O ciclo berlinense da Cinemateca chega à sua raison d’être, o motivo do 20º aniversário da queda do Muro, com este espantoso documentário do cineasta este-alemão Jürgen Bottcher, raríssimo exemplo de História em directo, que apresenta precisamente a queda do Muro. Se me é permitida a observação, deveria ter sido por aqui (e embora falte ainda também exibir outro muito importante filme “em directo”, Novembertage de Marcel Ophuls, que passa a 29) que o ciclo se devia ter iniciado, indo depois ao flashback desde os anos 20.
No começo do filme, vemos vários blocos já arrancados do Muro, como num cemitério. Die Mauer/O Muro é o filme desse colapso e morte. Bottcher. filmou os primeiros momentos da derrocada, a 9 de Novembro de 1989, e depois a desordenada destruição do Muro, nesses dias em que cada um de nós por lá passávamos queríamos ficar com um bocado de Muro para recordar. Há turistas japoneses que passam, há crianças turcas que vendem esses bocados de Muro.
Prescindindo de qualquer comentário, voz off ou depoimentos falados, Bottcher, nascido em 1931 e que também é pintor assinando “Strawalde”, deixa a matéria das imagens ser suficientemente eloquente. A maior parte do filme situa-se na zona central da Porta de Brandenburgo e de Potsdamer Platz, nesta a câmara descendo aos subterrâneos, à desactivada estação de metro, qual visão da ante-câmara do inferno.
Mas Bottcher utiliza também um estratagema para relatar a História: por três vezes projecta no próprio Muro imagens de arquivo, 1) do centro de Berlim, desde a época de Guillherme II, passando pelo nazismo, até à tomada da cidade pelo Exército Vermelho, 2) da construção do Muro e das tentativas de fuga (um dos momentos mais intensos do filme) e, 3) da RDA na época do Muro.
Literalmente “filme da queda”, Die Mauer registou e traz-nos de volta a cada visão as memórias dos dias de Liberdade reencontrada ou descoberta. Foi também outro epitáfio, o último filme importante produzido na RDA. Por esse modo como captou a História em directo e pela inteligência das suas estratégias narrativas, Die Mauer é seguramente uma das grandes obras do documentarismo cinematográfico.
No ciclo “Os Mil Rostos de Berlim” a decorrer na Cinemateca desde o mês passado, a propósito do 20º aniversário da queda do Muro, entra-se hoje propriamente nos “anos do muro” com a adaptação cinematográfica do romance que celebrizou Christa Wolf, Der geteilte Himmel/O Céu Divivido. Se não se trata propriamente do Muro, a metáfora do “céu dividido” é suficientemente esclarecedora da confrontação das duas Alemanhas, RFA e RDA.
Konrad Wolf (1925-1982) era filho de um célebre anti-fascista, Friedrich Wolf, e irmão do famoso super-espião Markus Wolf. A família partiu para a União Soviética logo após a tomada de poder pelos nazis em 1933, e Konrad viria a alistar-se no Exército Vermelho durante a guerra, vindo a fazer parte das forças que tomaram Berlim em 1945. Também desde cedo tomou contacto com o cinema soviético, e aliás depois da guerra completaria os estudos na célebre escola de cinema, VGIK. Esta “impecável folha de serviços” valeu-lhe desde cedo uma posição de destaque na DEFA, os estúdios da Alemanha Oriental. De facto, mais do que isso, Konrad Wolf não foi apenas o “cineasta oficial” da RDA, foi mesmo a figura do “artista oficial”, presidente da Academia das Artes da República Democrática Alemã desde 1965 até à sua morte.
Com este curriculum não deixa de ser algo surpreendente que se tenha metido à tarefa de adaptar Der geteilte Himmel, livro de “justificação” da RDA é certo, mas obra de dilaceração também (Christa Wolf participou na adaptação).
O filme é habilíssimo, fundando-se nessa clássica figura do esquema marxista que é a tomada de consciência, todavia atrás de uma releitura moderna do melodrama: Rita e Manfred amam-se, mas enquanto ela se vai progressivamente mais integrando nos mecanismos do “socialismo”, ele decide partir para Oeste. O uso frequente de contra-picados com o céu em fundo, sobretudo no início do filme, e também de grandes planos num formato largo, de Rita em particular, elucidam a divisão e o confinamento.
Tem sido apontada uma possível influência de Hiroshima Meu Amor no filme de Konrad Wolf. Tenha ou não havido influência directa há sem dúvida um paralelismo na abordagem de uma personagem feminina face à História, daí decorrendo um amor impossível de prossecução. Todavia, o que mais surpreende retrospectivamente é que este filme de um “cineasta oficial” tinha ainda assim uma liberdade de tom que estava cinematograficamente dans l’air du temps. Deste modo, e surpreendentemente, este filme de 1964, obra de “justificação” e de um “cineasta oficial”, surge num olhar retrospectivo como um imediato percursor da fugaz “nova vaga” da DEFA (chamemos-lhe isto por comodidade de expressão), um conjunto de filme de 1965/6 que logo foram proibidos e que apenas viríamos a conhecer em 1990, depois da queda do Muro, o mais célebre dos quais é Spur der Steine de Frank Beyer, outro sendo um filme que falta neste ciclo da Cinemateca, Berlin um die Ecke de Gerhard Klein (foi antes incluído outro filme seu, anterior, Eine Berliner Romanze).
