Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

Museus públicos, domínio privado?

 

Os museus são por definição e História instituições de interesse público, abertos à comunidade, aos visitantes. Esse é desde logo o princípio dos museus de domínio público, no sentido de estarem na dependência do Estado central ou da administração local ou regional, como em certos países, por exemplo em Espanha, o florescimento de museus de arte contemporânea em grande se devendo às instituições autonómicas, regionais.

 

Há museus privados. E há os museus de parceria pública-privada.

 

Existe em Portugal a Fundação e o Museu de Serralves, sempre apontado, e justamente, como caso de excelência dessa parceria.

 

E existem outros dois casos, bem mais controversos, O Museu Berardo e agora a Casa das Histórias Paula Rego.

 

 

 

Extractos da nova coluna O Estado da Arte em www.artecapital.net

Casa da Música - IV

 

 

 

Sempre fui defensor do modelo de fundação e de parceria público-privado, como em Serralves, para a Casa da Música – quem porventura tiver presente uma brochura editada pelo “Público” quando da inauguração da Casa em Abril de 2004, poderá constatar ser essa a posição que eu defendia. Entendo isso, por várias razões, nomeadamente por achar fundamental a atração mecenática de capitais para a cultura, uma gestão mais profissionalizada sem os vícios das burocracias estatais e também uma maior autonomia face à tutela política, em que, como tivemos recente exemplo no consulado Pires de Lima / Vieira de Carvalho, afinal ainda ocorrem recorrentemente tentações dirigistas.*
 
Mas a entrega das responsabilidades de gestão directa a alguém vindo do sector privado não deixa de trazer também alguns riscos. Como me dizia recentemente um produtor de indústrias cultural “o problema dos gestores é que pensam nos fins e não nos meios”, ou seja, no caso, que podem não ter devidamente em conta as valias culturais para além da sua tradução imediata em afluências de públicos, ou “box-office”.
 
Instituída a Fundação, foi escolhido como administrador-delegado Nuno Azevedo, o filho mais velho de Belmiro de Azevedo. Que ele tenha optado por um projecto cultural em vez do “universo Sonae” é algo que já diz muito da sua motivação para o cargo. Ao longo destes três anos, tenho sido testemunha do modo como Nuno Azevedo “abraçou a causa”, não sem alguns excessos: se compreendo que tenho dito que “Agora a Casa da Música é um diamante delapidado. Antes, era um diamante em estado bruto”, já me parece demasiado auto-congratulatório e mesmo injusto que, no balanço dos três anos, fundamentalmente tenha assinalado “o facto de termos conseguido inverter a ideia praticamente generalizada de que o projecto da Casa da Música era frágil” (“DN” de 14-04-07).
 
Mas, exemplo do seu empenho, ainda muito recentemente, na “Sábado” da passada semana, Nuno Azevedo usou o Direito de Resposta para detalhadamente e com números concretos contestar uma nota anterior de Pacheco Pereira que tinha dito estranhar “o desperdício” da brochura da programação de 2009 ter sido distribuída com o “Público” – comentário aliás sumamente hipócrita porque Pacheco começava por dizer “Tenho a maior das estimas pela Casa da Música e não me pronuncio sobre o mérito da sua programação, nem sobre o modo como anuncia os seus programas, a não ser quando estranho o desperdício”, sendo que a sua “maior das estimas” é incongruente pois que é inimigo jurado dos investimentos públicos na cultura (e foi o Estado que construiu a Casa da Música), e ninguém o imagina a assistir a um concerto – como a ver um espectáculo ou a ver um filme.
 
Mas por todas estas razões há também que fazer notar que, sendo Nuno Azevedo o administrador-delegado, os laços Casa da Música – Sonae estão em risco de se tornarem em ligações perigosas.
 
Não me choca nada que uma grande campanha promocional da Casa seja feita no “Público”, porque, apesar do seu triste declínio, o diário da Sonae.com é ainda de modo claro aquele que tem públicos que mais potencialmente são também os da Casa. Mas já me parece muito questionável que no piso térreo do edifício haja agora uma loja da Optimus e francamente indecoroso que entre os benefícios oferecidos pelo Cartão Amigo Casa da Música se conte “Entradas gratuitas do Continente online em compras superiores a € 75”, como se podia constatar na promoção inserida no “Ípsilon” da semana passada.
 
