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Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

O Tiepolo e a Ajuda

 

 

No mesmo dia 12 em que foi a ministra Isabel Pires de Lima foi à Gala Exclusiva do Millenium-BCP no São Carlos atribuír a comenda do Mérito Cultural à instituição, ficou também finalmente classificada a “Deposição de Cristo no Túmulo” de Tiepolo.
 
O desfecho do processo não pode fazer esquecer quanto ele foi atabalhoado. Não fosse o impacto público da questão e teria com toda a probabilidade sido outra a conclusão,  tal o somatório de contradições do ministério da Ajuda. Depois de, numa primeira fase, as declarações terem sido de lamento, mas de indisponibilidade de verbas, a total impreparação confirmou-se de seguida numa extravagante troca de esclarecimentos com a leiloeira, sobre a possibilidade de estrangeiros poderem ou não licitar um quadro, e sobre o impedimento daquele, enquanto bem arrolado, saír do país.
 
E quanto ao próprio desfecho, também não se pode dizer que ele tenha sido propriamente surpreendente: talvez a ministra, ela e os seus assessores, nem se tivessem lembrado, a julgar pelo comportamento errático que tiveram, mas era sabido que existia um fundo possível, o da indemnização de 6.2 milhões de euros pelo roubo das Jóias da Coroa numa exposição em Haia. De resto, até dois dias antes do leilão um leitor , Álvaro de Sousa, de Valongo, lembrava isso mesmo nas cartas ao director do “Público”. E foi o recurso a essa verba, como se sabe, que permitiu a compra pelo Estado.
Noutro plano, não é menos sintomático que esteja já no esquecimento generalizado que as ditas Jóias da Coroa saídas da Ajuda - e que, por terem sido furtadas, acabaram por ser indirectamente a ajuda à compra do quadro de Tiepolo - ,  foram cedidas num quadro de todo desproporcionado para uma exposição de fins didácticos num museu menor. Talvez se lembrem alguns do manifesto enfado com que à época Isabel Silveira Godinho, conservadora do Palácio, respondeu às questões da imprensa, como se ela tivesse alguma coisa a ver com isso. Mas a governação era do PSD e Isabel Silveira Godinho, como é público, é amiga muito próxima de Aníbal e Maria Cavaco Silva, pelo que a sua (ir)responsabilidade ficou indemne.
 
É de episódios como este, sem quaisquer consequências no que concerne ao exercício real de responsabilidades, que também se faz a gestão cultural do ministério, Mas talvez haja igualmente razões mais práticas: o Palácio da Ajuda, além de ser sede do ministério da Cultura, é cenário de tantas cerimónias oficiais que, com Jóias da Coroa ou sem elas, Isabel Silveira Godinho pode continuar a exercer primorosamente as suas funções de governanta dedicada. E, afinal, estando lá há mais de vinte anos, é já parte da mobília. Mas porquê pedir responsabilidades?