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Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

A síndrome dos Coches

 

Quem tutela a “cultura” afinal?
 
 
 
 
O ministério da Cultura está paralisado, e depois de uma Isabel Pires de Lima que acumulou disparates e prepotências, o actual titular, José António Pinto Ribeiro, é o ministro inexistente. Quanto ao primeiro-ministro, o seu desinteresse pela Cultura apenas foi quebrado por uma intervenção que, de tão demagógica, tem de ficar registada – a sua participação, a 9 de Janeiro passado, no anúncio do lançamento do programa INOV-ART proclamando que “É isso que estamos aqui a fazer: dar mais oportunidades aos jovens no domínio da cultura e para que afirmem internacionalmente o nome de Portugal”, ditame que é no mínimo causador de estupefacção.
 
A verdadeira oposição, ou o sujeito de um discurso de tal modo consistentemente crítico que não pode deixar de ser considerado de oposição, estava afinal na bancada da maioria, e até era dela vice-presidente, mas silencioso: o ex-ministro Manuel Maria Carrilho produziu um documento que é um diagnóstico arrasador.
 
“Uma legislatura perdida?” pergunta-se mesmo ele, constatando o malogro (total) do Compromisso para a Cultura do programa do governo socialista
 
Acontece, todavia, que há no governo quem, não sendo tutela, se interesse por matérias culturas ou certas matérias culturais.
 
Tomemos o caso tão polémico e extravagante do novo Museu dos Coches. Quem [o] quis afinal?
 
A resposta está na evidência dos factos: a responsabilidade incube à Sociedade Frente Tejo, da esfera do ministério da Economia. Enquanto Pinto Ribeiro é inexistente, Manuel Pinho gosta de dar nas vistas e de iniciativas vistosas.
 
Embora presumivelmente a maioria parlamentar chumbasse a iniciativa, propor em plenário a chamada à comissão de Cultura de ambos os ministros para esclarecer quem de facto tutela o quê, eis o que era mais que justificado pelos factos desta “legislatura perdida”, como este extravagante projecto de novo Museu dos Coches surgido na esfera do Ministério da Economia e Inovação – desta balofa “inovação” que é a síndrome que agora atingiu os centenários coches.
 
 
 
Extractos da coluna O Estado da Arte em linha na ArteCapital.

 

 

 

 

Património - um escândalo

 

 

 

 
Se há ou houve governo “liquidacionista” do sector cultural é certamente este de José Sócrates. Nem nas piores horas de secundarização do sector durante o cavaquismo, quando a austeridade de cortes sem nexo da ministra das Finanças Manuela Ferreira Leite a ele também se estendeu, ou nas trapalhadas, nesta área também, do governo de Santana Lopes, houve uma tão prosseguida política de negligência e mesmo de quase liquidação do sector.
 
Porque entendo que no contrato político democrático é fundamental a atenção dos governados face aos compromissos publicamente assumidos pelos governantes, relembro ainda uma outra vez o que consta do programa do governo:
 
“A política cultural para o período 2005-2009 orientar-se-á por três finalidades essenciais. A primeira é retirar o sector da cultura da asfixia financeira em que três anos de governação à direita o colocaram. A segunda é retomar o impulso político para o desenvolvimento do tecido cultural português. A terceira é conseguir um equilíbrio dinâmico entre a defesa e valorização do património cultural, o apoio à criação artística, a estruturação do território com equipamentos e redes culturais, a aposta na educação artística e na formação dos públicos e a promoção internacional da cultura portuguesa. A opção política fundamental do Governo é qualificar o conjunto do tecido cultural, na diversidade de formas e correntes que fazem a sua riqueza do património à criação, promovendo a sua coesão e as suas sinergias.”
 
“O compromisso do Governo, em matéria de financiamento público da cultura, é claro: reafirmar o sector como prioridade na afectação dos recursos disponíveis. Neste sentido, a meta de 1% do Orçamento de Estado dedicada à despesa cultural continua a servir-nos de referência de médio prazo.”
 
Em vez disso, o que assistimos? Desaparecimento político quase total do Ministério da Cultura, nomeadamente face ao das Finanças e também o da Economia, cujo titular se armou na pose de “ministro da ‘cultura de luxe’”; asfixia financeira reforçada; revogação do Estatuto do Mecenato; intervenção autoritária e liquidação de trabalhos sustentados nos Teatros Nacionais Dona Maria e São Carlos e no Museu Nacional de Arte Antiga; confusões burocráticas mastodônticas com a alteração do estatuto de institutos públicos. Pois como se isso tudo já não fosse pouco chegou agora, constata-se, a hora do património. “Defesa e valorização do património cultura”? Homessa!
 