A RDA, estado efémero, defrontou-se sempre com um problema de “identidade” e “fundamentação”: seria a parte “progressista” da Alemanha e a “barreira contra o capitalismo” (o que eram os termos de justificação do Muro), de facto um socialismo real, horrorosa mescla de totalitarismo soviético e autoritarismo prussiano. Com a queda do Muro o seu colapso era inevitável, e foram infrutíferas as tentativas de alguns, entre as quais precisamente Christa Wolf, de lhe dar continuidade então como “socialismo democrático” – “Wir sind Eine Volk”, “Somos Um Povo”, clamou-se antes nas manifestações de rua, Um povo a leste e oeste.
Enquanto habilíssima obra de “justificação” do “socialismo” a construir, Der geteilteHimmel é um objecto singular e de encruzilhada, a descobrir.
Uma das maiores estrelas do cinema americano, com uma proeminente posição no Box Office, é um homem pouco dado a vedetismo, muitas vezes mantendo-se escondido da ribalta pública
Pouco dado a discursos, responde às questões com o laconismo da maioria das suas personagens. As vezes hesita, repete que não sabe, evita o que possa ser considerado como questão mais pessoal.
Mas John Wilson, papel que interpreta em White Hunter, Black Heart, não é uma personagem qualquer: é um realizador de cinema, directamente inspirado em John Huston, e há questões que não se podem deixar de colocar.
P – Porquê esta obsessão por personagens obcecadas?
Clint Eastwood – Não sei, não tenho a mínima ideia. Penso que as acho interessantes. Concordo com elas nalgumas coisas, noutras não.
P.- Por exemplo?
R. - No caso de White Hunter, Black Heart, concordo em muito com a filosofia do realizador de cinema, acho que o modo como ele se coloca ao lado dos que são tratados "abaixo de cão" é admirável, mas também que ele é muito cruel com as pessoas que o rodeiam. Mas é a maneira de ser dele, é o que o torna uma personagem interessante. O que o determina? A sua inconstância, o seu brilhantismo, a sua força? Não sei. Num filme tem que se pôr tudo isso, tanto quanto possível, e dá-las a ver ao público- eu acho isto, e você? No último plano, o realizador começa o seu filme, grita "action"; o que lhe vai acontecer, para onde vai? Vai transformar-se por causa do incidente trágico que provocou? Não sei, cada um interpretará como quiser.
P. – Mas para si foi essencial que ele fosse um realizador? Ter-se-ia interessado por um homem que constantemente se desafia no seu trabalho, movido pela obsessão de matar um elefante, se fosse outra coisa que não um realizador?
R. - Se a história fosse outra coisa qualquer, e igualmente interessante, podia não ser essencial, mas nesta é.
P. - A certa altura, o argumentista no filme diz que as pessoas não vão ao cinema para ouvirem uma conferência. Não acha que, sendo você um actor/realizador, o discurso de John Wilson sobre o cinema pode ser confundido com uma declaração sua?
R.- Não, é apenas a personagem. É apenas a personagem. Ele fala muito da sua relação com as histórias, da simplicidade na arte, mas é o modo de ser dele.
P. - E não se confunde com o seu?
R. - Bem. Deve haver qualquer coisa em comum que me atraíu.
P. - Por exemplo?
R. - Concordo com o que ele diz sobre a importância da simplicidade na arte.
P. - Precisamente, ele fala muito. Estamos acostumados a vê-lo a si interpretar personagens muito lacónicas. Nunca como esta.
R. Ele explana muito, é uma parte muito importante da sua personalidade, como também era para John Huston.
P. - Voltemos então a Huston / Wilson. Para si, ele é um clássico realizador de Hollywood?
R. - Huston era uma figura internacional; viveu na Irlanda e no México, noutros sítios. Segundo as normas de Hollywood, ele era um bocado rebelde; acho que também sou e esse aspecto é comum. Hoje Hollywood é diferente, toda a produção está internacionalizada, de qualquer modo, não participo muito na vida de Hollywood e talvez também haja aí um paralelo. Estou de acordo com o que Wilson diz no filme quanto à necessidade de não estar sujeito ao contrato de uma companhia.
P.- Mas Huston é um realizador particularmente importante para si?
R. – Bem, cresci vendo filmes de cineastas como Howard Hawks, John Ford, John Huston ou Preston Sturges.
P. - Sente-se herdeiro deles?
R. - Espero que sim.
P. - Qual o seu filme de Huston preferido?
R. – O Tesouro da Serra Madre.
P. - Nunca encontrou Huston e para preparar este filme viu documentárioscom ele. Tem pena de não o ter encontrado?
R. -Tenho pena, mas era capaz de não ter sido bom, era capaz de me ter disperso em pormenores. Assim, pude ver o filme de maneira objectiva. O que interessa é a ideia que se faz da personagem. E só isso que conta, torna-se parre de nós.
