança, e fiquei impresstonado. Tinha visto tantos filmes com ele que quando ia começar a rodar pensei de repente: não pode ser ele, será mesmo que o vou dirigir?
P. -Dirige-se a si próprio no papel de realizador que todo o tempo parece uma personagem dele próprio. Não foi complicado?
R - Foi, a personagem é muito complicada, há tantos aspectos nele que é preciso compreender.
P.- Portanto, correu o risco.
R. - Há que correr os riscos. Se se começa a pensar neles, não fazemos nada. Wilson diz uma coisa com que concordo: não se pode fazer um filme a pensar como vai reagir o público na sala em relação a isto ou aquilo. Não há que ter medo, há apenas que fazer o primeiro plano, contar a história e esperar que alguém goste dela.
PÚBLICO, 13-05-90
White Hunter, Black Heart é de novo exibido na Cinemateca Portuguesa, na próxima quarta-feira, às 19h30.
Foi o maior autor teatral depois de Beckett, do qual aliás era devedor (e ele, que começara sendo actor, voltou mesmo a pisar o palco, o do Royal Court, em 2006, para interpretar Krapp’s Last Tape do outro), e era o maior dramaturgo vivo. Uma situação “pinteriana” era imediatamente reconhecível – e note-se que se muitos grandes autores cinematográficos deram origem a caracterizações, “hitchcockiano”, “godardiano”, “felliniano” ou “antonioniano”, no teatro das últimas décadas isso apenas sucedeu com Beckettt e Pinter justamente – “beckettiano” e “pinteriano”.
Situação arquetípica pinteriana: duas personagens e a possibilidade de um terceiro intuída (The Dumb Waiter/O Serviço, eventualmente a mais “beckettiana” das suas peças) ou sobretudo três personagens e um jogo de duplicidades (O Amante, Traições). Mestre da língua, e dos silêncios também (as famosas “pausas” que pontuam incessantemente os seus textos), Pinter elaborou situações de ameaça (O Encarregado, o citado O Serviço, O Aniversário) e de memória (Old Times, No Man’s Land). Há uma peça de Beckett que se chama tão só Play; em Pinter não são só os intérpretes que são players, são-o as próprias personagens, players de jogos, intrigas e situações que se desdobram.
O grau de reconhecimento das situações “pinterianas”, do arquitexto por assim dizer, e pese ainda a mestria das palavras e dos silêncios, também gerou as muito particulares convenções, por assim dizer a sua específica “carpintaria” teatral. Nesse aspecto, contudo, foi no capítulo dos argumentos cinematográficos que Pinter mais se repetiu. Depois do magistral O Criado de Joseph Losey (dois homens, uma relação de poder e a sua inversão), um esquema semelhante (mas com um homem e uma mulher de diferentes classes) seguiu-se com O Mensageiro do mesmo Losey, o jogo de duplo (a actriz e o actor, a relação deles mesmos e das personagens que interpretam) em A Amante do Tenente Francês de Karel Reisz, até a recente remake de Sleuth, sobre a peça de Anthony Shaffer, ainda uma troca de posições entre dois homens – e pelo meio ficou associado a coisa tão lamentáveis, ainda que muito apesar dele, como The Handmaid’s Tale de Volker Schlöndorff ou The Confort of Strangers de Paul Schrader – sendo que todavia aquele que foi o seu grande projecto cinematográfico, e de que existe o argumento, ficou por concretizar, a adaptação de Em Busca do Tempo Perdido de Proust.
E claro que sobretudo nos últimos anos houve também, e notoriamente, o Pinter activista, panfletário mesmo. Se desde a Guerra do Golfo foram constantes nele as tomadas de posição anti-americanas, também há que reconhecer que muito desse activismo, desde logo na Grã-Bretanha dos anos 80, dos anos Tatcher, foi feito ainda em nome das palavras, contra a erosão da liberdade das palavras, e que múltiplas vezes defendeu, por vezes nas circunstâncias “menos diplomáticas” (na Turquia, por exemplo), os direitos humanos.
Sim, era um mestre das palavras e dos silêncios, das situações tão rigorosamente prescritas nos seus textos, um dramaturgo da estatura de poucos.