A notícia do “Público” de ontem, “Vender um monumento poderá ser mais fácil”, tem de ser lido várias vezes (eu tive) para se perceber bem, de tão literalmente inacreditável que é. De acordo com o novo “regime geral dos bens de domínio público” elaborado pelo ministério das Finanças, este podem não só ser “objecto de uso privativo”, como também está prevista a sua “venda e oneração pelas vias do direito privado”. Alienar, obter possivelmente as receitas extraordinárias a que os ministros das Finanças costumam recorrer, eis o caminho aberto. A arqueóloga Ana Dias, Técnica do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, dá um exemplo que se diria extravagante, mas possível segundo o quadro legal ora proposto: o Mosteiro de Alcobaça podia ser transformado num “hotel de charme”! Ou vendida a Torre de Belém, diz a jurista Maria João Silva!
 
É uma “uma inovação de tal forma chocante que estamos certos de vir a constituir um escândalo nacional”, frisa-se num documento da recém-constituída Plataforma pelo Património Cultural. Um escândalo, nem menos, que não pode passar desapercebido, que é uma questão cívica maior – porque implica a memória colectiva e exige uma regulamentação bem definida e prudente. Da parte do governo, nota a Plataforma, há um “silêncio ensurdecedor”, mas um sinal de interesse surgiu: em Janeiro serão recebidos pelo Presidente da República.
 
Quanto ao ministro da Cultura, que se saiba, permanece na Ajuda, como de costume, a ver lá do alto os navios passarem – ou a barca a naufragar.

 

O assessor e o BPP

 

 

 

A intervenção do regulador, o Banco de Portugal, isto é o Estado, dando o seu aval a um empréstimo de cinco instituições bancárias para salvar o BPP, é uma operação escandalosa, e aliás recheada de contradições.
 
Diferentemente da recente nacionalização do BPN não é caso de haver fortes indícios de actividades danosas e ilícitas. Mais: não sendo o Banco Privado Português um banco comercial, também não se trata de acorrer em salvaguarda dos interesses dos depositantes. Mais ainda: como há poucos dias tinha reconhecido o ministro das Finanças, não existia risco de efeitos sistémicos, isto é, de uma eventual falência do BPP se repercutir genericamente no sector bancário. O banco que tão orgulhosamente (está-se a ver) ostenta o “Privado” no nome, é uma instituição de gestão de investimentos e fundos, de gestão de fortunas se se quiser (Balsemão, Saviotti, Vaz Guedes, etc.).
 
Mas uma vez mais assistimos a esta cena caricata e dir-se-ia que endémica do capitalismo português: “privados” sim, mas se há problemas, ó da guarda, que venha o Estado.
 
No espaço de menos de duas semanas, o ministro das Finanças passou a considerar haver um qualquer inexplicado risco, o buda que é governador do Banco de Portugal passou de um horizonte de aval no limite de 45 milhões para 10 vezes mais, e os banqueiros, pelo menos um dos quais, Fernando Ulrich do BPI, tinha dito não perceber como é que um banco com o modelo de gestão do BPP e com a sua dimensão podia necessitar do apoio do Estado da ordem dos 750 milhões de euros (a verba que era pretendida pelo presidente do BPP; João Rendeiro), são agora arrastados para este empréstimo – é misterioso, de facto.
 
E que serve de garantia? Os activos do banco, diz-se – os mesmíssimos com os quais não conseguiu obter empréstimo sem intervenção do regulador; como no debate parlamentar de hoje perguntou o líder da bancada do PSD, Paulo Rangel, “Se os activos são tão prestáveis e valiosos, porque não foram suficientes para que o consórcio de bancos fizesse o seu empréstimo sem o aval do Estado, apenas com base nesses mesmos activos?”.
 
Para além do que como cidadão me escandaliza nos contornos desta operação, um activo há que particularmente me interessa, desde os seus primeiros anúncios: a que entretanto veio a ser a Ellipse Foundation.
 
A presença nesse fundo de investimento internacional em arte como curadores do inevitável “crítico excelentíssimo” Alexandre Melo (na imagem) e do também director do Museu do Chiado (funções a que era suposto por lei dedicar-se a tempo inteiro) Pedro Lapa, foi uma das razões que me levou a escrever em 2004 “Arte e Sistema”, com toda a polémica subsequente. Pela menos na Espanha e no Brasil, a Ellipse foi muito promovida, e sempre também como “fundo de risco”. Entretanto, mudou de rumo, e transformou-se numa fundação, com um centro expositivo. E comprou muito. E comprou e encomendou obras, caras por certo, de alguns artistas altamente considerados e cotados, como William Kentridge e James Coleman.
 