P. - Acha que se, como actor, tivesse feito um filme com Huston, se sentiria intimidado?
R. - Bem, isso acontece, às vezes acontece mesmo em filmes meus. Às vezes há actores novos de quem se sente que cresceram a ver os filmes daquele realizador e se sentem intimidados. Isso também me aconteceu quando fiz Breezy, o primeiro filme que realizei em que não entrava como actor. William Holden era o protagonista, um actor que eu tinha visto no cinema desde que era criança, e fiquei impresstonado. Tinha visto tantos filmes com ele que quando ia começar a rodar pensei de repente: não pode ser ele, será mesmo que o vou dirigir?
P. -Dirige-se a si próprio no papel de realizador que todo o tempo parece uma personagem dele próprio. Não foi complicado?
R - Foi, a personagem é muito complicada, há tantos aspectos nele que é preciso compreender.
P.- Portanto, correu o risco.
R. - Há que correr os riscos. Se se começa a pensar neles, não fazemos nada. Wilson diz uma coisa com que concordo: não se pode fazer um filme a pensar como vai reagir o público na sala em relação a isto ou aquilo. Não há que ter medo, há apenas que fazer o primeiro plano, contar a história e esperar que alguém goste dela.
PÚBLICO, 13-05-90
White Hunter, Black Heart é de novo exibido na Cinemateca Portuguesa, na próxima quarta-feira, às 19h30.
Agora que justamente se volta a falar de uma "Cinemateca Portuguesa" que de facto é propriedade privada do seu director, e um exemplo de nepotismo, é-me forçoso recordar o que há dois anos escrevi.
Falando de Cinemateca, é impossível ignorar a questão directiva em aberto.
Se todas as questões estritamente personalizadas podem sempre ser redutoras, senão mesmo armadilhadas, esta então, pelas características da pessoa de João Bénard da Costa, ainda mais o é – por se tratar de um alto dignitário do Estado, ainda há pouco reconfirmado pelo presidente Cavaco como presidente da comissão organizadora do Dia de Portugal, e porque indiscutivelmente é a pessoa que, pelo seu saber, escrita e capacidade de transmitir a paixão por filmes, é o epítome público da “cinefilia”. Para mais as circunstâncias, com desastrosos governantes da cultura e nomeações indigentes, são de molde aos mais justificados receios.
Tudo isto recordado, também há a dizer que a montagem de um “affaire Bénard”, qual decalque do “affaire Langlois” que em Março de 1968 foi o prelúdio do Maio francês, é ridícula. Se é incontornável a questão pessoal, é também porque há a discutir a permanência de um modelo de cinemateca que estritamente identifica uma pessoa com a instituição.
João Bénard da Costa ainda teve o privilégio e a capacidade de contar com o apoio de Henri Langlois, o fundador da Cinemateca Francesa. “O homem da cinemateca”, na imagem clássica de Langlois, era o guardião dos arquivos e o transmissor do amor pelos filmes, a cinemateca sendo um lugar de peregrinação e culto. Esta concepção não pode resistir a um entendimento pelas políticas culturais públicas e democráticas do que é e deve ser uma instituição estatal.
Eu frequento a Cinemateca e tenho tentado seguir com atenção crítica a sua programação, bem como os seus perfis públicos; não iria agora escamotear que entendo que não se afastou basicamente do que há de mais conservador, nostálgico e necrófilo no modelo tradicional desse tipo de instituições. E seria incoerente não me manifestar perante uma “excepção” a regras para as instituições culturais públicas, e de reservas perante o designado mesmo “regime excepcional”, além do limite geral de idade em cargos público – não posso aceitar que se sustente que um qualquer cargo público é “vitalício” [ou, acrescento agora, quando o detentor do cargo só se retira depois de, qualquer monarca, ter ele próprio designado sucessor].
João Bénard fez crer que “aprés lui, le déluge”. Se será sempre muito difícil suceder a tão carismática personalidade, a dificuldade foi acrescida pelo modo como ele semeou o deserto à sua volta. Desde Maio de 2003 que não há responsável do Departamento de Programação (é o próprio Bénard quem exerce o pelouro), e em Outubro passado, depois de não se ter efectivado em Maio a substituição que era das regras, a Cinemateca ficou mesmo durante meses sem vice-presidentes, pela demissão de José Manuel Costa e pela reforma antecipada de Rui Santana Brito.
Que a instituição se chame Cinemateca Portuguesa é mesmo ficcional. Protocolos com instituições não são cumpridos, cineclubes e outros bem podem pedir cópias, e qualquer governante que já tenha tido a tutela sabe que o obstáculo intransponível a uma programação no Porto, na Casa das Artes, tem sido o próprio presidente Bénard.