Por isso, para benefício geral, creio importante uma chamada de atenção.
 
 
 
 
* Também debalde tive esperanças que a constituição de uma tal fundação contribuísse para revitalizar no mesmo sentido, que legalmente é o que tem, a Fundação Centro Cultural de Belém, e acho que não se pode deixar de assinalar uma flagrante discrepância, mais outra, Lisboa-Porto, sendo que na primeira o Estado investe por inteiro ou quase, e na segunda é que faz parcerias e solicita mecenaticamente capitais privados.

 

Gérard Mortier em Madrid

 

 

 

Breakings news, como se usa dizer: o Teatro Real de Madrid acaba de anunciar a nomeação de Gérard Mortier como director artístico, confirmando rumores que circulavam há semanas.
 
O flamengo, o mais prestigiado director de ópera europeu, mundial mesmo, depois de ter dado brilho ao Théâtre de La Monnaie em Bruxelas (1981-92), e ter sido surpreendentemente escolhido, depois da morte da Herbert von Karajan, para dirigir o Festival de Salzburgo, em anos (1992-2001) que ficaram memoráveis, escandalizaram o público tradicional, mas profundamente renovaram a projecção do evento, completou ontem 65 anos, limite de idade para as funções que desde 2004 exerce na Ópera de Paris, tendo no entanto sido prorrogado excepcionalmente o seu mandato até ao fim da temporada em curso. A surpresa foi que entretanto, em Fevereiro do ano passado, Mortier foi anunciado como próximo director da New York City Opera, a ópera pública da cidade, fazendo os críticos especular sobre o que poderia vir a ser um quadro com Peter Gelb no Met e Mortier na City Opera..
 
Ao longo deste ano, todavia, pressentiram-se desentendimentos. O notório interesse de Mortier por ópera contemporânea causava apreensão a membros da administração, e o seu alinhamento em parceria em parceria com Nike Wagner (filha de Wieland) na luta pela sucessão de Bayreuth (que acabou decidida por uma “reconcilação” das duas filhas de Wolfgang Wagner, Eva e Katherina) foi apontado como uma deslealdade. Por fim, os cortes financeiros na City Opera levaram à sua renúncia no passado dia 8.
 
A ida de Mortier para Madrid é mais uma confirmação, particularmente importante, da consolidação do Real entre os teatros europeus, quando tradicionalmente era bem menos prestigiado que o Liceo de Barcelona, e menos inclusive que o São Carlos de Lisboa - mas evitemos fazer comparações sobre o estado actual de um e outro teatro, que as coisas são bem tristes.

 

Casa da Música - I

 

 

Ao contrário da anterior, estas duas notícias, referentes à Casa da Música, não são novas, datam mesmo já de há meses, mas vem a propósito abordá-las – tinha aliás dito em tempos que me propunha uma abordagem sistemática das programações e questões correlativas do São Carlos (quanto a este, aqui, aqui e aqui), Gulbenkian, Casa da Música e CCB, as macro-instituições culturais.
 
Com escasso intervalo, António Jorge Pacheco foi anunciado em Junho como sucessor de Pedro Burmester na direcção artística e em Julho cessou uma curta experiência de cinco meses de Dalida Rodrigues na direcção de Comunicação e Marketing, um óbvio “erro de casting”, pouco conforme às suas capacidades – e é gratificante que entretanto lhe tenha sido endereçado por Paula Rego o convite para dirigir o futuro museu em Cascais, a Casa das Histórias.
 
O que parece bizarro é a determinação do administrador-delegado, Nuno Azevedo, de não preencher esse cargo de direcção de Comunicação e Marketing. Sabe ele perfeitamente, por certo, que essa é uma área vital, e por exemplo, no recente ciclo “À Volta do Barroco” creio que houve uma falta de investimento promocional específico - bem como até, no caso, de envolvimento do Serviço Educativo. E uma instituição como a Casa da Música não pode deixar de ter devidamente um Gabinete de Comunicação e Imprensa.
 