É evidente que o futuro da Ellipse é merecedor de ser seguido com atenção, desde logo porque na nova situação de crise do BPP não se vê que futuro, que continuidade possa ter. Mas, entretanto, também não se pode deixar de recordar, preto no branco, que um dos curadores da Ellipse, evidentemente o inevitável e excelentíssimo Alexandre Melo, é hoje assessor para a cultura do primeiro-ministro José Sócrates, ou dito de outra forma, e mesmo não querendo estabelecer nexos directos que seriam exorbitantes, que a rede do BPP chega ao gabinete do primeiro-ministro, numa figura que, além das suas responsabilidades directas na colecção, tão bem encarna a rápida constituição e ostentação da Ellipse: o cinismo triunfante.

 

Os novos africanistas - II

 

 

 

Feitos os considerandos gerais, há a notar que este anúncio é verdadeiramente extraordinário a nível do governo e da Câmara de Lisboa.
 
Não posso, uma outra vez, deixar de relembrar o que consta do Programa do Governo:
 
“A política cultural para o período 2005-2009 orientar-se-á por três finalidades essenciais. A primeira é retirar o sector da cultura da asfixia financeira em que três anos de governação à direita o colocaram. A segunda é retomar o impulso político para o desenvolvimento do tecido cultural português. A terceira é conseguir um equilíbrio dinâmico entre a defesa e valorização do património cultural, o apoio à criação artística, a estruturação do território com equipamentos e redes culturais, a aposta na educação artística e na formação dos públicos e a promoção internacional da cultura portuguesa. A opção política fundamental do Governo é qualificar o conjunto do tecido cultural, na diversidade de formas e correntes que fazem a sua riqueza do património à criação, promovendo a sua coesão e as suas sinergias.”
 
O que se vem passando, como bem (ou mal) sabemos, é o inverso: asfixia financeira reforçada, desqualificação, secundarização.
 
E de onde vem o dinheiro? Pois, das empresas que têm negócios em África: "a banca, a EDP, têm estratégias de projecção para o futuro que passam pela África para além dos PALOP". Se nos lembrarmos da demarcação do BES em relação às declarações de Bob Geldof, demarcação submissa para com a cleptocracia angolana, isto não augura nada de bom – porque há um factor nada dispiciendo a considerar que é o de muitos artistas africanos terem posições críticas ou conflituais com os poderes dominantes.
 
Mas diria que ainda mais extravagante do ponto de vista político é o investimento da CML.
 
Sabe-se a sua apertada situação financeira. Mais: para angariar fundos, e de modo mesmo indecoroso, alguns espaços públicos (pelouro do vereador Sá Fernandes) estão a servir para publicidade, como dois dos espaços mais nobres de Lisboa, o Terreiro do Paço e o Marquês de Pombal, que de modo literalmente obsceno são agora campo de publicidade da TMN.
 
Não há dinheiro para a EGEAC, a empresa gestora dos equipamentos culturais, e para os teatros municipais. E há uns meses atrás foi mesmo cancelada uma iniciativa que nos três últimos anos vinha tendo êxito, público crescente e repercussão – pois imagine-se que era o África Festival! Agora vá lá compreender-se – ou antes, compreende-se que desta vez arrastando a deficitária Câmara Municipal de Lisboa, houve o “Quero, mando e posso” de Sócrates, que fará a apresentação oficial do África.Cont. no próximo dia 9.
 
No meio disto tudo se prova uma vez também a inexistência política de José António Pinto Ribeiro, o qual, como vai sendo hábito, fica na Ajuda, vendo lá do alto passar os navios.
 
Logo abaixo, o seu solicito colega da Economia e Inovação, Manuel Pinho, ocupa-se do pólo museológico e turístico de Belém, com o novo Museu dos Coches (que na situação actual dos museus portugueses estava longe de ser uma prioridade), obra de um laureado do Prizkter (o “Nobel” da arquitectura), o brasileiro Paulo Mendes da Rocha, e da construção dos módulos 4 e 5 do CCB.
 
Mas porque me hei-de eu queixar? O África.Cont. ficando nas Tercenas do Marquês, entre as Janelas Verdes e a 24 de Julho, passo a ter na vizinhança três museus ou centros, o de Arte Antiga, o nóvel do Oriente e depois este, um autêntico  “museum district bis” – chic a valer!