P. – Qual a origem desta instalaçõo, It’s a Dream?
R. – Em 2006 o Museu de Arte de Taipé convidou-me a conceber uma instalação para ser apresentada na Bienal de Veneza – eles gostam dos meus filmes e pensaram ser interessante uma instalação cinematográfica. Eu tinha acabado de rodar I Don’t Want To Sleep Alone na Malásia e pensei em lá voltar de novo – nasci na Malásia e vivi lá até aos 20 anos. Andei à procura dos velhos cinemas de que me lembrava e todos tinham desaparecido. Encontrei alguns em Kuala Lampur, nos subúrbios, todos fechados. Decidi filmar num e foi então que descobri uma coisa muito interessante: havia uma fotografia de uma velha senhora que alguém tinha colocado numa cadeira. Havia centenas de lugares, mas apenas a velha senhora numa fotografia. Pensei que talvez a senhora gostasse de filmes e que por isso os filhos tivessem posto aquela fotografia no cinema. E isso fez-me pensar nos meus próximos, na minha avó que também gostava de filmes, na minha família que ia ao cinema. Falei então à minha mãe para a filmar e, como o meu pai morreu já há anos, pus Lee Kang-Sheng [o actor-fétiche de Tsai Ming-Liang] no papel do meu pai quando jovem – uma mãe velha e um pai jovem, parecia um sonho, todos nós no cinema.
Depois pensei que queria ver esse filme nas cadeiras dessa sala de cinema. Por isso retirei 30 e instalei-as em Veneza. Assim, sentamo-nos nas cadeiras de um cinema e vemos em filme uma mesma sala de cinema.
P. – Portanto fez um filme numa sala de cinema e depois solicita as pessoas a ver esse filme em cadeiras que são de salas de cinema.
R. – Sim, é muito interessante, algo entre o ecrã e o museu.
“Goodbye Dragon Inn”
P. – Já tinha feito um filme, Goodbye Dragon Inn, sobre o desaparecimento das grandes salas de cinema tradicionais.
R. – Em todas as cidades essas salas estão a desaparecer, e nos que restam as pessoas vão lá não porque queiram ver os filmas mas apenas porque querem estar no cinema. As pessoas habituais das cidades já não querem ir a essas salas. Eu procuro que elas tenham a sensação de lá ir ainda.
P. –Todo o seu cinema é [também] o seu olhar, ao longo dos anos, do corpo de Lee Kang-Shen, é a sua própria relação pessoal, erótica, com o corpo de Lee Kang-Shen.
R. – Sim, continuo a olhar para ele.
P. – Mas não deixa de ser intrigante, mesmo perturbador. Vocês já têm uma longa relação de 17 anos e você pode ver de novo Rebels of the Néon God [primeira longa-metragem de Tsai Ming-Liang], voltar-se para Lee e dizer: “neste altura sim, eras jovem e bonito!”. Há qualquer coisa de muito perturbador nesta possibilidade sustentada por um trabalho comum continuado ao longo do tempo, desta relação muito especial e única, que, é claro, é também uma relação erótica. Voltar a um dos seus filmes é voltar ao que vocês os dois então eram, vocês foram deixando traços da vossa história comum Por isso pergunto: não é perturbante?
R. – Claro que sim. Às vezes peço-lhe que se mantenha bonito, mas é muito difícil, porque ele não é uma “movie-star” apenas um rapaz normal que eu quero filmar.
P. – Ele não se considera uma “movie-star”?
R. – Não. E à medida que o tempo passa menos o é, longe disso. Antes ainda houve outros realizadores que quiseram trabalhar com Lee Kang-Shen, agora sou só mesmo eu. Quanto a mim, sim os meus filmes vão sendo traços da minha vida.
Tsai Ming-Liang
P. – Há a expressão “sonhos húmidos” referente a sonhos eróticos, e filmes também. Quando penso nos seus filmes, claro que nuns mais que outros, alguns são de facto até muito “húmidos”, mas também muito “secos”, austeros, no modo como filma. O filme mais recente, I Don’t To Sleep Alone, é quase insustentável, entre o facto ser tão húmido de ambiente e ao mesmo tempo tão seco, como se naquela situação húmida não houvesse possibilidade de uma relação erótica, o filme sendo quase um grito: “I don’t want to sleep alone”, quero alguém.
R. – Até agora continuo-me a sentir sozinho. Talvez tenha um amante, mas continuo a sentir-me sozinho. E às vezes a própria relação faz-me sentir sozinho. Acho que o que sinto está nos meus filmes. Acho que continuo à procura e em I Don’t Want To Sleep Alone encontrei algo de importante: uma relação muito simples, em que um toma conta do outro e o outro toma conta de ti.
It’s a Dream é uma das instalações patentes em No Cinema, exposição patente no novel Centro de Memória de Vila do Conde, inaugurado no domingo.