Quanto à saída de Pedro Burmester (na imagem), “pai” do projecto, ela teria de ocorrer mais cedo ou mais tarde, e não muito mais tarde, sob pena de comprometer a carreira artística própria do pianista. Do que foi a génese do projecto, do que foi já consolidado, lhe somos amplamente devedores – mesmo que em relação aos moldes com que o projecto foi anunciado haja coisas importantes por cumprir, o que já explicarei.
 
Em excepção ao que digo abaixo, compreendo que neste caso não tenha havido concurso público. António Jorge Pacheco está no projecto desde o início, é mesmo a única pessoa que sempre esteve no projecto, sem interrupções (já que Burmester esteve mais de um ano afastado dado o conflito com Rui Rio), é o principal obreiro do Remix, agrupamento de excelência da Casa, e tem também estado muito ligado à programação da Orquestra Nacional do Porto.
 
Mas isto dito, justificada a nomeação, e desejando-se os melhores auspícios ao novo director, há também que chamar a atenção para algumas reservas.
 
António Jorge Pacheco tem grandes responsabilidades no modo canhestro como surgiu primeiro uma híbrida Remix Orquestra e depois enfim a Orquestra Barroca Casa da Música, que ainda é muito frágil, e devia ser uma das prioridades. Sobretudo, 1) o modo como fez inscrever internacionalmente o Remix Ensemble ocorreu basicamente segundo a doxa vigente, com pouca autonomia e, 2) retomou da Gulbenkian o favoritismo nunesiano: foi indisfarçável intermediário fundamental na tristemente célebre entrevista de Emmanuel Nunes ao “Público” em que este, intriguista, anunciava ele próprio a próxima saída de Paolo Pinamonti do São Carlos; mesmo depois da catástrofe de Das Märchen (já estaria previsto antes, mas isso não altera o fundamental), Pacheco programou para Setembro do próximo ano uma nova obra de teatro musical de Nunes, em que o nepotismo chega ao ponto do dispositivo cénico ser do próprio compositeur portugais e da sua mulher e biógrafa, Hélène Borel, a qual é também responsável pelos figurinos!
 
A Casa da Música é demasiado importante e, por muito que falte ainda consolidar, já se impôs largamente. Como disse, compreendo neste caso a excepção à regra que defendo dos concursos públicos, e desejo os melhores auspícios ao trabalho directivo de António Jorge Pacheco. Mas também por isso mesmo as reservas ficam desde já claramente enunciadas.

 

O concurso público da Gulbenkian - II

 

 

Com a sua habitual morosidade, a Gulbenkian anunciou finalmente a nomeação de um novo director do Serviço de Música, processo iniciado em Fevereiro, e referido em Maio aqui e aqui. Dir-se-á que num tal concurso internacional é necessário uma cuidada ponderação, mas também por mim acrescento que há dois meses que sabia que a decisão estava tomada e o perfil do escolhido. Com a habitual discreção da Gulbenkian o anúncio oficial é o constante aqui.
 
É pois o finlandês Risto Nieminen (na imagem), actual director do Festival de Helsínquia, que foi nomeadamente administrador da Orquestra Sinfónica da Rádio da Finlândia, director artístico do IRCAM (Institut de Recherche et Coordination Acoustique/Musique) do Centro Georges Pompidou, em Paris, e que integrou
a Direcção da Associação Europeia de Festivais, que em Abril de 2009 substituirá o actual director, Luís Pereira Leal -  que ao longo de três décadas conduziu o Serviço de Música a níveis de excelência ímpares no país, em qualquer campo artístico e cultural. E é uma escolha que, à priori, se afigura justificada.
 
A invulgaridade da situação em Portugal, bem como o facto de durante anos ter sido expectável uma solução simplesmente sucessória, ou dinástica, com a passagem de testemunho, ao director-adjunto, Rui Vieira Nery, justificam alguns comentários.
 
Em primeiro lugar, e como princípio geral, acho preferíveis os concursos públicos – e no caso da Gulbenkian, como já o disse, espero que o mesmo venha a suceder no ora moribundo Centro de Arte Moderna. Sou evidentemente favorável a tal princípio nas grandes instituições públicas e de parceria público-privado, e se bem que saiba ser difícil (não só em Portugal) a tutela prescindir de se implicar na nomeação dos directores dos teatros nacionais, entendo que, como de resto está previsto no programa do actual governo (mas também neste caso sem efeito), o governo deve sim nomear as administrações que depois encetariam o processo de escolha do director artístico.
 
