A gestão de Christoph Dammann no Teatro Nacional de São Carlos caracteriza-se por um descalabro continuado, como aqui variadas vezes se reiterou. Mais ainda, é o momento mais negro da história do Teatro desde a sua reabertura, pior ainda que o provinciano “O São Carlos nacionalizado, nosso” do consulado Serra Formigal.
As responsabilidades incubem ao próprio mas também, e de modo decisivo, a quem afastou Paolo Pinamonti, criou uma abstrusa entidade de gestão de nome Opart (com o São Carlos e a Companhia Nacional de Bailado) e nomeou Dammann, o então secretário de Estado da Cultura Mário Vieira de Carvalho.
A situação era do conhecimento geral, mas exonerados Isabel Pires de Lima e Mário Vieira de Carvalho, o então novo ministro, José António Pinto Ribeiro, apesar de ter publicamente declarado as suas dúvidas com a estrutura da Opart e de ter mantido várias conversas com Paolo Pinamonti, acabou por proceder como lhe foi habitual na pasta: nada fez. Como tal uma quota-parte de responsabilidades também sobre ele impendem.
Depois de ter assistido a uma récita de O Morcego, a agora ministra Gabriela Canavilhas (que, ponto talvez não despiciendo neste caso, é uma artista, uma pianista) chamou Dammann. E desta vez sim, e finalmente, há novas: numa entrevista à Antena 2, Canavilhas declarou que “neste momento já não há qualquer dúvida de que é necessário substituir o director artístico do Teatro Nacional de São Carlos” - “Do meu ponto de vista a direcção já provou que a sua linha estratégica e o seu conceito estético não se coadunam com aquilo que o público português espera do Teatro Nacional de S. Carlos”.
Dado o carácter “blindado” do contrato de Dammann, válido até Agosto de 2012, e prevendo uma avultada indemnização em caso de rescisão, serão ainda necessárias conversações com vista a um acordo dos termos da saída. Mas, mesmo sendo esse um factor a ponderar, muito, muitíssimo mais gravosa para o serviço público que o São Carlos é, e para os níveis artísticos que estatutariamente lhe estão fixados, seria a permanência do senhor. A decisão de Canavilhas não pode pois ser senão vivamente saudada – enfim, Damman fora!
BASTA! Basta de disparates e assassinatos no São Carlos, como agora com a Agrippina de Haendel!
Escolheu o teatro comemorar os 250 anos da morte do compositor assinalando também o tricentenário da estreia do seu grande sucesso público italiano, ocorrida no mais prestigiado teatro de Veneza, o S. Giovanni Crisostomo.
Logo os disparates começaram com a encomenda a Nuno Côrte-Real de um intermezzo à maneira da opera buffa que se intercalava na opera seria, Acontece que tal prática se constituiu sim com a sucessiva ópera napolitana, e que Agrippina pertence ainda esteticamente ao mundo da seiscentista ópera veneziana, tal como se encontrava já exemplarmente definido na L’incoronazione di Poppea de Monteverdi (de que Agrippina é em termos de referentes históricos uma espécie de préquela), misturando situações sérias e cómicas – Haendel guardará a memória disso ainda em obras muito mais tardias como o Giulio Cesare e o Serse. Quem não sabe isso, ou seja, que não há qualquer lugar a um intermezzo na Agrippina, isto é, o senhor Christoph Dammann – essa “brilhante” personalidade desencantada pelo ex-secretário de Estado e intendente-geral dos teatros, Mário Vieira de Carvalho, responsável primeiro pela actual situação – é um ignorante de história de ópera e, como tal, não tem qualificações para ser director de teatro.
Acontece que o libretista escolhido por Côrte-Real, José Luís Peixoto, em nada fiel ao espírito da encomenda, escreveu de facto uma préquela à ópera de Haendel, O Velório de Cláudio ou representação bufa de personagens históricas, texto indigente (escapa-me a piada de no velório de um suposto morto haver uma batalha de pastéis de bacalhau!) que em nada faz jus à sua reputação, e que dada a natureza do texto o encenador Michael Hampe decidiu, com acerto, colocá-lo antes como prelúdio.
Considero e estimo Côrte-Real como um dos mais talentosos jovens compositores portugueses, mas depois de A Montanha há dois anos na Gulbenkian, no Fórum “O Estado do Mundo”, este é outro desastre, uma música sem personalidade, que de novo parece uma má filtragem, com alguns “pós” modernos, de certos compositores “nacionais” da Europa Central da primeira metade do século (Janácek ou Kodaly).
Mas o pior vem depois: em vez de celebrado Haendel é, ó socorro, esquartejado: das mais de 3h30 de música da Agrippina restam 2h25! Corta aqui e ali, corta a secção b e o da capo (e portanto a arte da variação ornamental), corta mesmo no final a personagem de Juno. Isto faz-se?! É isto a responsabilidade de um Teatro Nacional?