Mais: há anos a Cinemateca adquiriu direitos de uma importante colecção à Hollywood Classics, que permitia ter um acervo considerável de cópias susceptível de circulação pelo país, e que afinal ficaram na gaveta, num acto lesivo do interesse público, financeiramente inclusive.
Do mesmo modo, quando a Cinemateca reabriu nas suas instalações (horrorosamente renovadas numa “apropriada” revisitação de “uma casa portuguesa”), em Janeiro de 2003, foi prometido que em breve haveria também novidades para a sala do Palácio Foz, aos Restauradores, onde tinha estado transitoriamente sediada – e continua-se à espera*, o argumento tendo servido para, na posse dessa sala, o presidente Bénard a manter fechada, inviabilizando outros projectos que, cioso, viu como “concorrenciais”.
Se compreendo algumas das emoções que a eventual saída de João Bénard suscitou e tenho noção do seu reconhecimento internacional, também verifico que muitas dessas “emoções” provêm de quem manifestamente nunca põe os pés, ou os olhos, na Cinemateca.
"Público" 27-04-06
*Por coincidência, uns tempos depois deste texto ter sido publicado, a Sala do Palácio Foz reabria enfim como "Cinemateca Júnior", com uma - uma única - sessão semanal.
Na altura, um abaixo-assinado que mais se assemelhava a um conclave de "grandes famílias" fez recuar o MInistério da Cultura naquilo que não era mais que um caso de limite de idade, de acordo com a lei geral. Agora, inesperadamente atenta, a própria titular de então, Isabel Pires de Lima, vem fazer no "Público" de hoie a constatação de que "É sabido que a CInemateca é de há muito propriedade de J.B.C. [João Bénard da Costa](...) O autismo que caracteriza aquela instituição decorre do autismo de J.B.C. que seca todos os recursos humanos competentes que porventura tem ou teve" - arguto diagnóstico, mas fraca memória, omissa que é Pires de Lima sobre o seu recuo de há dois anos.
O mais importante e evidente no momento é ser mais que justificado um pólo da Cinemateca no Porto (que Bénard, cioso da sua "propriedade", enjeita) e as razões para subscrever o abaixo-assinado reclamando-o.
Um dos mais interessantes módulos de programação da Cinemateca Portuguesa (em que alguns ciclos de enorme saliência como o agora dedicado a Jacques Rivette – ontem aberto esplendorosamente com NeTouchez pas la hache – não desmentem também o excesso de conformismo e falta de imaginação, com vários títulos recorrentes e propostas tão privadas de nexo como “Filmes com nome de mulher” ou “Happy Ends”, para já não falar das escolhas em termos de cinema português) é a “História Permanente do Cinema”, pela qual tem sido programador responsável António Rodrigues.
Ao contrário de uma mera reafirmação de um cânone estabelecido, essa programação aos sábados tem permitido voltar a ver ou mesmo muitas vezes a descobrir obras das mais variadas, de indiscutível relevo histórico. E assim ocorre hoje a exibição de Nihon no yorn to kiri/ Noite e Nevoeiro no Japão de Nagisa Oshima (1960) –note que “noite e nevoeiro” e não “noite e bruma” como está anunciado, a rima com o filme de Alain Resnais estando bem estabelecida -, filme que em Portugal passou uma única vez, há cerca de 25 anos.
Foram nada menos que oito os filmes de Oshima estreados em Portugal entre 1973 e 1984, entre O Enforcamento e Furyo/Feliz Natal Mr. Lawrence. É certo que depois veio o incomensurável desastre de Max, Mon Amour, rodado em França, que praticamente lhe concluíu a carreira – e Tabu não foi um regresso inspirado. Mas ainda assim é mais que lamentável que um tão grande cineasta – e seguramente com Fassbinder e Pasolini um dos grandes “cineastas do corpo” – tenha sido remetido para um virtual esquecimento, como se só houvesse a recordar, e porque “escandalosos”, O Império dos Sentidos e O Império da Paixão.
Noite e Nevoeiro no Japão foi o quarto filme de Oshima. De facto, já nos dois anteriores, Contos Cruéis da Juventude e O Cemitério do Sol, um cineasta se começara distintamente a afirmar, dentro do quadro de um sistema de produção – eram os filmes para a “juventude” produzidos pela Shochiku, uma das “majors”, o mesmo sucedendo aliás com Shohei Imamura na Nikkatsu.
Mas Noite e Nevoeiro no Japão foi uma deflagração, de algum modo afinal a matriz da “nuberu bagu”, a mais política – talvez com a brasileira também – de todas as “novas vagas” dos anos 60, por certo a mais radical na sua abordagem não só da política como da sexualidade.
Na origem da revolta, política e dos sentidos, estiveram as violentas manifestações desse ano de 1960 contra a renovação o Tratado de Sequrança Nipo-Americano (um tema de novo de actualidade, agora que há sectores da direita do PLD governamental favoráveis ao rearmamento).