Acresce que justamente o grande nível de programação da Gulbenkian mais justifica uma escolha nestes moldes. Mas sucede também que são muitas as rotinas, que os públicos não se renovam (é-me aflitivo ir aos concertos e continuar quase só a ver as mesmas pessoas de há 30 anos), que há que encontrar outras formas de programar – e, de um modo geral, uma perspectiva vinda do exterior, um olhar novo, pode ser muito benéfico, no caso tanto mais quanto os nórdicos têm usualmente uma experiência de organização diversificada de concertos.
 
Se essas são as razões fundamentais, terei ainda de dizer, com toda a admiração intelectual e grande amizade, que Rui Vieira Nery não me parecia ter o perfil adequado para suceder a Luís Pereira Leal, por três ordens de razões: 1) dificuldades executivas, como as que se evidenciaram na sua passagem pela secretaria de Estado da Cultura; 2) menos interesse e conhecimento numa área de grande lastro da Fundação e em que esta não pode deixar de se manter uma entidade importante (embora, espera-se bem, com menos favoritismo a Emmanuel Nunes), a música contemporânea, área em que pelo seu perfil, designadamente no IRCAM, Nieminen apresenta todas as garantias; 3) enfim, como já fiz notar, até porque a área de programação directamente a seu cargo, a de música antiga, era nos últimos anos a que se vinha apresentando mais burocrática na programação geral, o pior sendo mesmo a presente temporada, em que é por inteiro dedicado à música no Brasil colonial, opção temática que faria toda o sentido quando havia ainda as Jornadas de Música Antiga, mas é muitíssimo limitativa no quadro de toda uma temporada. Mas espero também que o saber e as enormes capacidades intelectuais de Rui Vieira Nery possam no futuro traduzir-se em algo de mais substancial que a “prateleira” à “boa maneira” da Gulbenkian que entretanto lhe arranjaram, um Programa de Educação pela Arte.
 
Entretanto aguardemos auspiciosamente Risto Nieminen e, quando for ocasião, presta-se a Luís Pereira Leal a devida homenagem de reconhecimento.

 

D. Maria, os fundamentos da demissão

 

 

Uma coisa é certa, em nome do “rigor e transparência”: é curial que os factos apurados sobre a gestão de Fragateiro e o enorme buraco financeiro que deixa sejam tornados públicos, escrevi.
 
Nada mais pertinente do que transcrever então o anexo do despacho de dissolução do Conselho de Administração do Teatro Nacional D. Maria II, com os fundamentos da decisão.
 
E, apesar das expectativas serem as piores, ainda assim fica-se atónito: “inexistência de padrões de elevada exigência, rigor, eficiência e transparência, bem como a falta de idoneidade, capacidade e experiência de gestão”, “bandidaje”, inexistência de contratos, tráfico de Actas, incumprimento das missões estatutárias e “um prejuízo de € 1.947.151”!
 
 
Eis pois a fundamentação:
 
 
 
Os factos e as razões de Direito que fundamentam a dissolução do órgão Conselho de Administração do Teatro Nacional D. Maria II, E.P.E. são os seguintes:
 
1 – Actas do Conselho de Administração:
 
- As actas nº1 a 33 do Conselho de Administração (CA) contêm diálogos que nada têm a ver com a gestão da entidade e expressões insultuosas entre os membros do Conselho de Administração, nomeadamente entre o seu Presidente, Prof. Doutor Carlos Fragateiro, e o Vogal, Arquitecto José Manuel Castanheira, ao qual terá levado ao mau funcionamento do órgão e foi fundamento do pedido de demissão do referido Vogal. Factos esses que indiciam fortemente a inexistência de padrões de elevada exigência, rigor, eficiência e transparência, bem como a falta de idoneidade, capacidade e experiência de gestão com sentido de interesse público.
 