No elenco apenas três cantores, Alexandra Coku (Agrippina), Musa Nkuna (Nerone) e Andrew Wattts (Ottone) revelaram algumas noções do canto haendeliano, mas com tantos limites ou falhanços pelo meio! Coku mostrou alguma autoridade, embora também opacidade nos agudos em Pensieri, para logo depois falhar o Ogni vento que conclui o Acto II e terminar a ópera esgotada. Ao contratenor Watts fugiu-lhe sistematicamente a voz de cabeça para voz de peito, e o maravilhoso lamento de Ottone esteve longe de ser pungente como requerido. A Nkuma faltou-lhe plasticidade de voz.
Os outros foram um horror, quase todos. Reinhard Dorn (Claudio), que numa troca de papéis se imaginou a cantar, mal, o Don Bartolo do Barbeiro de Sevilha, Manuel Brás da Costa (Narciso) e Chelsey Schill (Poppea) fizeram entre eles um festival de desafinação, para sofrimentos dos nossos ouvidos e melomania handeliana. Schill, a tal que é de facto a única cantora-residente no São Carlos cantando em (quase) todas as óperas (onde estão as prometidas audições de cantores portugueses?) merece uma referência especial, de tão estúpida de superficialidade (sim, escrevi estúpida, no tocante à negação da inteligência musical) se mostra a sua concepção de boneca mecânica a precisar de urgente reparação. Quanto a Luís Rodrigues (Palante), pode ser um dos melhores cantores portugueses, é-o de facto, mas o barroco e o canto fiorito em geral não se lhe adequam.
Ao longo de muitos anos escrevi vezes sem conta que Michael Hampe era “o mais chato encenador do mundo” para agora me dizer. A ancenação é chata e rotineira, sem uma ideia, a não ser um beijo incestuoso de mão e filho, Agrippina e Nerone, que nem aquece nem arrefece, é apenas inconsequente.
Mas o pior, o pior mesmo (com Chelsey Schill) é a direcção quadrada de Nicholas Kok, a braços, é certo, com a difícil tarefa de pôr membros da Sinfónica Portuguesa a tocar Haendel. Nada há de gradações dinâmicas e de sentido do fraseado, de propulsão rítmica, e os oboés mostram mesmo sérias dificuldades. E de nada vale ter um contínuo “barroco” quando é tão pobre (como é que um músico como o cravista Marcos Magalhães se fica pelo nível zero?!), desagradável mesmo (Kenneth Frazer no violoncelo barroco).
Não muito depois de tomar posse, o ministro José António Pinto Ribeiro, tinha dito da sua discordância da Op.Art, esse organismo aberrante que reúne o São Carlos e a Companhia Nacional de Bailado – valendo-lhe aliás logo resposta de Vieira de Carvalho. Como se tornou no ministro inexistente deixou as coisas continuaram. Assim, mais que co-responsável, é ele altamente responsável pela permanência do incompetente senhor Dammann, e portanto pela falta de respeito pelos níveis de “qualidade artística” legalmente fixados.
Ò socorro, ó da guarda – Haendel está a ser esquartejado no São Carlos! Basta e BASTA!
Uma coisa é certa, em nome do “rigor e transparência”: é curial que os factos apurados sobre a gestão de Fragateiro e o enorme buraco financeiro que deixa sejam tornados públicos, escrevi.
Nada mais pertinente do que transcrever então o anexo do despacho de dissolução do Conselho de Administração do Teatro Nacional D. Maria II, com os fundamentos da decisão.
E, apesar das expectativas serem as piores, ainda assim fica-se atónito: “inexistência de padrões de elevada exigência, rigor, eficiência e transparência, bem como a falta de idoneidade, capacidade e experiência de gestão”, “bandidaje”, inexistência de contratos, tráfico de Actas, incumprimento das missões estatutárias e “um prejuízo de € 1.947.151”!
Eis pois a fundamentação:
Os factos e as razões de Direito que fundamentam a dissolução do órgão Conselho de Administração do Teatro Nacional D. Maria II, E.P.E. são os seguintes:
1 – Actas do Conselho de Administração:
- As actas nº1 a 33 do Conselho de Administração (CA) contêm diálogos que nada têm a ver com a gestão da entidade e expressões insultuosas entre os membros do Conselho de Administração, nomeadamente entre o seu Presidente, Prof. Doutor Carlos Fragateiro, e o Vogal, Arquitecto José Manuel Castanheira, ao qual terá levado ao mau funcionamento do órgão e foi fundamento do pedido de demissão do referido Vogal. Factos esses que indiciam fortemente a inexistência de padrões de elevada exigência, rigor, eficiência e transparência, bem como a falta de idoneidade, capacidade e experiência de gestão com sentido de interesse público.
- Há mesmo duas “actas” do CA com o mesmo nº14. Uma dessas tem todas as folhas rubricadas pelos dois vogais e a última folha assinada por estes. A outra, necessariamente posterior, tem todas as folhas rubricadas pelos três elementos do CA, excepto a a última, que está assinada pelo Presidente do CA e um dos dois vogais. A última folha desta acta é mais curta e omite grande parte do texto que dela constava na versão anterior.