No quadro cerimonial e ritual de um casamento (prenúncio do extraordinário Cerimónia Solene de 1971) são duas gerações da esquerda japonesa, a da obediência comunista vinda directamente do pós-guerra e a do nascente esquerdismo, que entram em confronto, num “huis-clos” cerrado, na mestria absoluta dos seus 107’ com apenas 45 planos.
Noite e Nevoeiro no Japão é seguramente um dos grandes filmes políticos e um dos filmes mais marcantes dos anos 60.
E com o mais recente filme, Ne touchez pas la hache, se inicia agora, às 21h30, a tão longamente aguardada retrospectiva na Cinemateca Portuguesa, que se prolongará até Abril, 31 anos depois daquela ocorrida na Gulbenkian, e que se concluiu com Noroit – ou seja, justamente o momento de crise do projecto da tetralogia “Cenas da Vida Paralela” – e no ano que será o do 80º aniversário de Jacques Rivette.
Este texto podia começar como segue: “A evidência é a marca do génio de Jacques Rivettel. O que é, é.”
Se digo que o “texto podia começar como segue”, em vez de introduzir directamente a citação, estou a instaurar uma hipótese que, ao referir-se a um texto prévio, estabelece a possibilidade de a citação ser pertinente, mas também de não o ser. Para averiguar da pertinência, não basta o axioma “o que é, é”, mas impõe-se um percurso em que a verificação da hipótese genérica se pode subdividir em particulares, umas condicionando as outras, delineando-se como um jogo. Um percurso rivettiano, precisamente.
A citação está truncada. A frase, famosíssima, diz respeito a Howard Hawks e a Monkey Business. Jacques Rivette foi, sim, o seu autor. O texto, publicado nos “Cahiers du Cinéma” de Maio de 1953, foi o segundo de Rivette na revista e a primeira crítica importante à obra de Hawks, autor que em breve iria ser equiparado pelos “jovens turcos” dos “Cahiers” a Hitchcock — a famosa tendência hitchcock-hawksiana. Hoje, o génio de Hawks é uma evidência; alguém teve a clarividência de o ver primeiro. O que era obscuro, ou estava na penumbra, tornou-se visível.
Cabera então recordar o que era, no Rivette/crítico, um regime de evidências (e portanto de visibilidade), que mais tarde o Rivette/cineasta sistematicamente relativizará, contrapondo às claridades as zonas das secretas obscuridades.
Impossível, então, não referir outro celebérrimo texto, feito também contra a corrente crítica dominante na altura — a “Lettre sur Rossellini”, em defesa de Viagem em Itália, publicado em 1955, e que implicitamente colocava as evidências como uma questão de fé: “Eis o segredo de Rosselini, que é o de se mover com um liberdade contínua e com umsó e simples movimento no eterno visível: o mundo da incarnação.”
Se Rivette retomava o dogma, não deixa de notar como ele se revela: não num desenrolar previamente determinado de um programa ficcional, mas no movimento, nas esperas, nos acasos. E por isso, esse texto, que não podia ser mais clássico na apologia do cinema como arte da incarnação, é também a grande defesa da “modernidade” de que Viagem em Itália surgia como um exemplo maior.
A modernidade, justamente. Dela, foi Rivette o motor teórico nos “Cahiers” (nomeadamente contra Rohmer, há que relembrar). Os grandes reabilitadores críticos do classicismo do cinema americano haveriam de ser os cineastas da “modernidade”. No caso específico de Rivette (de resto, com Godard, certamente o mais “experimentador” do grupo), a passagem para detrás da câmara foi acompanhada por uma reticência metódica.
“Com tudo o que houve durante os últimos 25 anos, e sobretudo durante os anos 70, a reflexão trazida por pessoas como Barthes ou mesmo aquela a partir de Brecht sobre a impossibilidade do primeiro grau, afigurou-se-me progressivamente impossível fazer filmes como, com todas as devidas distâncias, alguém como Rossellini, com aquele lado imediato, bruto. O facto de saber que o primeiro grau é sempre uma ilusão, que não existe, e que, pois que estamos sempre pelo menos no segundo grau, mais vale então partir daí e servir-se dessa obrigação de partida, jogar com ela, ou em todo o caso não se deixar enganar a fim de não enganar os outros.”
A citação data de 1985 e se reparo cabe fazer é sobre a referência aos anos 70. Efectivamente, Rivette poderia apenas falar do que então eram “os últimos 25 anos”, uma vez que, já no princípio dos anos 60, esta reflexão sobre a ilusão (onde anteriormente se supunha uma evidência) e os diferentes graus da representação está presente na sua prática, quer na crítica, onde dirige a chamada “viragem modernista” dos “Cahiers” (que leva nomeadamente ao diálogo interdisciplinar com personalidades como Barthes e Boulez), quer na realização, com Paris Nous Appartient.