Extractos de uma conversa ocorrida a 19-06-08 em Vila do Conde e constante do catálogo da presente exposição.
Temores, ansiedades, sombras da terra e de um além, clausura, agonia, morte(s) – quantas mortes, e terrivelmente belas mortes há nos filmes de Oliveira! Eis um dos cernes da sua obra, fundamental: Oliveira é um cineasta funesto.
Rodagens de “Douro, Faina Fluvial” (em cima) e de “O Quinto Império” (ao centro) e plano de “O Passado e o Presente”.
No dia dos 100 anos de Manoel de Oliveira
Que alguém chegue aos 100 anos em plena lucidez e labor, já é facto mais que digno de nota e admiração. E tanto mais o é quanto a energia é muito e esse alguém, Manoel de Oliveira, continua a fazer planos para o futuro; depois de Singularidades de Uma Rapariga Loura, a partir de Eça de Queiroz, actualmente em rodagem, já se prepara para realizar enfim Angélica, projecto de 1954, que até agora tinha o estranho estatuto de se poder considerar uma das peças chaves para tentar compreender Oliveira, sendo contudo um argumento não concretizado.
Atente-se na data, 1954. E será 55 anos volvidos, esperemos, que o Manoel o vai enfim concretizar, o que diz bem da sua obstinação. Acrescente-se – intransigência e integridade artística. Um caso de intransigência e integridade que combinado com a longevidade e a lucidez é absolutamente único.
No final dos anos 20, no período final do mudo, um dos momentos mais inventivos da história do cinema, o desportista e galã que Oliveira era quis experimentar essa arte então ainda jovem. Com um fotógrafo amador, António Mendes, na câmara, rodou Douro, Faina Fluvial, quando ocorria já a passagem ao sonoro. Depois, durante 40 anos, apenas lhe foi possível concretizar uma única longa-metragem, o célebre Aniki-Bóbó.
Em 1970, quando a geração do novo cinema português se reuniu na cooperativa Centro Português de Cinema, com o apoio da Gulbenkian, o “regresso” de Oliveira era um ponto de honra. Assim surgiu O Passado e o Presente, ocasião para a primeira das várias polémicas públicas sobre o seu cinema, e início da “Tetralogia doa Amores Frustrados”, prolongada com Benilde ou a Virgem-Mãe (uma dos filmes máximos), o Amor de Perdição cuja exibição televisiva provocaria as máximas polémicas, e Francisca, o mais sublime dos seus filmes– e “amores frustrados” que seriam ainda prolongados em Le Soulier de Satin, o filme para a peça de Claudel.
Em 1981, Francisca marcou também marcou também o encontro com o produtor Paulo Branco. Foi uma longa e decisiva relação. Sejam quais tenham sido as razões do desentendimento, 23 anos depois, ache-se o que se entender da postura e acções de Branco nos últimos anos, ele deu a Oliveira uma decisiva projecção internacional.
Contando também com um continuado apoio do Estado, não sem outras acrescidas polémicas, e sendo certo que assim teve meios que outros não lograram (basta citar o caso de Dreyer na Dinaamarca, Dreyer o cineasta mais amado por Oliveira), é ainda assim absolutamente prodigioso e só explicável pela sua extraordinária energia que, desde 1986, tinha ele então 77 anos, Oliveira tenha realizado 21 filmes!
Os seus parceiros foram-no reconhecendo como decano reverenciado. Em 1993, Tom Luddy, meu colega no júri de Cannes, e que era director do Festival de Telluride no alto das Montanhas Rochosas (e que trabalha com Coppola na Zoetrope), viu Vale Abraão em Cannes, mas na Quinzena – viu ele e vi eu, escapulindo-me por um momento das obrigações oficiais de jurado, para afinal compartilhar também da maior ovação (10 minutos de “standing ovation”) com que alguma vez vi um filme ser recebido. Tom Luddy seleccionou o filme para o festival mas pediu-me um favor: que para uma projecção surpresa levasse eu próprio uma cópia de Douro Faina Fluvial. Lá fui com uma lata carregada ao braço, para Nova Iorque, para Denver, para Telluride. Sendo este um festival da comunidade cinéfila, lá estavam boquiabertos de admiração Wim Wenders, John Boorman, Otar Iosseliani ou Bertrand Tavernier, mal querendo acreditar que tinham ali à frente o autor daquele filme do “mudo”, um artesão que começara a montar directamente no positivo em cima de uma mesa de bilhar – e Tavernier, cinéfilo inveterado, dizia taxativo que Douro era muito melhor que o seu modelo, a Sinfonia de uma Capital de Ruttmann. O abraço de homenagem de homenagem que no Festival de Cannes deste ano lhe veio dar Clint Eastwood, que como “derradeiro dos clássicos” è a seu modo “o decano” do cinema americano, foi outro gesto simbólico desse reconhecimento que apenas pode surpreender os incautos ou cinematograficamente idiotas.