- Por deliberação do CA, não datada e em “NOTA”, foi “deliberado”, contra o disposto na lei, que a partir da Acta nº9, as Actas passariam a ser Avulsas, sem que as folhas tenham sido numeradas sequencialmente.
2 – Contratos:
- Das actas do CA não consta que tenha havido qualquer deliberação sobre a celebração do contrato de Cessão da Exploração do Estabelecimento Comercial relativo ao Teatro Villaret, tendo faltado por isso das actas qualquer avaliação e solução para a gestão dos riscos inerentes a esta actividade da entidade naquele espaço.
- Igualmente inexiste qualquer deliberação de aprovação de contrato escrito sobre a exploração dos locais de bar e restauração da entidade. Daí que também sobre esse assunto se desconheça qualquer deliberação do CA, que não terá acompanhado, verificado e controlado a evolução dos negócios da administração.
3 – Relações internacionais:
O Director do Teatro de Madrid sentiu-se obrigado a recorrer à Embaixada de Portugal para que a entidade cumprisse o pagamento que lhe era devido.
O encenador da obra “Longas Férias com Oliveira Salazar” imputa ao comportamento do presidente do CA as “barbaridades que se hacen en ese teatro”, qualificando o ambiente de “bandidaje”.
Observações de idêntico teor foram produzidas pelo presidente do “Teatro Stabile della Sardegna”, pela directora do “Dramma Italiano” e pelo superintendente do “Teatro Nazionale Croato”.
Factos eticamente inaceitáveis no sector de actividade do TNDM II e violadores das boas práticas decorrentes dos usos internacionais.
4 – Objecto:
O CA, apesar de ter um Plano de Actividades superiormente aprovado, não deu plena execução ao objecto do TNDM II, E.P.E., conforme previsto no nº2, do artigo 2º do citado Decreto-Lei nº158/2007:
- A divulgação e valorização dos criadores, nomeadamente nacionais, e suas expressões artísticas, não foram cabalmente prosseguidas. Desse facto não se encontra constância no “Relatório de Gestão e Contas ‘07”;
- A qualificação progressiva dos elementos artísticos e técnicos dos seus quadros e a contribuição activa para o aperfeiçoamento e desenvolvimento do sistema de formação profissional, técnica e artística na área teatral, não foi prosseguido como é expressamente reconhecido pelo CA;
- A colaboração com escolas de ensino superior artístico, nos termos do legalmente exigido, foi escassa como o próprio CA literalmente reconhece;
- Outro tanto tem de dizer-se relativamente à promoção e organização de acções de formação nos diferentes domínios da sua actividade;
- O estímulo à pesquisa, no quadro das novas tecnologias de informação e comunicação, a valorização da dimensão pedagógica indutora do diálogo, a programação de actividades que tenham dado especial atenção aos textos abordados pelo ensino oficial e a preservação e divulgação sistemáticas do património cultural ligado ao TNDM II, E.P.E., não foram alvo da actuação do CA como claramente resulta do Relatório de Gestão e Contas’07.
5 – Resultados financeiros:
Os resultados líquidos do exercício de 2007 decorrentes da gestão financeira levada a cabo pelo CA demonstram um prejuízo no montante de € 968.154. Se a este resultado adicionarmos os custos de produção diferidos de € 978.997, advém um prejuízo de € 1.947.151. De referir que em 2007, o montante da Indemnização Compensatória recebida pelo Teatro Nacional D. Maria II, E.P.E., foi reforçado em € 833.032, face ao registado em 2006.
Estes prejuízos evidenciam que os objectivos da entidade não foram cumpridos, que a execução do orçamento não foi devidamente acompanhada e as medidas destinadas a corrigir os desvios não foram aplicadas.
Donde se constata a existência de um desvio substancial entre o orçamento e a respectiva execução bem como a deterioração dos resultados de actividade e da situação patrimonial da entidade, provocadas pelo exercício de funções dos gestores.
6 – Conclusão:
Nestes termos e fundamentos, concluí-se que os factos supra referidos preenchem as previsões das alíneas a), b) e c) do número 1, do artigo 12º, dos Estatutos do Teatro Nacional D. Maria II, E.P.E., aprovados pelo Decreto-lEi nº158/2007, de 27 de Abril, constituindo assim fundamento para a dissolução do órgão ae administração nos termos desse normativo.
Lisboa, Ministério da Cultura, 28 de Julho de 2008
Convirá apenas em especial recordar uma declaração de Carlos Fragateiro à “Visão” de 06-04-06: “Se o Teatro Nacional: fosse só dirigido pelo José Manuel [Castanheira] isto era um desastre nas contas, se fosse só dirigido por mim era um desastre na estética! [risos]”. Riram-se muito, riram: a gestão foi calamitosa em termos quer de “contas” quer de “estética”, para mais com os dois cúmplices aos insultos!
Foi esta a desdita do Teatro Nacional D. Maria II, decorrente do “golpe” superiormente perpetrado pelo comissário-geral Mário Vieira de Carvalho – aguardemos então pelo próximo texto daquele, com a habitual elucidação “hermenêutica”…
Ainda que por motivos distintos, as saídas de Diogo Infante do Maria Matos e de Carlos Fragateiro do D. Maria deixam antever uma dança de cadeiras – e esperemos que algo mais que isso – nesses teatros, e não só.
