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Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

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À volta de Rauschenberg e Cage - Joan La Barbara

Retrato de grupo: Jasper Johns, Merce Cunnhingham, John Cage, Carolyn e Earle Brown e Roberr Rauschenberg. É em particular importante ter presente o enorme impacto artístico da actividade dos dois pares masculinos, Cunnhingham-Cage e Johns-Rauschenberg
 
 
 
John Cage e Merce Cunningham começaram a frequentar o Black Mountain College, na Carolina do Norte, em 1948. Foi aí, no ano seguinte, que o jovem pintor Robert Rauschenberg os conheceu, tornando-se um outro membro da “comunidade” que se ia constituíndo, com Morton Feldman e Christian Wolff, o pianista (e ocasional compositor também, para Cunningham) David Tudor, e enfim, Carolyn e Earle Brown, que Cage e Cunningham conheceram em Denver em 1952 e atraíram para Nova Iorque (Carolyn Brown, que foi uma das mais importantes bailarinas de Cunningham, uma das traves da companhia, publicou recentemente uma volumosa memória, Chance and Circunstance - Twenty Years With Cage and Cunningham; Cage aliás relatou, e o testemunho de Christian Wolff confirma, que a chegada de Browne provocou inicialmente um choque com Feldman).
 
É com este rede constituída, que ocorreu a dupla deflagração sucessiva de Agosto de 1952, que tão considerável impacto cultural iria ter.
 
A progressiva integração do silêncio no processo composicional alterava por completo as condições de percepção da música, na perspectiva de Cage. Se “o silêncio, em termos gerais, não é uma evidência, a vontade do compositor é-o”,donde decorre que pode ser “vontade do compositor” fazer ouvir “o silêncio”.
 
Em rigor, não se trata do “silêncio” enquanto “não som” ou “vazio” – pelo contrário, o estrito silêncio é uma impossibilidade, “There is no such thing as silence. Something is always happening that makes a sound” -, mas do contínuo do todo sonoro que não é objecto de escuta, nos termos em que a música é objecto de escuta.
 
São estes os pressupostos de 4’33’’,a famosa peça dita “silenciosa”, apresentada pela primeira vez por David Tudor em Woodstock, a 29 de Agosto de 1952, pensada de facto como uma obra musical, com três andamentos – só que os instrumentos presentes em palco não produzem som.
 
De modo deliberado ou não, 4’33’’ transformava-se também numa acção em palco. Mas a barreira entre participantes e público fora já abolida (ou isso se tentara também) dias antes, a 16 de Agosto, com o Theater Event nº1 no Black Mountain College, o que depois seria referenciado como primeiro “happening”, quando na sequência de Cage, e mesmo directamente dos seus cursos na New School of Social Research em Nova Iorque, no fim da década, surgiu um conjunto de “performers” que se dedicaria a tais práticas, entre os quais Allan Krapow, que cunharia esse termo “happening”.
 
Cage delineou uma estrutura rítmica, e encarregou-se de uma conferência – com silêncios devidamente previstos. Cada participante ou grupo de participantes tinha um “compartimento”, e uma vez tendo-lhe sido dada a indicação para começar, poderia dispôr como entendesse. M. C. Richards e Charles Olson diziam poemas, Rauschenberg manipulava um gira-disco, David Tudor estava ao piano e Cunningham e alguns dos seus bailarinos circundavam a assistência assim envolvida, com algumas das White Paintings de Rauschenberg (rasas, tanto quanto 4’33’’ o podia também ser) suspensas.
 
Esse foi o princípio de todos os “combinings” que Cage iria organizar, a apresentação simultânea de várias obras ou acções. Note-se, “combinings”, por um lado, e por outro “combines”, os trabalhos que Rauschenberg iria desenvolver; princípios de combinatória e multiplicidade.
É importante assinalar que se John Cage foi uma influência fundamental ao percurso de Robert Rauschenberg e, por via deste, ao de Jasper Johns (tanto que os dois pintores, com o cineasta de Emilio de Antonio, foram os organizadores do concerto retrospectivo dos 25 anos de actividade do compositor, a 15 de Maio de 1958, no Carnegie Hall), as constelações pictóricas e visuais da “New York School” foram mais complexas, e que nessa complexidade se revela também algo das diferentes personalidades dos compositores.
 
Compositor de intricadas texturas e de grandes expansões temporais, como outros eram pintores de grandes superfícies, Feldman esteve fundamentalmente ligado ao “expressionismo abstracto”, face ao qual Rauschenberg se vinha colocar em contra-corrente. A maravilhosa Rotkho Chapel, De Kooning ou Piano Piece for Philip Guston são obras de títulos e dedicatórias esclarecedoras, tal como o facto de ter escrito a música para o documentário com Jackson Pollock.
 
Já Earle Browne, autor de grande formação plástica, colhia fundamentalmente de Pollock e da “action painting” o gesto, mas também nele havia a influência maior dos “mobiles” de Calder. O famoso December 1952, uma das peças de Folio and Four Systems, foi o verdadeiro pradigma das “partituras gráficas” – e de resto, simplesmente olhando para a partitura, é difícil não evocar Calder mas também Mondrian.
Joan La Barbara jogando com John Cage
 
Prosseguindo o ciclo paralelo à exposição Robert Rauschenberg: Em Viagem 70-76, é hoje a vez de actuar no Auditório de Serralves Joan La Barbara, em concerto que conta também com a participação de dois membros do Drumming, Miguel Bernat e Nuno Aroso.
 
Compositora, performer e artista sonora, Joan La Barbara é uma prodigiosa exploradora e virtuosa da voz humana. Na sua discografia destacam-se nomeadamente Three Voices For Joan La Barbara que Morton Feldman lhe dedicou e Joan La Barbara Singing Through John Cage
 
 
John Cage- Experiences, No. 2 (1948)
Earle Brown - December 1952 (1952)
John Cage - Aria (1958)
John Cage - The Wonderful Widow of Eighteen Springs (1942)
John Cage - Nowth Upon Nacht (1984)
John Cage - 4'33" (1952)
Morton Feldman - Only (1947)
John Cage - 0'00" (4'33", No.2) (1962)
John Cage - A Flower (1950)
John Cage - Music for Three (by One) (1984)
John Cage - Solo for Voice 2 (1960)
John Cage - Solo for Voice 49 (1970) de Song Books
John Cage - Solo for Voice 67 (1970) de Song Books
John Cage - Forever and Sunsmell (1944)
 
Auditório de Serralves, às 21h30