Uma coisa é certa, em nome do “rigor e transparência”: é curial que os factos apurados sobre a gestão de Fragateiro e o enorme buraco financeiro que deixa sejam tornados públicos, escrevi.
Nada mais pertinente do que transcrever então o anexo do despacho de dissolução do Conselho de Administração do Teatro Nacional D. Maria II, com os fundamentos da decisão.
E, apesar das expectativas serem as piores, ainda assim fica-se atónito: “inexistência de padrões de elevada exigência, rigor, eficiência e transparência, bem como a falta de idoneidade, capacidade e experiência de gestão”, “bandidaje”, inexistência de contratos, tráfico de Actas, incumprimento das missões estatutárias e “um prejuízo de € 1.947.151”!
Eis pois a fundamentação:
Os factos e as razões de Direito que fundamentam a dissolução do órgão Conselho de Administração do Teatro Nacional D. Maria II, E.P.E. são os seguintes:
1 – Actas do Conselho de Administração:
- As actas nº1 a 33 do Conselho de Administração (CA) contêm diálogos que nada têm a ver com a gestão da entidade e expressões insultuosas entre os membros do Conselho de Administração, nomeadamente entre o seu Presidente, Prof. Doutor Carlos Fragateiro, e o Vogal, Arquitecto José Manuel Castanheira, ao qual terá levado ao mau funcionamento do órgão e foi fundamento do pedido de demissão do referido Vogal. Factos esses que indiciam fortemente a inexistência de padrões de elevada exigência, rigor, eficiência e transparência, bem como a falta de idoneidade, capacidade e experiência de gestão com sentido de interesse público.
- Há mesmo duas “actas” do CA com o mesmo nº14. Uma dessas tem todas as folhas rubricadas pelos dois vogais e a última folha assinada por estes. A outra, necessariamente posterior, tem todas as folhas rubricadas pelos três elementos do CA, excepto a a última, que está assinada pelo Presidente do CA e um dos dois vogais. A última folha desta acta é mais curta e omite grande parte do texto que dela constava na versão anterior.
- Por deliberação do CA, não datada e em “NOTA”, foi “deliberado”, contra o disposto na lei, que a partir da Acta nº9, as Actas passariam a ser Avulsas, sem que as folhas tenham sido numeradas sequencialmente.
2 – Contratos:
- Das actas do CA não consta que tenha havido qualquer deliberação sobre a celebração do contrato de Cessão da Exploração do Estabelecimento Comercial relativo ao Teatro Villaret, tendo faltado por isso das actas qualquer avaliação e solução para a gestão dos riscos inerentes a esta actividade da entidade naquele espaço.
- Igualmente inexiste qualquer deliberação de aprovação de contrato escrito sobre a exploração dos locais de bar e restauração da entidade. Daí que também sobre esse assunto se desconheça qualquer deliberação do CA, que não terá acompanhado, verificado e controlado a evolução dos negócios da administração.
3 – Relações internacionais:
O Director do Teatro de Madrid sentiu-se obrigado a recorrer à Embaixada de Portugal para que a entidade cumprisse o pagamento que lhe era devido.
O encenador da obra “Longas Férias com Oliveira Salazar” imputa ao comportamento do presidente do CA as “barbaridades que se hacen en ese teatro”, qualificando o ambiente de “bandidaje”.
Observações de idêntico teor foram produzidas pelo presidente do “Teatro Stabile della Sardegna”, pela directora do “Dramma Italiano” e pelo superintendente do “Teatro Nazionale Croato”.
Factos eticamente inaceitáveis no sector de actividade do TNDM II e violadores das boas práticas decorrentes dos usos internacionais.
4 – Objecto:
O CA, apesar de ter um Plano de Actividades superiormente aprovado, não deu plena execução ao objecto do TNDM II, E.P.E., conforme previsto no nº2, do artigo 2º do citado Decreto-Lei nº158/2007:
- A divulgação e valorização dos criadores, nomeadamente nacionais, e suas expressões artísticas, não foram cabalmente prosseguidas. Desse facto não se encontra constância no “Relatório de Gestão e Contas ‘07”;
- A qualificação progressiva dos elementos artísticos e técnicos dos seus quadros e a contribuição activa para o aperfeiçoamento e desenvolvimento do sistema de formação profissional, técnica e artística na área teatral, não foi prosseguido como é expressamente reconhecido pelo CA;
- A colaboração com escolas de ensino superior artístico, nos termos do legalmente exigido, foi escassa como o próprio CA literalmente reconhece;
- Outro tanto tem de dizer-se relativamente à promoção e organização de acções de formação nos diferentes domínios da sua actividade;
- O estímulo à pesquisa, no quadro das novas tecnologias de informação e comunicação, a valorização da dimensão pedagógica indutora do diálogo, a programação de actividades que tenham dado especial atenção aos textos abordados pelo ensino oficial e a preservação e divulgação sistemáticas do património cultural ligado ao TNDM II, E.P.E., não foram alvo da actuação do CA como claramente resulta do Relatório de Gestão e Contas’07.