Comecemos pelo Maria Matos: a nomeação de Mark Deputter é uma excelente notícia. Ao longo de anos de trabalho, nas Danças na Cidade e depois no Festival Alkântara, como assessor para dança de Miguel Lobo Antunes no CCB durante cinco anos, mais episodicamente como programador do Teatro Camões a convite da então directora da Companhia Nacional de Bailado, Ana Pereira Caldas, Mark Deputter deu mostras de uma rara integridade. Mas mais, a sua nomeação deixa antever um perfil específico para o Maria Matos, e é recomendável que os diferentes equipamentos públicos, e no caso os diversos teatros municipais de Lisboa, tenham características definidas e se articulem em vez de se sobreporem. A presumível indicação mais para a dança que o novo director certamente trará ao Maria Matos preenche uma lacuna e será, é de prever, um novo importante dado.
Resta então saber, e não é pequeno questão, quem o substituirá na direcção do Alkântara.
Outra questão, bem diferente, é que depois de ter começado a “arrumar a casa”, e de facto a liquidar a funesta herança do pior consulado cultural de que há memória, o de Pires de Lima – Vieira de Carvalho, José António Pinto Ribeiro não pode deixar de se ocupar desse híbrido monstruoso que é a OPART EPE – e, de resto, recordo que ele exprimiu reservas sobre a (des)adequação dessa já em meados de Março.
Esta próxima temporada do São Carlos, pelas razões que analisei em detalhe aqui, aqui e aqui, está por assim dizer “perdida”, mas é desde já necessário salvaguardar o futuro, na constatação inevitável de que Christoph Dammann não tem competência para o lugar. Mas mais: não só pelas razões abaixo invocadas, a começar pela flagrante violação do programa do governo, é necessário acabar com a OPART e repor de novo autonomamente o São Carlos como, para além do disparate anunciado em São Carlos, há que dizer – e fale-se nisso muito menos – que na CNB reina o desnorte.
É preciso pensar desde já para o pós-Dammann no São Carlos, e não tenho a menor das dúvidas que José António Pinto Ribeiro tem a noção de que o director que devia estar em funções em São Carlos é Paolo Pinamonti, director artístico entenda-se (continuo favorável, de resto como expresso no programa de governo e posto em prática agora para o D. Maria, à separação entre a presidência da administração e a direcção artística) como não é difícil perceber nas suas próprias declarações, no “Expresso” de 13-07, que ele já terá trocado impressões com o ex-director – de resto, tão perspicaz quanto despeitado, logo o substituído intendente-geral dos teatros Vieira de Carvalho, veio reagir em carta publicada na semana seguinte.
Correndo o risco de estar a fazer uma extrapolação, mas atendendo a todos os dados de que disponho, estou em crer que a perspectiva de um regresso de Pinamonti ao São Carlos pode também depender de um processo que continua por concluir, o do concurso público internacional para a direcção do Serviço de Música da Gulbenkian.
Ou, de como isto se calhar anda tudo ligado, quais caixinhas chinesas…
Desta vez, está confirmado: foi hoje comunicado a Carlos Fragateiro a sua exoneração de Director do Teatro Nacional D. Maria. Lembro que em entrevista dada no passado dia 16 no "Dia D" da SIC Notícias, o ministro da Cultura, José António Pinto Ribeiro, tinha dito que existindo agora a solicitação sua um controlador financeiro no Ministério da Cultura, e tendo chegado ao conhecimento desse ministério alguns factos de gestão depois da demissão de outro membro da direcção do teatro (José Manuel Castanheira), se pronunciaria depois de apurados os factos - o que ocorreu hoje.
O que não é exactamente boa notícia é a prenunciada ida para o cargo de Diogo Infante. Na sua gestão do Teatro Municipal Maria Matos, o actor, se foi capaz de desenvolver uma actividade contínua - mas não é isso o mínimo exigível? - fê-lo sempre em torno da sua pessoa, como actor e encenador. Dirigir um teatro nacional é coisa bem diferente, exige um projecto, exige uma capacidade de gestão tanto maior quanto Fragateiro deixa o D. Maria em situação financeira delicada, e por isso a expectativa é reservada.
Mas agora é o momento de assinalar o afastamento de quem sempre desenvolveu uma política do pior populismo, longe das missões instituídas por lei ao Teatro Nacional D. Maria.
E já agora, é tempo de publicamente reclamar que o ministro da Cultura passe também das palavras aos actos no capítulo OPART, ele que já disse que aquela é uma formulação com que não concorda.
É mais que tempo de liquidar mesmo a herança de Mário Vieira de Carvalho, sendo o menor dos incómodos que, por causa disso, e disso ser de facto levado â prática, haja mais uns quantos artigos do distinto professor e iintendente-ideólogo-geral dos teatros nacionais no "Público".
