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Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

A síndrome dos Coches

 

Quem tutela a “cultura” afinal?
 
 
 
 
O ministério da Cultura está paralisado, e depois de uma Isabel Pires de Lima que acumulou disparates e prepotências, o actual titular, José António Pinto Ribeiro, é o ministro inexistente. Quanto ao primeiro-ministro, o seu desinteresse pela Cultura apenas foi quebrado por uma intervenção que, de tão demagógica, tem de ficar registada – a sua participação, a 9 de Janeiro passado, no anúncio do lançamento do programa INOV-ART proclamando que “É isso que estamos aqui a fazer: dar mais oportunidades aos jovens no domínio da cultura e para que afirmem internacionalmente o nome de Portugal”, ditame que é no mínimo causador de estupefacção.
 
A verdadeira oposição, ou o sujeito de um discurso de tal modo consistentemente crítico que não pode deixar de ser considerado de oposição, estava afinal na bancada da maioria, e até era dela vice-presidente, mas silencioso: o ex-ministro Manuel Maria Carrilho produziu um documento que é um diagnóstico arrasador.
 
“Uma legislatura perdida?” pergunta-se mesmo ele, constatando o malogro (total) do Compromisso para a Cultura do programa do governo socialista
 
Acontece, todavia, que há no governo quem, não sendo tutela, se interesse por matérias culturas ou certas matérias culturais.
 
Tomemos o caso tão polémico e extravagante do novo Museu dos Coches. Quem [o] quis afinal?
 
A resposta está na evidência dos factos: a responsabilidade incube à Sociedade Frente Tejo, da esfera do ministério da Economia. Enquanto Pinto Ribeiro é inexistente, Manuel Pinho gosta de dar nas vistas e de iniciativas vistosas.
 
Embora presumivelmente a maioria parlamentar chumbasse a iniciativa, propor em plenário a chamada à comissão de Cultura de ambos os ministros para esclarecer quem de facto tutela o quê, eis o que era mais que justificado pelos factos desta “legislatura perdida”, como este extravagante projecto de novo Museu dos Coches surgido na esfera do Ministério da Economia e Inovação – desta balofa “inovação” que é a síndrome que agora atingiu os centenários coches.
 
 
 
Extractos da coluna O Estado da Arte em linha na ArteCapital.

 

 

 

 

Less in Algarve

 

Escrevia eu recentemente:” Uma vaga assola o país: a dos centros culturais e dos centros de arte contemporânea. Bom seria que tivesse consistência, mas infelizmente, para além de alguns casos de trabalho continuado e gestão qualificada, o que na maioria dos casos se verifica é a ambição espalhafatosa de alguns edis, que uma vez feita a obra a deixam ao deus-dará, sem conteúdos e programação.”
 
Com as suas particularidades, mas com os mesmos problemas de sustentabilidade nesse quadro de disfuncionalidades na redistribuição cultural no território, se insere a notícia vindo a público na passada semana na imprensa da ameaça da insolvência da Orquestra do Algarve.
 
Em 1992, quando da breve passagem de Maria José Nogueira Pinto pela subsecretaria de Estado da Cultura (antes de se demitir por causa do aval de Santana Lopes à pala do Estádio de Sporting, recordam-se?), o Estado concebeu um plano simultaneamente ambicioso e mais que necessário, o das orquestras regionais. Mas se o Estado central tomou a iniciativa não lhe cabia – e pertinentemente – a gestão directa; constituíram-se associações culturais, agrupamentos de municípios.
 
Creio que neste momento, entre as formações propriamente regionais, resta a Orquestra do Norte: a Filarmónica das Beiras finou-se em 2004 e agora a Orquestra do Algarve está ameaçada de insolvência devido ao conflito que opõe os músicos à associação de municípios da região, e que está em processo judicial.
 
O caso, em si mesmo lamentável – os responsáveis da Área Metropolitano do Algarve querem uma orquestra sim senhor, mas a recibos verdes e com baixos salários, e sem previsão de possibilidades de aperfeiçoamento profissional dos músicos – ainda mais o é por razões que, essas sim, ultrapassam a esfera dos municípios e envolvem o governo, conjugando-se em perspectivas sobre a cultura feitas de eventos sem substância e inscrição real, embora por vezes com muito “show-off”: refiro-me ao Algarve e ao “Allgarve” do verdadeiro ministro da cultura da governação socrática., Manuel Pinho.
 