Mas se tudo isto já é único e singular, o mais extraordinário e ao mesmo tempo mais difícil de precisar são as próprias características do cinema de Oliveira.
Em 1981, quando do cinquentenário de Douro e num momento que era também o de Francisca, tive ocasião de fazer (eu e José Nascimento) um filme sobre Manoel de Oliveira, que passados todos estes anos pude rever recentemente em Serralves (também foi exibido na RTP/2). A certa altura Agustina faz uma comparação entre Régio (a mais marcante das influências culturais no cineasta) e Oliveira: “para Régio as relações eram uma desilusão, para Oliveira são uma falha”.
Em Francisca, filme “agustiniano” segundo Fanny Owen, há a célebre frase, “A alma é um vício”,que se repercutirá muito anos depois em O Princípio da Incerteza, “A alma é uma quimera”.
Oliveira olha, interroga e disseca não apenas os corpos e as matérias, dir-se-ia que tenta mesmo aproximar-se do “infilmável”, quiçá essa quimera de alma, interroga-se sobre as relações e a própria condição humanas – em O Princípio da Incerteza, o dito princípio é o das relação homens-mulheres (as tais que tanto suscitam também “amores frustrados”), mas afinal, esclarece-o o filme seguinte, o desvairado Espelho Mágico, a incerteza é a da própria existência humana. Por isso também, Manoel de Oliveira é um cineasta funesto, de tantos temores, e de tantas e tão terrivelmente belas mortes. E como todos os grandes artistas é bem mais que apenas um mestre na sua arte particular.
Harvey Milk, o primeiro homossexual assumido eleito para um cargo político nos Estados Unidos foi assassinado fez agora 30 anos, juntamente com o próprio Mayor de San Francisco, George Moscone, por um seu colega homofóbico do Board of Supervisors da cidade, Dan White. Se já em vida Milk era um ícone, mais ainda o foi depois da morte: Rob Eptsein (também co-autor de The Celluloid Closet) e Richard Schiechen dedicaram-lhe um documentário em 1984, The Times of Harvey Milk, que ganhou o Óscar, e Stewart Wallace compôs uma ópera, Harvey Milk.
Mas durante anos e anos falou-se de um biopic e foram sucessivos os realizadores que se declararam interessados em “The Mayor of Castro Street”, como o próprio Milk se declarava, de Oliver Stone a Bryan Singer. Enfim, o filme existe, foi dirigido por Gus van Sant, e estreou ontem nos Estados Unidos, com aplausos quase gerais, aclamações mesmo: “A marvel” clama O. A. Scott no “New York Times, “vibrant alive” escreve Dana Stevens na “Slate”.
Como Elephant em relação em relação ao massacre de Columbine e Last Days no respeitante ao suicídio de Kurt Cobain, Milk é, como assinala O. A. Scott, “uma crónica de uma morte anunciada”. E o filme é narrado por Milk de além-túmulo, abrindo com material documental, incluindo o anúncio do duplo assassinato pela então membro do Conselho Municipal de San Francisco e ora senadora pela Califórnia, Diane Feinstein. Mas ao contrário desses outros filmes, como aliás também de Gerry e de Paranoid Park, a tensão letal que vem caracterizando as obras de Van Sant num modo narrativo experimental, confronta-se neste caso, ou limita-se deliberadamente, pelo carácter icónico do objecto abordado: havia que “narrar Milk”, como aliás está no título. Daí que, com ironia subtil, Hoberman também diga do trabalho de um gay, Van Sant, sobre outro gay, Milk, que a sua postura é “straight” – em termos narrativos, entenda-se, mais directo, e menos elíptico.
Não por acaso o argumentista, Dustin Lance Black, é ele próprio um documentarista, e o filme concentra-se com agudeza na personagem titular, com Milk, interpretado por Sean Penn, presente em quase todas as cenas.