“Será verdadeiramente o filme da nossa geração”, dizia François Truffaut em 1958. Poderia ter sido (“deveria” ter sido?) o primeiro filme da “nouvelle vague”, mas, por atrasos sucessivos, apenas foi estreado em finais de 1961. E se esse lado de experiência geracional não é de desconsiderar, pois que supõe uma aspecto decisivo — a inscrição de um filme no real e num tempo histórico concreto (lá voltaremos) —, cabe sobretudo interrogar se Paris Nous Appartient não é, entre todos os primeiros filmes do grupo vindo dos “Cahiers”, aquele em que há uma mais aguda consciência de uma nova experiência, da “modernidade” cinematográfica.
Gilles Deleuze, que foi grande admirador da obra de Rivette, falava a propósito da “nouvelle vague” da “crise da imagem-acção”, cuja apoteose tinham sido os filmes de Hitchcock, baseada numa continuidade sensomotriz, na experiência pelo espectador do “suspense”, da angústia e dos movimentos. Com a “nouvelle vague”, surge uma “nova consciência intelectual e reflexiva”, da qual, entre vários exemplos, Deleuze desenvolve os dos primeiro e terceiro filmes de Rivette, Paris Nous Appartient e L’Amour Fou.
Em Paris nous Appartient, a primeira longa-metragem de Rivette, um grupo teatral trabalha numa encenação do Péricles de Shakespeare, isto é, o dado da representação é explicitamente introduzido no filme. Trata-se assim de algo em vias de se construir, daquilo que nos anos seguintes viria a ser conhecido como “work in progress”. Este processo em movimento, auto-reflexivo, pressupõe uma distância perante as referências prévias, por vezes mesmo irónica, sendo que no decorrer do filme há uma denegação do título: “Paris n’appartient à personne.” Enfim, as intrigas no seio do grupo fazem acumular os mistérios, o pressentimento de um “complot”.
É notório que a ideia do “complot” se cristalizou como uma espécie de marca reconhecível de Rivette, um pouco a contragosto do autor diga-se, que apenas a reconhece para três filmes, todos eles sendo “ensaios, segundo métodos e aproximações completamente diferentes, de pequenas crónicas privadas em relação a dados da actualidade do momento em que se rodava, ou próximos de alguns meses”. Esses filmes, que se estabelecem em cadeia, numa relação de ironia ou distanciamento com o(s) precedente(s), seriam: Paris Nous Appartient, o seu primeiro, de 1958-60, tendo como quadro histórico de referência os dois anos imediatamente anteriores, os do pós-mccarthismo e do pós-Budapeste; Out One, o quarto, de 1970-72, ou do pós-Maio de 1968; e Le Pont du Nord, o nono, de 1980-81, dos finais do giscardismo.
Admitindo que estes filmes constituem uma sequência particular, não será, no entanto, ocasional que constituam uma “marca reconhecível”. Se neles se radica uma matriz rivettiana, os aspectos que aí especialmente se condensam, para além da insinuação do “complot”, são três: a constante bifurcação dos eventos, isto é, o lado eminentemente centrífugo das ficções de Rivette, o primado que nelas tem “o momento”, um e outro aspecto combinando-se numa sucessão lúdica em que “a história”, “as histórias”, vão sendo engendradas e desenvolvidas, perante o olhar do espectador.
“Qu’est-ce que le cinéma, sinon le jeu de l’acteur et l’actrice, du héros et du décor, du verbe e du visage, de la main et de l’objet?”
Esta citação (preservando o original francês pelos múltiplos sentidos, fundamentais na obra rivettiana, de “jeu”) dir-se-ia directamente referida a La Belle Noiseuse, quando perante o espectador vai sendo feito o quadro de Frenhof, para o qual Marianne é modelo. E no entanto, e por incrível que pareça, ela é retirada de uma entrevista a “L’Écran Français” em... 1958, quando Rivette rodava Paris Nous Appartient!
Quando, em 1987, o “Libération” fez a 700 cineastas a pergunta “Porquoi filmez vous?”, Rivette respondeu nestes termos:
“O que, se compreendo o sentido da vossa pergunta, primeiro me ocorre é o que muitas vezes (antes, durante, depois de cada rodagem) me perguntei: Como filmar, com quem, para quem? Mas o porquê da coisa ficou sempre rigorosamente opaco. Pois bem, que fique! E seja então talvez esse ‘ponto cego’ no fundo do olho, sem o qual não veríamos, a que Jean Paulhan fez mais de uma vez referência. Volto à verdadeira questão que, no que me diz respeito, é: Com quem? Então, porque filma? Para poder encontrar os cúmplices necessários e que o nosso trabalho comece, que a nossa reunião de algumas semanas chegue, por vezes, a algo como um filme.”
“Cumplicidade”, conceito capital, mais decisivo que o de “complot”, que aliás abrange. A cumplicidade com os actores, a cumplicidade na equipa. A cumplicidade em que se estabelecem as regras para o jogo. Consequência não menos capital: por paradoxal que pareça em relação a alguém tão reconhecível, enquanto “autor cinematográfico”, o que a Rivette importa não é a afirmação do papel do “criador”, mas o estabelecimento dos laços que permitem um desenrolar do movimento que tomará corpo como filme.