Salvaguarde-se que, a abrir a temporada, em Setembro/Outubro, haverá o Siegfried, prosseguindo a encenação da Tetralogia de Wagner por Graham Vick – e, cabe notar, espera-se apenas que, como inicialmente previsto, O Anel se venha de facto a concluir em temporada futura com a representação integral sucessiva da Tetralogia, o que nunca sucedeu em nenhuma das vezes que foi encenada em São Carlos, espera-se, repito, que haja as devidas garantias.
Feita a ressalva, o panorama aproxima-se de um desastre generalizado e da maior incúria.
Sobre esta próxima temporada paira claramente a sombra do ex-secretário de Estado Mário Vieira de Carvalho, que de resto, em vários textos no “Público” e uma resposta ao actual ministro no “Expresso”, tem dados mostras suficientes de que não se dá por vencido, antes que continua a ser o ideólogo.
Acha ele, achou ele sempre, que em ópera se dá demasiada importância aos cantores?! Pronto, passou-se à prática: salvaguardado o Siegfried, repito, cantores de distinção não os há, excepto Elisabete de Matos em arriscada estreia no papel titular da Salomé.
Mas mais: sabe-se como o modelo que o ex-secretário de Estado achou frutífero foi o de Carlos Fragateiro no Teatro da Trindade, nomeando-o mesmo director do Teatro Nacional D. Maria, de resto tendo-se aquele mantido em funções no Trindade, em clara contravenção da exclusividade exigida por lei. Escrevi eu isso mesmo, e demitiu-se em seguida Fragateiro do Trindade, quando aí anunciou umas Bodas de Fígaro encenadas por Maria Emília Correia. Pois a conexão Vieira de Carvalho-Fragateiro-Dammann confirma-se agora com um Don Giovanni encenada pela mesma Maria Emília Correia. Lamento, por toda a consideração que tenho por ela, mas isto é puro disparate, além de revelador das linhas que se cosem.
Mas mais: ao senhor Christoph Dammann escapam os requisitos musicais para ser director de um teatro de ópera, e vou dar três exemplos.
Ponto 1) O aspecto mais catastrófico da sua gestão da temporada anterior foi a escolha de maestros. Agora já não há sequer a possível desculpa do pouco tempo disponível para escolhas e contratações até porque, satisfeito, Dammann resolve repetir.
Na Clemenza di Tito de Mozart houve aspectos infelizes na encenação de Joaquim Benite (os figurinos de Filipe Faísca, o “parti-pris” do estatismo do coro) mas também outros pertinentes (por exemplo, a opção pela monumentalidade). Lamentável sim, além de uma cantora que confundiu Vittelia com a Santuzza da Cavalleria Rusticana, foi a direcção musical de Johannes Start, totalmente privada da energia mozartiana. Pois o dito Start volta, e de novo para dirigir Mozart, e nada menos que o Don Giovanni.
Ponto 2) O senhor Dammann achou interessante retomar uma prática do século XVIII, com um intermezzo bufo interpolado numa opera seria. Esquece-se que os tempos de duração praticados eram muitíssimos mais longos e que, digamos, os “tempos de recepção” também eram outros.
Mas, vai daí, em Agrippina, a mais esplêndida ópera do período italiano de Haendel, vai ser interpolado Intermezzo, ópera encomendada a Nuno Côrte-Real, com libreto de José Luís Peixoto. Ora, não só isso obrigará a cortes ainda mais drástico na ópera de Haendel, como este tipo de encomenda de intermezzo só teria sentido se os respectivos autores dominassem os códigos dos géneros operáticos para com eles jogarem – e não há o menor indício que isso suceda com Peixoto e Côrte-Real.
Ponto 3) Para mais Agrippina requer quatro ou cinco grandes cantores; nem um só dos anunciados é de relevo. E pior: Dammann tem uma tal noção da interpretação historicamente informada que dispensa um agrupamento com instrumentos de época e põe a obra a ser executada pela Orquestra Sinfónica Portuguesa, tal como aliás, num concerto, outra obra-prima barroca, o Te Deum de Charpentier.
Além de tudo o mais, há a dizer que a informação do director do teatro se revela escassa e parcial.
Anuncia-se finalmente um Estúdio de Ópera no São Carlos. Acho importante, gostaria de saber mais, e é uma das questões, tal como a da nefasta OPART EPE que deixo para próximos textos. Mas nesse espectáculo do Estúdio de Ópera, além do já citado The Telephone de Menotti encenado por Karoline Gruber, a tal que depois de Das Märchen pelos vistos aqui também tomou residência, há Comedy on The Bridge do compositor checo Bohuslav Martinu encenada por Paula Gomes Ribeiro. E a que propósito? Porque se desconsideram, por exemplo, os casos mais prometedores revelados nos dois cursos de encenação de ópera da Gulbenkian? Será porque Gomes Ribeiro integra o CESEM, o Centro de Estudos de Estética e Sociologia da Música do Prof. Vieira de Carvalho?