- Há mesmo duas “actas” do CA com o mesmo nº14. Uma dessas tem todas as folhas rubricadas pelos dois vogais e a última folha assinada por estes. A outra, necessariamente posterior, tem todas as folhas rubricadas pelos três elementos do CA, excepto a a última, que está assinada pelo Presidente do CA e um dos dois vogais. A última folha desta acta é mais curta e omite grande parte do texto que dela constava na versão anterior.
 
- Por deliberação do CA, não datada e em “NOTA”, foi “deliberado”, contra o disposto na lei, que a partir da Acta nº9, as Actas passariam a ser Avulsas, sem que as folhas tenham sido numeradas sequencialmente.
 
 
2 – Contratos:
 
- Das actas do CA não consta que tenha havido qualquer deliberação sobre a celebração do contrato de Cessão da Exploração do Estabelecimento Comercial relativo ao Teatro Villaret, tendo faltado por isso das actas qualquer avaliação e solução para a gestão dos riscos inerentes a esta actividade da entidade naquele espaço.
 
- Igualmente inexiste qualquer deliberação de aprovação de contrato escrito sobre a exploração dos locais de bar e restauração da entidade. Daí que também sobre esse assunto se desconheça qualquer deliberação do CA, que não terá acompanhado, verificado e controlado a evolução dos negócios da administração.
 
 
3 – Relações internacionais:
 
O Director do Teatro de Madrid sentiu-se obrigado a recorrer à Embaixada de Portugal para que a entidade cumprisse o pagamento que lhe era devido.
 
O encenador da obra “Longas Férias com Oliveira Salazar” imputa ao comportamento do presidente do CA as “barbaridades que se hacen en ese teatro”, qualificando o ambiente de “bandidaje”.
 
Observações de idêntico teor foram produzidas pelo presidente do “Teatro Stabile della Sardegna”, pela directora do “Dramma Italiano” e pelo superintendente do “Teatro Nazionale Croato”.
 
Factos eticamente inaceitáveis no sector de actividade do TNDM II e violadores das boas práticas decorrentes dos usos internacionais.
 
 
4 – Objecto:
 
O CA, apesar de ter um Plano de Actividades superiormente aprovado, não deu plena execução ao objecto do TNDM II, E.P.E., conforme previsto no nº2, do artigo 2º do citado Decreto-Lei nº158/2007:
 
- A divulgação e valorização dos criadores, nomeadamente nacionais, e suas expressões artísticas, não foram cabalmente prosseguidas. Desse facto não se encontra constância no “Relatório de Gestão e Contas ‘07”;
 
- A qualificação progressiva dos elementos artísticos e técnicos dos seus quadros e a contribuição activa para o aperfeiçoamento e desenvolvimento do sistema de formação profissional, técnica e artística na área teatral, não foi prosseguido como é expressamente reconhecido pelo CA;
 
- A colaboração com escolas de ensino superior artístico, nos termos do legalmente exigido, foi escassa como o próprio CA literalmente reconhece;
 
- Outro tanto tem de dizer-se relativamente à promoção e organização de acções de formação nos diferentes domínios da sua actividade;
 
- O estímulo à pesquisa, no quadro das novas tecnologias de informação e comunicação, a valorização da dimensão pedagógica indutora do diálogo, a programação de actividades que tenham dado especial atenção aos textos abordados pelo ensino oficial e a preservação e divulgação sistemáticas do património cultural ligado ao TNDM II, E.P.E., não foram alvo da actuação do CA como claramente resulta do Relatório de Gestão e Contas’07.
 
5 – Resultados financeiros:
 
Os resultados líquidos do exercício de 2007 decorrentes da gestão financeira levada a cabo pelo CA demonstram um prejuízo no montante de € 968.154. Se a este resultado adicionarmos os custos de produção diferidos de € 978.997, advém um prejuízo de € 1.947.151. De referir que em 2007, o montante da Indemnização Compensatória recebida pelo Teatro Nacional D. Maria II, E.P.E., foi reforçado em € 833.032, face ao registado em 2006.
 
Estes prejuízos evidenciam que os objectivos da entidade não foram cumpridos, que a execução do orçamento não foi devidamente acompanhada e as medidas destinadas a corrigir os desvios não foram aplicadas.
 