5 – Resultados financeiros:
Os resultados líquidos do exercício de 2007 decorrentes da gestão financeira levada a cabo pelo CA demonstram um prejuízo no montante de € 968.154. Se a este resultado adicionarmos os custos de produção diferidos de € 978.997, advém um prejuízo de € 1.947.151. De referir que em 2007, o montante da Indemnização Compensatória recebida pelo Teatro Nacional D. Maria II, E.P.E., foi reforçado em € 833.032, face ao registado em 2006.
Estes prejuízos evidenciam que os objectivos da entidade não foram cumpridos, que a execução do orçamento não foi devidamente acompanhada e as medidas destinadas a corrigir os desvios não foram aplicadas.
Donde se constata a existência de um desvio substancial entre o orçamento e a respectiva execução bem como a deterioração dos resultados de actividade e da situação patrimonial da entidade, provocadas pelo exercício de funções dos gestores.
6 – Conclusão:
Nestes termos e fundamentos, concluí-se que os factos supra referidos preenchem as previsões das alíneas a), b) e c) do número 1, do artigo 12º, dos Estatutos do Teatro Nacional D. Maria II, E.P.E., aprovados pelo Decreto-lEi nº158/2007, de 27 de Abril, constituindo assim fundamento para a dissolução do órgão ae administração nos termos desse normativo.
Lisboa, Ministério da Cultura, 28 de Julho de 2008
Convirá apenas em especial recordar uma declaração de Carlos Fragateiro à “Visão” de 06-04-06: “Se o Teatro Nacional: fosse só dirigido pelo José Manuel [Castanheira] isto era um desastre nas contas, se fosse só dirigido por mim era um desastre na estética! [risos]”. Riram-se muito, riram: a gestão foi calamitosa em termos quer de “contas” quer de “estética”, para mais com os dois cúmplices aos insultos!
Foi esta a desdita do Teatro Nacional D. Maria II, decorrente do “golpe” superiormente perpetrado pelo comissário-geral Mário Vieira de Carvalho – aguardemos então pelo próximo texto daquele, com a habitual elucidação “hermenêutica”…
Tenho a maior consideração por Maria João Brilhante, hoje nomeada em Conselho de Ministros presidente da administração do Teatro Nacional D. Maria, tanto assim que em tempos idos ela foi a primeira pessoa que convidei para crítica de teatro do “Público”, funções que ainda exerceu durante algum tempo, em conjunto com Manuel João Gomes. Maria João Brilhante é certamente uma das pessoas que mais e melhor sabe de teatro em Portugal, e nesse sentido a nomeação é uma boa notícia.
Acontece que, segundo o despacho da “Lusa”, o ministro da Cultura, no anúncio do novo conselho de administração do teatro, foi confrontado com as persistentes notícias de que o actor Diogo Infante será o próximo director artístico do teatro. E respondeu José António Pinto Ribeiro que “o ministério não nomeia ninguém para a direcção artística, essa é uma competência do conselho de administração, que se reunirá muito proximamente”. Eis o que seria uma declaração a reter, que não sucedesse que…
Como variadas vezes tive ocasião de frisar, o programa do actual governo postula explicitamente a autonomização das direcções dos teatros nacionais e da Companhia Nacional de Bailado das nomeações políticas, a tarefa devendo caber aos conselhos de administração. Como bem, ou infelizmente, se sabe, a política dirigista de Mário Vieira de Carvalho foi exactamente o contrário. O cúmulo do disparate é a nomeação directa pela tutela dos directos artísticos do Teatro Nacional de São Carlos e da Companhia Nacional de Bailado, sendo que por sua vez têm também de responder a outro órgão nomeado pela tutela, o conselho de administração da dita OPART EPE, em que não têm lugar como membros de pleno direito – o que, além da contravenção ao programa do governo, facto suficientemente grave, pode levar ao absurdo do conselho de administração postular para cada uma daquelas duas entidades uma política diferente da entendida pelos directores artísticos.
Eu escrevi que havia um mistério na Ajuda, o do desaparecimento do ministro, quando a visibilidade é também uma condição política necessária, e sendo certo que ela se esperaria de José António Ribeiro, que não padece por certo de défice de auto-estima, de acordo com os tão laudatórios perfis dele feitos na imprensa quando da sua nomeação. Demorou tempo, bem mais do que seria compreensível, mas ele começou finalmente a aparecer, a enunciar linhas de acções e a tomar decisões.
Seria pois de saudar a sua declaração de que “o ministério não nomeia ninguém para a direcção artística, essa é uma competência do conselho de administração”, se não sucedesse que no caso nada nos faz crer que o processo vá de facto decorrer assim, antes tudo leva a entender, para além do que o próprio foi dizendo e foi sendo sabido, que Diogo Infante será de facto o próximo director artístico do teatro.