Não sabe o director de teatro das temporadas de outras instituições em Lisboa? Porquê celebrar o centenário de Messiaen com uma interpretação da Turangalîla-Symphonie quando já houve uma no Ciclo de Grandes Orquestras Mundiais da Gulbenkian este ano, e não faltam outras grandes obras do autor que era importante dar a ouvir? Porquê aceder ao capricho pessoal do presidente, director-geral e intendente de programação do CCB, António Mega Ferreira, que resolveu achar-se também decisor musical, e fazer de novo um Fidelio de Beethoven em versão de concerto?
Tudo isto demonstra, além de graves incúrias, desde logo do director Christoph Dammann, esta espécie de “domínios privados” em que transformaram as instituições culturais: são as opções de Mário Vieira de Carvalho ou os “contributos” de Fragateiro e Mega Ferreira. E é um disparate anunciado, e o plano inclinado do vazio de perspectivas no São Carlos.
(Como disse, deixarei para textos posteriores mais em concreto as questões do Estúdio de Ópera e da OPART)
Retomo agora, em versão um pouco abreviada, uma análise feita quando da posse do governo de maioria absoluta do PS por várias ordens de razões.
A primeira, que se mantêm por inteira válida, diria mesmo que reiteradamente, é que se tende a esquecer que houve compromissos assumidos pelo PS perante o eleitorado, que tomaram mesmo a formulação política de Programa do Governo.
É compreensível que questões, ou quebras de promessas e objectivos claramente fixados, como a da não-subida de impostos, a construção do novo areoporto na Ota ou o referendo ao Tratado Europeu, tenham um maior impacto mediático e público. Todavia, o compromisso governamental é válido para todos os sectores, é peça indispensável e fundamental do contrato democrático e da relação entre governantes e eleitores.
Confirmada no elenco governamental a quase absoluta secundariedade da Cultura nas opções do primeiro-ministro, o que tão largamente se veio a confirmar, identificado logo nessa altura um padrão da dupla a quem foi confiada a pasta, “ambos militantes do PC até bem tarde, ao fim da União Soviética, ambos queirosianos, ambos universitários que têm estado sobretudo ligado a questões de educação mais do que propriamente às dinâmicas culturais recentes”, que se viria inclusive a revelar de tão funestas consequências na persistência de um quadro de acção dirigista, havia ainda assim que lembrar, e há que lembrar, “que as capacidades dos governantes se avaliarão em concreto, e sobretudo, naquilo a que estão comprometidos, o programa do governo. Mas a que estão eles comprometidos e que está solidariamente o governo, o Primeiro-ministro desde logo”,
Para além de outros aspectos, em que a releitura deste texto suscita até um travo amargo (como na referência concreta a Augusto Santos Silva e que “as suas características parlamentares o qualificam para o novo posto – onde, de resto, afecto ao núcleo político do governo, poderá ter um papel de sensibilização” – amargo, de facto, verificado o particular despudor e gravidade com que afinal assume também ele a vocação controleira), resta ser imperioso recordar que, para além de condutas erráticas e mesmo de relacionamento prepotente e grosseiro, para além do imenso mal-estar que suscitou nos agentes culturais, a dupla Isabel Pires de Lima/Mário Vieira de Carvalho – com a cobertura política do primeiro-ministro é óbvio, ainda que uma ou outra vez com pouco disfarçado mal-estar – deve ser responsabilizada por ter deliberadamente faltado ao próprio compromisso político do Programa do Governo – o que tentarei lembrar com mais detalhe.
E isso não é facto político menor ou irrelevante (por muito com por diferentes razões o achem, imagine-se, um Pacheco Pereira ou um Vasco Graça Moura), mas uma violação das premissas do próprio contrato democrático.
1 - Tendo em princípio o novo governo as condições políticas para cumprir um contrato de legislatura, a consideração das linhas programáticas que se propõe não deveria restringir-se à sede parlamentar própria da democracia representativa, mas ser mais latamente atendida no espaço público.
No que diz respeito ao capítulo cultural, e antes de matéria propriamente de abordagem, esclareça-se um ponto prévio, que em rigor não diz respeito apenas a esse capítulo. Que essa parte siga fielmente o programa eleitoral do Partido Socialista, não é, em boa regra democrática, suponho, razão para “decepção” ou “ausência de novidade”, mas antes de elementar manutenção de um projecto programático, que agora todavia terá, espera-se que sem a repetição das desculpas do costume, tido como linha de acção governativa.
Se o programa enuncia uma estratégia, os meios da sua prossecução serão escrutinados também pelo possível relevo que o sector tenha no cômputo da acção governativa e quanto isso, embora não só, é já um outro dado a escolha da equipa do Ministério da Cultura.
2 – Mais do que gostaria numa coluna de opinião, mas dada a falta de atenção mediática, tenho que começar por transcrever os tópicos do programa, com a sua retórica própria.
“A política cultural para o período 2005-2009 orientar-se-á por três finalidades essenciais. A primeira é retirar o sector da cultura da asfixia financeira em que três anos de governação à direita o colocaram. A segunda é retomar o impulso político para o desenvolvimento do tecido cultural português. A terceira é conseguir um equilíbrio dinâmico entre a defesa e valorização do património cultural, o apoio à criação artística, a estruturação do território com equipamentos e redes culturais, a aposta na educação artística e na formação dos públicos e a promoção internacional da cultura portuguesa. A opção política fundamental do Governo é qualificar o conjunto do tecido cultural, na diversidade de formas e correntes que fazem a sua riqueza do património à criação, promovendo a sua coesão e as suas sinergias.”