Donde se constata a existência de um desvio substancial entre o orçamento e a respectiva execução bem como a deterioração dos resultados de actividade e da situação patrimonial da entidade, provocadas pelo exercício de funções dos gestores.
 
 
6 – Conclusão:
 
Nestes termos e fundamentos, concluí-se que os factos supra referidos preenchem as previsões das alíneas a), b) e c) do número 1, do artigo 12º, dos Estatutos do Teatro Nacional D. Maria II, E.P.E., aprovados pelo Decreto-lEi nº158/2007, de 27 de Abril, constituindo assim fundamento para a dissolução do órgão ae administração nos termos desse normativo.
 
 
Lisboa, Ministério da Cultura, 28 de Julho de 2008
 
 
 
Convirá apenas em especial recordar uma declaração de Carlos Fragateiro à “Visão” de 06-04-06: “Se o Teatro Nacional: fosse só dirigido pelo José Manuel [Castanheira] isto era um desastre nas contas, se fosse só dirigido por mim era um desastre na estética! [risos]. Riram-se muito, riram: a gestão foi calamitosa em termos quer de “contas” quer de “estética”, para mais com os dois cúmplices aos insultos!
 
Foi esta a desdita do Teatro Nacional D. Maria II, decorrente do “golpe” superiormente perpetrado pelo comissário-geral Mário Vieira de Carvalho – aguardemos então pelo próximo texto daquele, com a habitual elucidação “hermenêutica”…

 

Teatros, a dança das cadeiras - I

 

Tenho a maior consideração por Maria João Brilhante, hoje nomeada em Conselho de Ministros presidente da administração do Teatro Nacional D. Maria, tanto assim que em tempos idos ela foi a primeira pessoa que convidei para crítica de teatro do “Público”, funções que ainda exerceu durante algum tempo, em conjunto com Manuel João Gomes. Maria João Brilhante é certamente uma das pessoas que mais e melhor sabe de teatro em Portugal, e nesse sentido a nomeação é uma boa notícia.
 
Acontece que, segundo o despacho da “Lusa”, o ministro da Cultura, no anúncio do novo conselho de administração do teatro, foi confrontado com as persistentes notícias de que o actor Diogo Infante será o próximo director artístico do teatro. E respondeu José António Pinto Ribeiro que “o ministério não nomeia ninguém para a direcção artística, essa é uma competência do conselho de administração, que se reunirá muito proximamente”. Eis o que seria uma declaração a reter, que não sucedesse que…
 
Como variadas vezes tive ocasião de frisar, o programa do actual governo postula explicitamente a autonomização das direcções dos teatros nacionais e da Companhia Nacional de Bailado das nomeações políticas, a tarefa devendo caber aos conselhos de administração. Como bem, ou infelizmente, se sabe, a política dirigista de Mário Vieira de Carvalho foi exactamente o contrário. O cúmulo do disparate é a nomeação directa pela tutela dos directos artísticos do Teatro Nacional de São Carlos e da Companhia Nacional de Bailado, sendo que por sua vez têm também de responder a outro órgão nomeado pela tutela, o conselho de administração da dita OPART EPE, em que não têm lugar como membros de pleno direito – o que, além da contravenção ao programa do governo, facto suficientemente grave, pode levar ao absurdo do conselho de administração postular para cada uma daquelas duas entidades uma política diferente da entendida pelos directores artísticos.
 
Eu escrevi que havia um mistério na Ajuda, o do desaparecimento do ministro, quando a visibilidade é também uma condição política necessária, e sendo certo que ela se esperaria de José António Ribeiro, que não padece por certo de défice de auto-estima, de acordo com os tão laudatórios perfis dele feitos na imprensa quando da sua nomeação. Demorou tempo, bem mais do que seria compreensível, mas ele começou finalmente a aparecer, a enunciar linhas de acções e a tomar decisões.
 
Seria pois de saudar a sua declaração de que “o ministério não nomeia ninguém para a direcção artística, essa é uma competência do conselho de administração”, se não sucedesse que no caso nada nos faz crer que o processo vá de facto decorrer assim, antes tudo leva a entender, para além do que o próprio foi dizendo e foi sendo sabido, que Diogo Infante será de facto o próximo director artístico do teatro.
 
