Mishima amputado - I
Desde que António Taurino Mega Ferreira assumiu as funções de Presidente do Conselho de Administração do Centro Cultural de Belém, a sua preocupação tem sido uma: programar e programar a seu gosto.
As questões, no que supõem de confusão entre as funções de Presidente de um CA e um Administrador encarregado da programação, como até então sempre houvera, no modo como se exerce uma “política do gosto” ou como o Presidente, homem inegavelmente brilhante, se rodeia contudo de uma corte de medíocres, são demasiados graves – e por isso as abordarei em futuro próximo.
Por agora, faço notar que uma das inovações de Mega, em si mesmo interessante, foi passar a dedicar ciclo a escritores – obviamente escolhendo favoritos seus, Paul Bowles, Thomas Bernhard e agora Yukio Mishima, mas não são essas escolhas, amplamente justificáveis para além das marcas da “política do gosto”, que estão em causa.
Sucede, todavia, que com tanta presunção, vaidade e mesmo gabarolice, há lapsos surpreendentes – hoje mesmo, por exemplo.
O dia de hoje é dedicado ao cinema, com três filmes, Afraid to Die de Yasuro Mazumuro, em que Mishima é protagonista, O Marinheiro que Perdeu as Graças do Mar, de Lewis John Carlino Carlino, a partir do texto homónimo do escritor japonês, e o ensaio biográfico Mishima: A Life in Four Chapters de Paul Schrader.
Ora, para quem se interesse pela importante relação de Mishima com o cinema, ou, tout court, quem se interesse por Mishima, logo nota que afinal a peça essencial está ausente: Yokoku/Patriotismo, o filme que o próprio realizou em 1966, dado como perdido durante muito tempo, mas cujo negativo foi reencontrado em 2005 e que, inclusive, já está editado em dvd pela Criterion.
Trata-se uma peça tanto mais essencial quanto, abordando a rebelião militar de 1936, é premonitória da tentativa de golpe de estado do próprio Mishima e da sua escolha de morte por seppuku.
Eu sei bem, por experiência própria, quanto por vezes pode ser difícil obter a cópia de um filme para exibição. Mas sucede num caso como este que os propósitos do ciclo dentro do ciclo se reduzem virtualmente a um somatório quanto falta a peça essencial.
Mais: quer no anúncio do CCB, quer do texto de apresentação de João Lopes (que, é-me penoso dizer isto, se tornou num escrevinhador sobre cinema com fórmulas feitas e ligeireza, perdido o gosto da descoberta), é completamente ignorada a existência de Patriotismo.
Tanta presunção, à la Mega, son excelence, e afinal tão pouca investigação. Assim andam “entregues” mega-instituições culturais públicas!