“O compromisso do Governo, em matéria de financiamento público da cultura, é claro: reafirmar o sector como prioridade na afectação dos recursos disponíveis. Neste sentido, a meta de 1% do Orçamento de Estado dedicada à despesa cultural continua a servir-nos de referência de médio prazo (…). Ao mesmo tempo, o Governo fixa quatro objectivos complementares: a) desenvolver programas de cooperação entre Estado e autarquias, que estimulem também o crescimento da proporção de fundos públicos regionais e locais investidos na cultura; b) valorizar o investimento culturalmente estruturante, na negociação do próximo Quadro Comunitário de Apoio (2007-2013); c) rever e regulamentar a Lei do Mecenato, de modo a torná-la mais amiga dos projectos culturais de pequena e média dimensão; d) alargar a outras áreas e, em particular, ao funcionamento dos organismos nacionais de produção artística, o princípio de estabilização de um financiamento plurianual”
É favorecido o funcionamento em rede de equipamentos e actividades culturais, tido como “ o melhor factor de consolidação e descentralização da vida cultural e de sensibilização e formação de públicos”, comprometendo-se também o Estado a “ criar programas de incentivo à qualificação dos respectivos recursos humanos e das respectivas programações, designadamente “um programa de apoio à difusão cultural, cujo objectivo principal será estimular a itinerância de espectáculos e exposições, assim como a circulação de informação e apoio técnico”, comprometendo-se também o Ministério a promover “medidas de facilitação do acesso aos diferentes bens e equipamentos culturais, a começar pela organização de um sistema de passes culturais”.
Sem prejuízo de outros itens, alguns dos quais de relevo, como a separação de direcção artísticas de funções administrativas em teatros nacionais e institutos públicos afins, a filosofia de acção sintetiza-se nas linhas atrás citadas, completadas pela opção pelo livro e pela leitura e pelo audiovisual como áreas de particular relevância.
3 – Este é, em primeiro lugar, um programa estruturado. O que é suficientemente raro para não ser assinalado.
A suborçamentação crónica do sector criou terríveis vícios, na reiteração das ladaínhas das verbas e dos subsídios. Não que aquelas não sejam importantes e que o reiterado horizonte de 1% do OE não seja crucial, inclusive em termos simbólicos, e até de uma criatividade com eventuais impactos económicos. Mas essa ladaínha da falta de meios financeiros de apoio às actividades, tão recorrente no espaço público, tolda a percepção genérica das dinâmicas culturais e das modalidades políticas da sua articulação, sendo estas uma instância em que há atender não apenas aos artistas e produtores mas também às formas de mediação e aos públicos, à cidadania em geral.
Este é um programa de acção governativa que equaciona os diferentes níveis, central e local, de estruturas públicas, a captação de apoios e participações privadas, as distribuições e acessibilidades territoriais, a relevância dos criadores e a diversidade dos públicos, os novos meios de difusão, a responsabilização e a avaliação das gestões. O seu núcleo é o de “cultura em rede”.
4 – Este programa tem a marca reconhecível de Augusto Santos Silva. E não me estou a referir apenas a quem era porta-voz do PS mas ao intelectual e sociólogo que vinha justamente colocando a ênfase no conceito de “rede”.
Não me cabe lamentar o facto de não ter sido ele o escolhido para a pasta. Entre o desenho de uma perspectiva e a acção há alguma diferença e, pese ainda a conjuntura financeira bastante adversa que teve que gerir, a sua anterior passagem pelo cargo não auspiciava um regresso, enquanto as suas características parlamentares o qualificam para o novo posto – onde, de resto, afecto ao núcleo político do governo, poderá ter um papel de sensibilização.
As questões políticas são de todo outras. Não houve qualquer indicação nem nos enunciados de Sócrates nem no seu preenchimento do cargo de uma presença da Cultura entre as suas atenções, nem mesmo do atendimento às muitas virtualidades do próprio programa.
Considerando a equipa Isabel Pires de Lima/Mário Vieira de Carvalho o que surpreende são as similitudes: ambos militantes do PC até bem tarde, ao fim da União Soviética, ambos queirosianos, ambos universitários que têm estado sobretudo ligado a questões de educação mais do que propriamente às dinâmicas culturais recentes. E quanto à óbvia diferença, lamento ter de constatar que a escolha de uma mulher para a Cultura, verificado o padrão geral deste governo, apenas confirma ter sido a pasta uma das últimas escolhas de Sócrates.
O que importa ter presente é que as capacidades dos ora governantes se avaliarão em concreto e sobretudo naquilo a que estão comprometidos, o programa do governo. Mas a que estão eles comprometidos e que está solidariamente o governo, o Primeiro-ministro desde logo.