“Mais, le lendemain matin” - mas, ao segundo dia, foi Marianne, aceitando-se na condição de modelo, a ir ter com o pintor Frenhofer, na Belle Noiseuse. “Mais, le lendemain matin” é também um cartão recorrente em Céline et Julie vont en bateau. Todos os dias seguintes havia uma outra hipótese mágica, à maneira de bandas desenhadas, como a Bécassine que Julie espreita, ou de velhos “seriais” cinematográficos, dos de Feuillade nos primórdios a, por exemplo, Os Espiões ou As Aranhas de Fritz Lang, modelo da noção rivettiana do “complot”. Todos os dias, a narrativa toma outras vias, no presente de cada dia.
Transportar o “era uma vez” para o presente, um “presente” como raramente se sente no cinema, eis outro aspecto capital da obra de Rivette, seguindo a construção de uma obra para a tornar precisamente “presente” e não objecto acabado. Seguindo-a, momento a momento.
“Ça se sent dans votre film, l’instant est complement royal, il est traité comme le seul”
Isto disse-o Marguerite Duras a Jacques Rivette, numa conversa a propósito de Le Pont du Nord. Enquanto noutros casos de tradução há uma perda, neste há um acréscimo subentendido, porque nos filmes de Rivette “o instante é completamente real”. É no seu primado que se registam as imagens e os sons.
.“O instante é completamente real”, mas, crítico arguto como poucos, Rivette sabe bem que o dado a ver, sendo ainda apresentado como “presente”, não deixa de ser o registo de algo que já foi. Ora, é extraordinário o modo como nos seus filmes coexistem uma percepção do presente e do passado.
O quadro de Frenhofer, “La Belle Noiseuse”, permanecerá um fantasma – Le Chef’Oeuvre inconnu, no texto de Balzac que é ponto de partida - Balzac como em Out One ou agora neste mais recente Ne touchez pas la hache. No absoluto do desejo, estético ou erótico, quer-se ser o mesmo e um outro. “I am Heathcliff”, diz Cathy em O Monte dos Vendavais — “Je suis Roch”, diz Catherine em Hurlevent, a versão de Rivette do romance.
Impossível é evocar o cinema de Rivette sem atender ao que nele há da fantasmático. “Phantoms ladies over Paris” (como num imaginário filme de Jacques Tourneur) é o subtítulo de Céline et Julie vont en bateau. “Cenas da Vida Paralela” era a designação de uma projectada tetralogia de afrontamento da luz e das sombras que se ficou por Duelle e Noroit, mas viria afinal a ter também um tardio outro “episódio” em Histoire de Marie et Julien. Um fantasma evocava Lucia (Inês de Medeiros), no mais belo plano de La Bande des Quatre. Fantasmáticas eram as mãos que se saudavam, no final de Hurlevent. E Julien sonha com Marie, uma “revenante” (de entre os mortos?). Possessão letal, existências fantasmásticas.
Mestre do “jeu”, da duração e da multiciplicidades de narrativas, Jacques Rivette é um cineasta que, como poucos, nos coloca perante a intensidade do “do instante real” e ao mesmo tempo convoca a potência fantasmática do cinema. É um dos máximos cineastas vivos e um dos grandes autores da arte cinematográfica.
Berlin Alexanderplatz estreou no Festival de Veneza de 1980 – na minha memória pessoal também o momento em que conheci Rainer Werner Fassbinder. Logo depois, no entanto, quando da sua exibição televisiva, em episódios semanais, a obra foi violentamente atacada. Mesmo se em parte as reacções negativas tiveram origem na declarada hostilidade das publicações do grupo Axel Springer, contra o qual Fassbinder tinha tomado posição, como muitos outros artistas e intelectuais alemães, não custa admitir que, apesar da opção sistemática por enquadramentos aproximados mais conformes ao “pequeno écrã”, a lógica narrativa centrífuga da obra é de molde a provocar desorientação e irritação num público televisivo formatado por códigos “mainstream”.
(Note-se que uma mesma apologia da banalidade é retomada na mais recente diatribe do prof. Vasco Correia Guedes, vulgo Pulido Valente, justamente contra Berlin Alexanderplatz, na “Atlântico” deste mês, declarando-o representativo de “todos os vicíos do cinema independente”, nomeadamente por ser lento, o que podendo ser de pasmar vindo do argumentista de um filme tão académico e soporífero como Aqui d’El Rey! – ou Lieutenant Lorena na sua versão de série televisiva -, até abre hipóteses de um indirecto elogio).
Todavia é também indiscutível que um dos aspectos capitais da obra, a (magnífica) fotografia extremamente sombria e com tons degradados de Xavier Schwarzenberger, exige a maior definição da projecção cinematográfica e não deixa de colocar problemas ao visionamento num ecrã televisivo.