Para além de Maria João Brilhante, foram também nomeadas para a administração Maria do Pilar Lourinho, com pelouro financeiro, e Mónica Braz Almeida, com pelouro da produção. Acontece que Mónica Braz Almeida transita do Maria Matos, onde era directora de produção, digamos que “braço direito” de Diogo Infante, o que, além do que o próprio fez saber, mais indicia a próxima nomeação de Infante para a direcção artística.
 
Alguém com o saber de Maria João Brilhante oferece em princípio as garantias de que haverá uma gestão do teatro, com “qualidade, rigor e transparência” (palavras de Pinto Ribeiro). Acontece que o motivo que havia sido dado por Diogo Infante para sair do Maria Matos, o da falta de meios orçamentais, e o seu próprio perfil, também não são os mais indicados. Diogo Infante prepara-se para estrear Cabaret, o que não é seguramente o projecto que mais se coaduna com as restrições orçamentais, óbvias dada a situação da Câmara Municipal de Lisboa, e por consequência também da empresa municipal de equipamentos e gestão cultural, a EGEAC, e os teatros municipais - para haver La Féria, basta o próprio.
 
Mais: o equilíbrio de poderes no D. Maria corre o risco de ser instável (para parafrasear o título português de A Delicate Balance do dramaturgo norte-americano Edward Albee, peça aliás apresentada no Nacional do tempo da outra senhora, de Dª Amélia Rey Colaço), porque é certamente prerrogativa do director artístico encenar, e Infante terá de se limitar nas suas próprias ambições e saber apelar devidamente a outros. Mas mais ainda: não cabe exactamente ao director artístico do Teatro Nacional D. Maria o tipo de mediatização a que Diogo Infante deve grande parte da sua notoriedade, o que de resto agora foi reiterado com um concurso televisivo, “À procura de Sally”, paralelo à montagem de Cabaret.
 
Deste modo, se a saída de Fragateiro era a medida urgente e se a nomeação de Maria João Brilhante é uma boa notícia, o processo está longe de ter tido a correcção necessária.
Pelo próprio Diogo Infante, pelos motivos que invocou em relação ao Maria Matos e que são mau presságio, e pelo facto de ter feito saber que fora convidado para o Nacional. Por José António Pinto Ribeiro, que não pode pretender desconhecer as indicações para o futuro director artístico e que, por todas as razões, devia ter sido ele próprio a dizer a Fragateiro que este estava demitido. Enfim, não se esqueça, last but not the least, pelo próprio Fragateiro, por tudo o que foi a sua política e programação, pelo enorme buraco financeiro em que deixa o teatro, e, insisto, não se esqueça, pelo golpe mediático que tentou, com a entrevista ao “Público” do passado dia 13, outra demonstração da sua pesporrência e tentativa de golpe mediático quando sabia que os dados da sua gestão estavam a ser apurados – manobra que talvez explique o modo expedito como a sua demissão lhe foi comunicada não pelo ministro mas pelo seu chefe de gabinete, mas não a justifica por inteiro.
 
Uma coisa é certa, em nome do “rigor e transparência”: é curial que os factos apurados sobre a gestão de Fragateiro e o enorme buraco financeiro que deixa sejam tornados públicos.

O Tiepolo e a Ajuda

 

 

No mesmo dia 12 em que foi a ministra Isabel Pires de Lima foi à Gala Exclusiva do Millenium-BCP no São Carlos atribuír a comenda do Mérito Cultural à instituição, ficou também finalmente classificada a “Deposição de Cristo no Túmulo” de Tiepolo.
 
O desfecho do processo não pode fazer esquecer quanto ele foi atabalhoado. Não fosse o impacto público da questão e teria com toda a probabilidade sido outra a conclusão,  tal o somatório de contradições do ministério da Ajuda. Depois de, numa primeira fase, as declarações terem sido de lamento, mas de indisponibilidade de verbas, a total impreparação confirmou-se de seguida numa extravagante troca de esclarecimentos com a leiloeira, sobre a possibilidade de estrangeiros poderem ou não licitar um quadro, e sobre o impedimento daquele, enquanto bem arrolado, saír do país.
 