Há então um outro nível político das questões. Considerando o programa do governo no seu conjunto, a “Cultura” é um item desgarrado do objectivo estratégico prioritário de “qualificação dos portugueses”, sublinhado em termos de plano tecnológico, inovação e ciência. Daí decorrem diferentes perspectivas de concretização orçamental, mas que podem também implicar o empenho político em “valorizar o investimento culturalmente estruturante”, inclusive na negociação do próximo Quadro Comunitário de Apoio. Ou a própria “estratégia de Lisboa” não passará também por aqui?
“O Primeiro-Ministro solicitou hoje a S. Exa. o Presidente da República a exoneração, a seu pedido, do Ministros da Saúde, Professor António Correia de Campos e da Cultura, Professora Isabel Pires de Lima” – Nota do Gabinete do Primeiro-Ministro, 29-01-08
“Em consciência, não vejo que haja objectivamente razões que motivem o primeiro-ministro a remodelar a pasta da Cultura. Pelo contrário.” (Isabel Pires de Lima, “Expresso” – 29-09-07)
“Gostava de ver lançado um grande festival ligado à ópera, os termos ainda não estão bem definidos. Teríamos de criar um festival de ópera que fosse o último da temporada europeia. Uma coisa que poderia ter poderia lugar no mês de Setembro, com produção do Teatro Nacional de São Carlos, mas realizado em vários espaços ao mesmo tempo e eventualmente em espaços ao ar livre” (Isabel Pires de Lima - “Notícias Magazine”, 16-09-07)
Assim falava Isabel Pires de Lima, que em tão alta consideração se tinha, e que tão longe no tempo e em tão grande escala imaginava a sua acção.
O seu balanço, e o do secretário de Estado Mário Vieira de Carvalho, é um desastre: desrespeito sistemático do compromisso político que é o Programa do Governo, dirigismo em especial patente nas mudanças de direcção artística de teatros nacionais e na criação da malfadada OPART EPE, - de que o infausto revestimento da operação Das Märchen foi o culminar -, total incapacidade em prover novo quadro legal ao mecenato, desconsideração dos agentes artísticos, da sua situação profissional e da regulamentação da sua segurança social, operações altamente dispendiosas sem justificação cultural sólida como a exposição do Hermitage, falta de acautelamento do interesse público numa negociação como a do Museu Berardo, etc., etc.
Quando seria elementar que as próprias condições de “transição” administrativa e de direcção artística, por si só, recomendassem alguma prudência no desenho da estratégia de acção a prazo do teatro nacional de ópera, a tutela não deixa de fazer saber quem traça os planos e com que escala.
Ainda nada se sabia da temporada, já o secretário de Estado Mário Vieira de Carvalho, o autor directo do “golpe”, que o foi inclusive em clara contravenção do próprio programa deste Governo, que expressamente previa o reforço da autonomia das direcções artísticas dos teatros nacionais, já ele anunciava uma “excelente temporada”, afinal assim confirmando que o São Carlos era de sua directa intendência.
Com o “dirigismo” instituído veio também a irresponsabilidade da mania das grandezas, que afinal vai de par com a fotografia do poder, a da própria governação da Ajuda, que se colhe de uma operação tão lamentável e dispendiosa como a exposição do Hermitage ora aí mesmo patente.
Para memória futura, deve pois ser devidamente sublinhado esse outro grande projecto anunciado pela Profª. Isabel Pires de Lima, na entrevista ao “Notícias Magazine” de 16-09-07: “Gostava de ver lançado um grande festival ligado à ópera, os termos ainda não estão bem definidos. Teríamos de criar um festival de ópera que fosse o último da temporada europeia. Uma coisa que poderia ter poderia lugar no mês de Setembro, com produção do Teatro Nacional de São Carlos, mas realizado em vários espaços ao mesmo tempo e eventualmente em espaços ao ar livre, para isso já tive um encontro com o presidente da câmara. Tivemos uma audiência muito frutuosa”.
Habituámo-nos em Isabel Pires de Lima àquele inconfundível estilo de uma professora catedrática incapaz de dizer uma frase correctamente articulada em português, com princípio, meio e fim. Mas que ela gostava de ver lançada “uma coisa” que seria um grande festival de ópera, o último da temporada europeia, em Setembro (após o fim de Salzburgo, Bayreuth e Glyndebourne), isso é indesmentível.
Seria caso para dizer que se trata de uma cena “buffa”, não soubessemos também já que a ministra da Cultura se toma muito a sério, e que não teria iniciado as diligências (que não se imagina como poderão ter provimento junto da Câmara da Lisboa, na situação financeira em que se encontra) se o projecto não fosse oriundo do próprio intendente-geral dos teatros nacionais e da Opart, o secretário de Estado Vieira de Carvalho.
Enquanto no concreto palco do São Carlos se assiste por ora a um vazio de perspectiva, o “dirigismo esclarecido” de Suas Excelências atinge o ponto de delírio de se imaginarem príncipes de “um grande festival de ópera que fosse o último da temporada europeia”, eventualmente até em espaços ao ar livre, talvez junto ao rio, qual nova Òpera de Tejo, como a de D. José que o terramoto destruíu.