 
 
 
Num trabalho sobre “O ‘Allgarve’ e a outra oferta cultural” no “Ípsilon” de 27-06-08, o pintor Xana, programador do espaço de exposições do Centro Cultural dde Lagos dizia: “O Allgave tem um problema de raiz que é fazê-lo na época em que toda a gente vem para o Algarve. Devia-se era procurar dinamizar a a actividade cultural e económica a partir do Outono-Inverno”. E liminar era a constatação de Pedro Bartilloti, dinamizador da Sociedade Artística Farense Os Artistas: “Primeiro apregoam que o Allgarve não é só sol e praia. Mas depois é só sol e só no Verão e é só praia porque é só no litoral”.
 
Sem desconsiderar algumas oportunidades dadas a artistas, continuo a achar lamentável a resposta positiva e mesmo esforçada de Serralves à solicitação do Turismo de Portugal, organismo do ministério da Economia, para organizar “exposições de verão” de uma tão parola iniciativa, uma das mais reveladoras do novo-riquismo vigente, patente desde logo na própria designação – ALLgarve. E, de resto, se falo em artistas, também tenho que dizer que foram de algum modo ludibriados: vários desses artistas convidados por Serralves tiveram de investir, tiveram custos na feitura das peças a expor; pois bem, as exposições abriram em Junho/Julho, e só na semana passada, já em Dezembro, esses artistas começaram a ser informados de que iriam ser pagos, enfim – o que quer dizer que ainda por cima o Turismo de Portugal/Ministério do Turismo, tão pronto para o espalhafato e o aparato promocional, tem depois o conhecido vício do Estado de ser mau pagador, tardio.
 
Só pela vontade determinada de não estar calada e de ir chateando o seu sucessor se pode compreender a recente sugestão de Isabel Pires de Lima de um Ministério da Cultura e Turismo (que Manuel Pinho poderia então acumular), comprovando uma vez mais que na sua passagem pelo governo e nos sonhos de grandes eventos nada percebeu das concretas realidades e necessidades culturais do país.
 

 

 

 
Como esse trabalho do “Ípsilion” mostrava, existem estruturas e esforços culturais no Algarve. E depois há o Allgarve de fachada. O risco de insolvência da Orquestra é um exemplo que como em concreto no território os responsáveis não sabem de facto com o que estão a lidar e como. Mas, dizem eles, querem música!
 

Os novos africanistas - II

 

 

 

Feitos os considerandos gerais, há a notar que este anúncio é verdadeiramente extraordinário a nível do governo e da Câmara de Lisboa.
 
Não posso, uma outra vez, deixar de relembrar o que consta do Programa do Governo:
 
“A política cultural para o período 2005-2009 orientar-se-á por três finalidades essenciais. A primeira é retirar o sector da cultura da asfixia financeira em que três anos de governação à direita o colocaram. A segunda é retomar o impulso político para o desenvolvimento do tecido cultural português. A terceira é conseguir um equilíbrio dinâmico entre a defesa e valorização do património cultural, o apoio à criação artística, a estruturação do território com equipamentos e redes culturais, a aposta na educação artística e na formação dos públicos e a promoção internacional da cultura portuguesa. A opção política fundamental do Governo é qualificar o conjunto do tecido cultural, na diversidade de formas e correntes que fazem a sua riqueza do património à criação, promovendo a sua coesão e as suas sinergias.”
 
O que se vem passando, como bem (ou mal) sabemos, é o inverso: asfixia financeira reforçada, desqualificação, secundarização.
 
E de onde vem o dinheiro? Pois, das empresas que têm negócios em África: "a banca, a EDP, têm estratégias de projecção para o futuro que passam pela África para além dos PALOP". Se nos lembrarmos da demarcação do BES em relação às declarações de Bob Geldof, demarcação submissa para com a cleptocracia angolana, isto não augura nada de bom – porque há um factor nada dispiciendo a considerar que é o de muitos artistas africanos terem posições críticas ou conflituais com os poderes dominantes.
 
Mas diria que ainda mais extravagante do ponto de vista político é o investimento da CML.
 
Sabe-se a sua apertada situação financeira. Mais: para angariar fundos, e de modo mesmo indecoroso, alguns espaços públicos (pelouro do vereador Sá Fernandes) estão a servir para publicidade, como dois dos espaços mais nobres de Lisboa, o Terreiro do Paço e o Marquês de Pombal, que de modo literalmente obsceno são agora campo de publicidade da TMN.
 
Não há dinheiro para a EGEAC, a empresa gestora dos equipamentos culturais, e para os teatros municipais. E há uns meses atrás foi mesmo cancelada uma iniciativa que nos três últimos anos vinha tendo êxito, público crescente e repercussão – pois imagine-se que era o África Festival! Agora vá lá compreender-se – ou antes, compreende-se que desta vez arrastando a deficitária Câmara Municipal de Lisboa, houve o “Quero, mando e posso” de Sócrates, que fará a apresentação oficial do África.Cont. no próximo dia 9.
 