Para além de Maria João Brilhante, foram também nomeadas para a administração Maria do Pilar Lourinho, com pelouro financeiro, e Mónica Braz Almeida, com pelouro da produção. Acontece que Mónica Braz Almeida transita do Maria Matos, onde era directora de produção, digamos que “braço direito” de Diogo Infante, o que, além do que o próprio fez saber, mais indicia a próxima nomeação de Infante para a direcção artística.
Alguém com o saber de Maria João Brilhante oferece em princípio as garantias de que haverá uma gestão do teatro, com “qualidade, rigor e transparência” (palavras de Pinto Ribeiro). Acontece que o motivo que havia sido dado por Diogo Infante para sair do Maria Matos, o da falta de meios orçamentais, e o seu próprio perfil, também não são os mais indicados. Diogo Infante prepara-se para estrear Cabaret, o que não é seguramente o projecto que mais se coaduna com as restrições orçamentais, óbvias dada a situação da Câmara Municipal de Lisboa, e por consequência também da empresa municipal de equipamentos e gestão cultural, a EGEAC, e os teatros municipais - para haver La Féria, basta o próprio.
Mais: o equilíbrio de poderes no D. Maria corre o risco de ser instável (para parafrasear o título português de A Delicate Balance do dramaturgo norte-americano Edward Albee, peça aliás apresentada no Nacional do tempo da outra senhora, de Dª Amélia Rey Colaço), porque é certamente prerrogativa do director artístico encenar, e Infante terá de se limitar nas suas próprias ambições e saber apelar devidamente a outros. Mas mais ainda: não cabe exactamente ao director artístico do Teatro Nacional D. Maria o tipo de mediatização a que Diogo Infante deve grande parte da sua notoriedade, o que de resto agora foi reiterado com um concurso televisivo, “À procura de Sally”, paralelo à montagem de Cabaret.
Deste modo, se a saída de Fragateiro era a medida urgente e se a nomeação de Maria João Brilhante é uma boa notícia, o processo está longe de ter tido a correcção necessária.
Pelo próprio Diogo Infante, pelos motivos que invocou em relação ao Maria Matos e que são mau presságio, e pelo facto de ter feito saber que fora convidado para o Nacional. Por José António Pinto Ribeiro, que não pode pretender desconhecer as indicações para o futuro director artístico e que, por todas as razões, devia ter sido ele próprio a dizer a Fragateiro que este estava demitido. Enfim, não se esqueça, last but not the least, pelo próprio Fragateiro, por tudo o que foi a sua política e programação, pelo enorme buraco financeiro em que deixa o teatro, e, insisto, não se esqueça, pelo golpe mediático que tentou, com a entrevista ao “Público” do passado dia 13, outra demonstração da sua pesporrência e tentativa de golpe mediático quando sabia que os dados da sua gestão estavam a ser apurados – manobra que talvez explique o modo expedito como a sua demissão lhe foi comunicada não pelo ministro mas pelo seu chefe de gabinete, mas não a justifica por inteiro.
Uma coisa é certa, em nome do “rigor e transparência”: é curial que os factos apurados sobre a gestão de Fragateiro e o enorme buraco financeiro que deixa sejam tornados públicos.
Desta vez, está confirmado: foi hoje comunicado a Carlos Fragateiro a sua exoneração de Director do Teatro Nacional D. Maria. Lembro que em entrevista dada no passado dia 16 no "Dia D" da SIC Notícias, o ministro da Cultura, José António Pinto Ribeiro, tinha dito que existindo agora a solicitação sua um controlador financeiro no Ministério da Cultura, e tendo chegado ao conhecimento desse ministério alguns factos de gestão depois da demissão de outro membro da direcção do teatro (José Manuel Castanheira), se pronunciaria depois de apurados os factos - o que ocorreu hoje.
O que não é exactamente boa notícia é a prenunciada ida para o cargo de Diogo Infante. Na sua gestão do Teatro Municipal Maria Matos, o actor, se foi capaz de desenvolver uma actividade contínua - mas não é isso o mínimo exigível? - fê-lo sempre em torno da sua pessoa, como actor e encenador. Dirigir um teatro nacional é coisa bem diferente, exige um projecto, exige uma capacidade de gestão tanto maior quanto Fragateiro deixa o D. Maria em situação financeira delicada, e por isso a expectativa é reservada.
Mas agora é o momento de assinalar o afastamento de quem sempre desenvolveu uma política do pior populismo, longe das missões instituídas por lei ao Teatro Nacional D. Maria.
E já agora, é tempo de publicamente reclamar que o ministro da Cultura passe também das palavras aos actos no capítulo OPART, ele que já disse que aquela é uma formulação com que não concorda.
É mais que tempo de liquidar mesmo a herança de Mário Vieira de Carvalho, sendo o menor dos incómodos que, por causa disso, e disso ser de facto levado â prática, haja mais uns quantos artigos do distinto professor e iintendente-ideólogo-geral dos teatros nacionais no "Público".