 

Os novos africanistas - I

 

 

 

 

Uma vaga assola o país: a dos centros culturais e dos centros de arte contemporânea. Bom seria que tivesse consistência, mas infelizmente, para além de alguns casos de trabalho continuado e gestão qualificada (Guimarães, Braga, Guarda, Viseu e poucos mais), o que na maioria dos casos se verifica é a ambição espalhafatosa de alguns edis, que uma vez feita a obra a deixam ao deus-dará, sem conteúdos e programação.
 
Também já tivemos recentemente uma ministra, a ilustre confrade queiroziana Isabel Pires de Lima, que sonhava com museus: era o Museu do Mar da Língua nos edifícios que restam do Museu de Arte Popular e o Museu do Multicularismo na Estação do Rossio em Lisboa, o de São João Novo no Porto. Além, claro, do megalómano pólo do Hermitage.
 
Faça-se ao menos ao sucessor, José António Pinto Ribeiro, a justiça de notar que deixou calmamente cair esses projectos – e ter-se descomprometido é do pouco que conta no seu activo.
 
Eis que agora, segundo o “Público” de sábado, e na sequência da cimeira euro-africana de Lisboa de há um ano, se anuncia um novo projecto retomando os piores equívocos “multiculturais” (ou “inter-culturais” como passou a estar na moda) dos projectos do Mar e da Língua e do outro para o Rossio, a uma escala muito mais relevante: o Africa.Cont, não um museu mas um centro pluridisciplinar dedicado às artes contemporâneas africanas. E porquê? Por vontade política de Sócrates, e do seu mote, “Quero, posso e mando”, em associação com o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, António Costa.
 
Vamos por parte.
 
Em primeiro lugar, o próprio conceito de África, pesem ainda as ideologias pan-africanistas, engloba duas entidades histórico-culturais bem diferentes, o Magreb islâmico e a África negra sub-saariana – e hoje em dia, de algum modo já também de forma autónoma a África do Sul.
 
Haverá que reconhecer ser um pouco estranho que, independentemente do Museu de Etnologia, não haja um espaço museológico dedicado às culturas que foram as da África Colonial portuguesa, ao que agora se chama “artes primeiras”, consagradas no Museu do Quai Branly aberto no ano passado em Paris.
 
Mas, independentemente disso, é óbvio que há em Portugal um enorme desconhecimento das artes contemporâneas africanas.
 
Doeu-me imenso verificar, em Junho do ano passado, quando morreu o senegalês Ousmane Sembene, o autor que praticou procedeu à “invenção cinematográfica de um continente”, a África negra, que o facto quase tivesse passado despercebido na imprensa portuguesa. Estou curiosíssimo de ver Teza, o primeiro filme em quase 10 anos do etíope expatriado Hailé Gerima (que noutros tempo, quando o Festival da Figueira da Foz era um nosso ponto de encontro obrigatório, obteve o Grande Prémio, em 1976, com A Colheita dos 3 Mil Anos),que esteve no recente Festival de Veneza. Por cá é nulo ou quase o conhecimento dos fotógrafos malianos Seydou Keita e Malick Sidibé. Há vários coreógrafos africanos interessantes e, como bem se sabe (e muito também se não saberá) inúmeros músicos importantes.
 
Agora atenção: o reverso do preconceito colonial tem sido uma certa condescendência “multiculturalista”, que entendo a seu modo como a outra face de uma atitude neo-colonial: por exemplo, solicitam-se “artistas africanos” não pelo seu intrínseco valor enquanto “artistas” mas porque são “africanos”. Esse foi a meu ver aliás o aspecto contestável da acção de António Pinto Ribeiro (inevitavelmente ouvido no trabalho do “Público”) na Culturgest, prolongado agora nalgumas das suas iniciativas na Gulbenkian.
 
Podia ser frutuoso, em abstracto, que houvesse vontade política de lançar pontes, mas este projecto para "perpetuar esta realidade de Lisboa ser a ponte entre a Europa e África" (António Costa dixit) vem ainda do fundo histórico-colonial, e não tem sentido nas geografias humanas e culturais de hoje – não há “A ponte”, mas vários espaços privilegiados como Paris e a França em geral, ou até Berlim, com nomeadamente a actividade da Haus der Kulturen der Welt.

 

Ouro, prata, lata

 

Nuno Ferreira Santos – “Público”
 
 
 
O primeiro-ministro José Sócrates será pois O Menino de ouro do PS, título da biografia de Sócrates pela jornalista Eduarda Maio, que contou com a apresentação de António Vitorino e Dias Loureiro (como poderia ter sido de Jorge Coelho e Ângelo Correia). É pois em coerência que tem um assessor para a cultura que se apresentou como emblemático de uma Idade da Prata. A “lata” é que também não é pouca.
 
 
 

 

Estado da Arte -Arte do Estado?