Há precisamente um ano atrás, no Festival de Berlim, foi apresentada a versão restaurada da obra. Recentemente, com base nesse trabalho restaurado, a Prisvídeo lançou a obra no mercado português, numa caixa de 6 dvds – edição preciosa, completada com dois relevantes complementos de enquadramento histórico, mesmo que ainda assim se possa notar a falta de mais algum aparato crítico, um livrete inclusive, que neste caso seria bem justificado.
Sucede que agora, a partir de hoje, em epílogo ao ciclo integral, a Cinemateca Portuguesa também apresenta Berlin Alexanderplatz .
Continuo firmemente convicto que a projecção em sala é uma condição ontológica do cinema. Não invalida isto as muitas possibilidades de acesso e de revisão fornecidas pelas edições em dvd. Mas mesmo a própria visão em dvd, que é de uma outra ordem (até porque raramente concentrada e na totalidade da sequència temporal) pode ter uma diferente intensidade de aproximação se houver uma memória concreta da experiência em sala.
Para os que não conhecem Berlin Alexanderplatz nos termos em Rainer Werner Fassbinder concretamente concebeu essa peça central da sua obra, “um filme em 13 partes e um epílogo”, é pois tanto mais importante esta oportunidade agora na Cinemateca, para depois sim retornar à edição em dvd, que neste imenso mosaico há por certo tanta coisa para ainda descobrir e a que retornar.
Berlin Alexanderplatz
Cinemateca Portuguesa: segunda 11, partes 1 e 2; terça 12, 3, 4 e 5; quarta 13, 6, 7 e 8; quinta 14, 9, 10 e 11; sexta 15, 12 e 13; sábado 17, epílogo – sempre às 22h.
“Esse est percipi”, “ser é ser apercebido”, postulou George Berkeley (1685-1753), eclesiástico e filósofo irlandês, filósofo do empirismo. O postulado foi retomado por outro irlandês, Samuel Beckett (1906-1989), na sua incursão cinematográfica designada tão só como Film – e genial filme de 22’ – como uma peça há que tão só se chama Play. Ainda que realizado por Alan Schneider (e com fotografia de um dos mestres maiores, o irmão de Dziga Vertov, Boris Kaufman – os filmes de Jean Vigo ou Baby Doll, Há Lodo no Cais e Esplendor na Relva de Kazan têm a sua impressão fotográfica), seria erróneo dizer que, como nas convenções de uma ficha técnica, Beckett teria sido o “autor do argumento” – a concepção é inteiramente sua, e para supervisar, ou para finalmente se encontrar com Busker Keaton, pois que é ele o protagonista, Beckett até viajou de Paris para os Estados Unidos.
Buster Keaton, de facto...
Muito falam Vladimir e Estragão enquanto esperam, esperam, À Espera de Godot, e a sua imobilidade não deixa de evocar a passidade do homem que nunca sorria...e nunca falou – e ainda mais evoca Keaton a ainda mais imóvel Winnie de Dias Felizes. São todos seres de linguagem e de circunstâncias que outros determinaram, existem, “são”, enquanto circunstãncias e percepções.
“Esse est percipi” – “mas como escapar às ‘felicidades do percipere e do percipi’ se pelo menos uma percepção existirá enquanto vivermos, a mais temível, a de si pelo próprio?”, perguntava a propósito Gilles Deleuze em Cinema I – A Imagem-Movimento. A questão é ontológica, e se é de alguma maneira questão fundamental do teatro de Beckett (Winnie ou Krapp), não menos é uma questão fulcral de cinema nos termos em que ele a delineou.
“O”, a personagem de Keaton, é alguém “em busca do não-ser, tentando escapar a percepções exteriores para caír na inexorabilidade da auto-percepção” (Beckett). “O” tenta assim escapar a “E”, a “e(ye)”, ao olho da câmara, que de facto é como uma outra personagem. Questão eminentemente de cinema, pois.
Film de Samuel Beckett e Alan Schneider é exibido hoje às 19h30 na Cinemateca Portuguesa, com Hautes Solitudes de Philip Garrel.
“Quad”
Uma outra presença de Beckett ocorre na magnífica exposição Um Teatro sem Teatro, patente no Museu Berardo: Quad (sobre a qual Deleuze escreveu um texto próprio, L’Epuisé), de resto numa apresentação bem mais interessante que a do écrã de televisão em que estava encerrada nessa outra recente exposição no Museu do Chiado, Centro Pompidou: Novos Media, 1965 – 2003.
Há Beckett e Bruce Nauman, Beckett que influencia Nauman, este que homenageia o outro em Slow Angle Walk (Beckett Walk), admirável percepção da lógica “coreográfica”, de organização do movimento, que há na obra do outro - não deixa aliás de ser espantoso que a obra de Nauman, de 1968, seja um ano anterior a Film, que entre “O” e “E”, tão extraordinariamente afirmaria essa lógica. De resto, acrescente-se, um recente intérprete de Acto sem Palavras em Nova Iorque foi...Mikhail Baryshnikov.