E quanto ao próprio desfecho, também não se pode dizer que ele tenha sido propriamente surpreendente: talvez a ministra, ela e os seus assessores, nem se tivessem lembrado, a julgar pelo comportamento errático que tiveram, mas era sabido que existia um fundo possível, o da indemnização de 6.2 milhões de euros pelo roubo das Jóias da Coroa numa exposição em Haia. De resto, até dois dias antes do leilão um leitor , Álvaro de Sousa, de Valongo, lembrava isso mesmo nas cartas ao director do “Público”. E foi o recurso a essa verba, como se sabe, que permitiu a compra pelo Estado.
Noutro plano, não é menos sintomático que esteja já no esquecimento generalizado que as ditas Jóias da Coroa saídas da Ajuda - e que, por terem sido furtadas, acabaram por ser indirectamente a ajuda à compra do quadro de Tiepolo - ,  foram cedidas num quadro de todo desproporcionado para uma exposição de fins didácticos num museu menor. Talvez se lembrem alguns do manifesto enfado com que à época Isabel Silveira Godinho, conservadora do Palácio, respondeu às questões da imprensa, como se ela tivesse alguma coisa a ver com isso. Mas a governação era do PSD e Isabel Silveira Godinho, como é público, é amiga muito próxima de Aníbal e Maria Cavaco Silva, pelo que a sua (ir)responsabilidade ficou indemne.
 
É de episódios como este, sem quaisquer consequências no que concerne ao exercício real de responsabilidades, que também se faz a gestão cultural do ministério, Mas talvez haja igualmente razões mais práticas: o Palácio da Ajuda, além de ser sede do ministério da Cultura, é cenário de tantas cerimónias oficiais que, com Jóias da Coroa ou sem elas, Isabel Silveira Godinho pode continuar a exercer primorosamente as suas funções de governanta dedicada. E, afinal, estando lá há mais de vinte anos, é já parte da mobília. Mas porquê pedir responsabilidades?

Andreas Staier, o pianoforte e o Clementi abandonado de Queluz

Andreas Staier


Ainda no ciclo barroco da Casa da Música tive ocasião de ouvir Fabio Biondi com a Europa Galante dar a conhecer-nos extractos de uma pouco interessante ópera de Domenico Scarlatti, Narcissus, mas infelizmente não pude assistir – e tinha o maior interesse – uma semana depois a um outro concerto, fruto do trabalho que entretanto Biondi fizera com a própria Orquestra Barroca da Casa da Música.

Ouvi sim o recital de Andreas Staier em pianoforte, a 18 de Novembro, tocando nomeadamente obras de Domenico Scarlatti (estas sim, as importantes, algumas sonatas) e Mozart, não só pelo prazer de ouvir esse espantoso músico como também pela curiosidade em saber como soaria o instrumento na Sala Suggia, o grande auditório da Casa da Música.

Essa estreia foi eloquente, pelas incríveis cores e variedades de planos obtidas por Staier, um verdadeiro alquimista das teclas. Ocorreu-me de súbito a memória antiga da estreia de Gustav Leonhardt em Portugal: o único cravo de modelo de época existia no Porto, propriedade de Maria Lurdes Santos (também este pianoforte ora usado é particular, propriedade de Helena Marinho), e foi aí, no Ateneu Comercial, que Leonhardt se apresentou a 4 de Maio de 1979, a que se seguiu, um dia depois, um recital de orgão na Sé de Lisboa.

Mas recordei-me também ter sido o mesmo Andreas Staier, a 14 de Setembro de 2002, em Queluz, nos Concertos PT/ Em Órbita, que fez o primeiro recital com o pianoforte Clementi restaurado por Joop Klinkhamer, com os fundos obtidos pelo Em Órbita com receitas de bilheteira dos concertos, por contributo privado pois.

É mais que inépcia, é gravoso desleixo dos responsáveis por Queluz e da sua tutela, que com o fim daqueles Concertos o instrumento tenha ficado sem utilização, o que é o mesmo que ao abandono, já que a sua conservação em bom estado depende de uso. É assim que a gestão dos orgãos e entidades do ministério da Cultura vela pelo património, e pelo património que foi possível restaurar por contributo generoso de privados! “Conservadores”, dizem eles? Burocratas negligentes, isso sim!