 

 

 

Está entretanto em linha na artecapital a nova crónica do Estado da Arte, a que atribuo especial relevo, pelos factos que sumaria e a questão que coloca: “Arte do Estado?”
 
 
“Num conjunto de artigos sobre ‘Arte e sistema’, em 2003/05, entendi trazer claramente ao debate público a consideração de como um conjunto restrito de mediadores privilegiados se constituíam numa esfera autónoma e num exorbitante poder próprio, uma ‘nomenkultura’. Forçoso é constatar agora que essa situação se agravou com muitos mais directas imbricações em instâncias do poder político executivo.”
 
Em particular abordo o intervencionismo do Manuel Pinho no domínio artístico, de resto tanto mais notório quanto não há praticamente sinais de ministro da Cultura, e a sua promiscuidade com as iniciativas do BES no campo da fotografia, designadamente de iniciativa de sua mulher, Alexandra Fonseca Pinho.
 
Não é contudo o único exemplo de um enviesamento de intervenções culturais públicas.
 
“A objectiva legitimação do sistema instituído de promiscuidades, concretiza-se no facto do assessor para a cultura do primeiro-ministro ser o crítico e programador que por si só representa exponencialmente esse sistema, Alexandre Melo …com o protagonismo descomplexado e sem princípios que há muito exerce, pelo menos desde o ano de 1986 em que fazia a capa desse manifesto social de distinção que foi ‘A Idade da Prata’, um vértice que justifica consideração própria.”, em próxima crónica.
 
È uma perspectiva sobre uma situação gravosamente inquinada.
 
 
 

 

"Europe's West Coast" - "The inland"

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Para além de todos os outros aspectos, alguns até eventualmente controversos em termos factuais, há um facto indesmentível na sequência dos dados que o “Público” noticiou: o Eng. Técnico José Sócrates Pinto de Sousa assumiu a autoria destes projectos. E isso é si mesmo um facto estético e cultural medonho, um facto político também.
 
O homem que reclama a asssinatura destes projectos foi depois, nomeadamente, Secretário de Estado do Ambiente e Ministro do Ambiente com a tutela do ordenamento do território – do ordenamento do território, sublinhe-se bem. É agora Primeiro-Ministro de um governo que no seu arsenal propagandístico inclui o novo-riquismo da mais recente colecção fotográfica encomendada pelo ministro Manuel Pinho, esse exemplo de parolice consumada que é a campanha “Europe’s West Coast”.
 
Pois, será a “west coast”, mas no “inland”, no interior, como afinal no caos urbanístico de tantas autarquias, não faltam exemplos à revelia dos mais elementares padrões estéticos, arquitectónicos e de qualidade de vida, exemplos como estes de autoria assumida por José Sócrates.
 
A este respeito, transcrevo um mail do arquitecto Pedro Gadanho:
 
Um país de patos bravos
Num momento em que Portugal se procura relançar como West Coast, o último pequeno escândalo que envolve o nosso PM é apenas patético. Para além da eventual ilegalidade dos actos praticados, o que aqui se joga é a imagem de uma cultura nacional. Trata-se dessa cultura bacoca e mal-formada que tarda ainda a revogar um Decreto-Lei, o famigerado 73/73, que simplesmente devolverá a competência de projecto àqueles com quem sempre deveria ter estado. Trata-se da cultura que durante algumas gerações premiou a chico-esperteza e a saloiice. Se, num contexto de mudança, os erros de juventude fossem realmente para se corrigir, se esta cultura fosse mesmo para superar, esperar-se-ia que Sócrates aproveitasse esta tragicomédia para fazer o mea culpa e procurar mudar a paisagem. Quando envereda por desculpas esfarrapadas, quando afirma a sua autoria dos projectos agora vindos a lume, o PM esquece o essencial: são aquelas imagens e aqueles crimes estéticos contra a paisagem que é preciso combater. Lançar uma West Coast cujo PM se declara ufano autor de tais projectos é um contra-senso de marketing político.
 
Pedro Gadanho, arquitecto
 
 
Para além das questões específicas que dizem respeito ao exercício da actividade dos arquitectos – o tal malfadado Decreto-Lei 73/73 que abriu a capacidade projectista a outros -, mas que no fundo nos afecta a todos e à paisagem construída do país, importa sublinhar que “são aquelas imagens e aqueles crimes estéticos contra a paisagem que é preciso combater” , e que “lançar uma West Coast cujo PM se declara ufano autor de tais projectos” não é apenas “um contra-senso de marketing político” mas ainda mais soa descaradamente a uma feira de vaidades.
ADENDA – O texto de Pedro Gadanho figura hoje também nas cartas ao director do “Público”.