Harvey Milk mantinha a sua sexualidade no “closet” em Nova Iorque. Mudou-se para San Francisco e abriu uma loja de fotografia na Castro Street (by the way, o cinema dessa rua, o Castro Theatre, é um dos mais espantoso que conheço, ainda uma dessas grandes catedrais cinematográficas dos anos 20/30, com órgão e tudo). Quando lhe ameaçaram a loja, Milk, em vez de uma resposta individual, tornou-se um activista, em breve um líder de uma comunidade – e Castro Street um centro “gay”.
A sua notoriedade cimentou-se na luta contra a Proposition 6, lançada pela ultra-conservadora Anita Bryant, visando impedir professores “gays” de exercerem. A triste actualidade suplementar do filme, e que marcará muito a sua recepção, é que Milk chega no momento em que o histórico voto de 4 de Novembro foi manchada pela adopção na mesma Califórnia da Proposition 8, anulando a deliberação do supremo tribunal estadual de permitir os casamentos homossexuais. Ora, de acordo com as críticas, Milk é afinal também inteiramente dedicado ao princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, no caso independentemente da orientação sexual, e igualdade também na afirmação política dos direitos não obstante essa orientação: “A homossexual with power, that’s scary” ironiza Milk, que obstinadamente se candidatou, duas vezes foi derrotado, à terceira sendo enfim conseguindo..
Apesar da oposição do Presidente eleito aos casamentos de homossexuais – mas no seu discurso de vitória, ao falar de todos não deixou de mencionar “gay or straight” –Jim Hoberman declara Milk o primeiro “Obama-iste movie”.
Dá para perceber que com a estreia de Milk começou a corrida aos Óscares, no que estes podem ter de minimamente interessante ou sintomático: o modo como a indústria cinematográfica americana se vê a ela própria no contexto mais geral da América.
PS- Entretanto no IndieWIRE, Rob Epstein diz que o filme de Van Sant – a ficcionalização do que ele abordou como documentário - é “terrific”, e fala da colocação online de The Times of Harvey Milk em (VOD- video on demand) na Amazon.com.
Desde que António Taurino Mega Ferreira assumiu as funções de Presidente do Conselho de Administração do Centro Cultural de Belém, a sua preocupação tem sido uma: programar e programar a seu gosto.
As questões, no que supõem de confusão entre as funções de Presidente de um CA e um Administrador encarregado da programação, como até então sempre houvera, no modo como se exerce uma “política do gosto” ou como o Presidente, homem inegavelmente brilhante, se rodeia contudo de uma corte de medíocres, são demasiados graves – e por isso as abordarei em futuro próximo.
Por agora, faço notar que uma das inovações de Mega, em si mesmo interessante, foi passar a dedicar ciclo a escritores – obviamente escolhendo favoritos seus, Paul Bowles, Thomas Bernhard e agora Yukio Mishima, mas não são essas escolhas, amplamente justificáveis para além das marcas da “política do gosto”, que estão em causa.
Sucede, todavia, que com tanta presunção, vaidade e mesmo gabarolice, há lapsos surpreendentes – hoje mesmo, por exemplo.
O dia de hoje é dedicado ao cinema, com três filmes, Afraid to Die de Yasuro Mazumuro, em que Mishima é protagonista, O Marinheiro que Perdeu as Graças do Mar, de Lewis John Carlino Carlino, a partir do texto homónimo do escritor japonês, e o ensaio biográfico Mishima: A Life in Four Chapters de Paul Schrader.
Ora, para quem se interesse pela importante relação de Mishima com o cinema, ou, tout court, quem se interesse por Mishima, logo nota que afinal a peça essencial está ausente: Yokoku/Patriotismo, o filme que o próprio realizou em 1966, dado como perdido durante muito tempo, mas cujo negativo foi reencontrado em 2005 e que, inclusive, já está editado em dvd pela Criterion.
Trata-se uma peça tanto mais essencial quanto, abordando a rebelião militar de 1936, é premonitória da tentativa de golpe de estado do próprio Mishima e da sua escolha de morte por seppuku.
Eu sei bem, por experiência própria, quanto por vezes pode ser difícil obter a cópia de um filme para exibição. Mas sucede num caso como este que os propósitos do ciclo dentro do ciclo se reduzem virtualmente a um somatório quanto falta a peça essencial.
Mais: quer no anúncio do CCB, quer do texto de apresentação de João Lopes (que, é-me penoso dizer isto, se tornou num escrevinhador sobre cinema com fórmulas feitas e ligeireza, perdido o gosto da descoberta), é completamente ignorada a existência de Patriotismo.
Tanta presunção, à la Mega, son excelence, e afinal tão pouca investigação. Assim andam “entregues” mega-instituições culturais públicas!