No meio disto tudo se prova uma vez também a inexistência política de José António Pinto Ribeiro, o qual, como vai sendo hábito, fica na Ajuda, vendo lá do alto passar os navios.
 
Logo abaixo, o seu solicito colega da Economia e Inovação, Manuel Pinho, ocupa-se do pólo museológico e turístico de Belém, com o novo Museu dos Coches (que na situação actual dos museus portugueses estava longe de ser uma prioridade), obra de um laureado do Prizkter (o “Nobel” da arquitectura), o brasileiro Paulo Mendes da Rocha, e da construção dos módulos 4 e 5 do CCB.
 
Mas porque me hei-de eu queixar? O África.Cont. ficando nas Tercenas do Marquês, entre as Janelas Verdes e a 24 de Julho, passo a ter na vizinhança três museus ou centros, o de Arte Antiga, o nóvel do Oriente e depois este, um autêntico  “museum district bis” – chic a valer!

 

Gosto e Ostentação

 

 

Em linha na ArteCapital está um texto sobre Gosto e Ostentação a propósito de Joana Vasconcelos - mas também dos horrores de Damien Hirst ou Jeff Koons - motivado em particular pelo tenebroso colar de bóias com que no Verão passado revestiu a Torre de Belém.

 

 

 A Direcção de Marketimg da EDP SA teve este verão a desgraçada ideia de solicitar a alguns artistas obras para serem colocadas em, ou junto a, monumentos nacionais. O colar com que Joana Vasconcelos “decorou” a Torre de Belém – mas podia-se citar também a manta estendida na Ponte D. Luís no Porto – não exibia outro critério que não fosse a ostentação da luxúria do pechisbeque e da “marca”. O gosto torna-se o da banalidade mesmo que laboriosamente produzida. O que fazia o interesse dos seus trabalhos, sobretudo na escolha de materiais inusitados, materiais por assim dizer “comuns” e de “artefactos”, deu lugar ao folclorismo bacoco em que impera a construção da figura pública e de uma “embalagem artística”, e com essa a figura e “marca” do próprio artista

Joana Vasconcelos foi, é, um dos rostos, o único de um artista, da malfadadamente famosa campanha promocional de “Portugal – Europe’s West Coast” Nada de mas certo. Ela combina a possibilidade de difusão internacional com o “typical, very typical”. E mais: essa campanha do Ministério da Economia visa promover uma “marca Portugal” e “marca” é expressão que já entrou tanto nos discursos, no que inclusive toca à arte e cultura, que o ministro da Cultura, José António Pinto Ribeiro, já se viu mesmo forçado a negar ter falado em “marca (Fernando) Pessoa”. Por via dos gostos e acção o ministro da Economia e Inovação, Manuel Pinho, a cultura, ou mais exactamente a arte, passaram a ser entendidas também como referentes de “marca” e objecto de estratégia promocional – e forçoso é reconhecer que nenhum outro artista se afigura inscrevível em tal lógica como Joana Vasconcelos.

 

 

 

 

 

 

PortugALL SA, as colecções de Manuel Pinho - II

 

 

Era ainda o mais mediático dos intelectuais do regime, Eduardo Prado Coelho (who else?), que passado precisamente um ano, a 20-03-06, dava conta, extasiado, de uma nova iniciativa cultural-fotográfica do esclarecido ministro da Economia e Inovação, uma exposição organizada “no Palácio da Horta Seca, aonde, naturalmente, o Ministério da Economia e da Inovação regressou”.
 
No afã propagandístico, o êxtase era mesmo prévio à exposição propriamente dita - que aliás não era nenhum motivo para êxtases – uma vez que EPC era um dos autores dos textos do catálogo, tal como também, o outro expoente da culturocacia vigente, o conhecido oposicionista Vasco Graça Moura, que quando lhe acenam com uma prebenda logo aceita penhorado – e mesmo num caso deste pois que, imagine-se, a exposição, 1.2.3. de seu título, era uma “celebração, pelo Ministério da Economia e da Inovação, do primeiro aniversário da data de posse do XVII Governo Constitucional”
 
Demos então a palavra ao ilustre ministro da Economia, Photo e Inovação.
 
 
1.2.3
 
A celebração, pelo Ministério da Economia e da Inovação, do primeiro aniversário da data de posse do XVII Governo Constitucional tem lugar através de dois eventos.
 
O primeiro consiste num encontro com empresários no Porto, na Casa da Música, sobre o tema: "Porque investimos em Portugal". Os empresários são os grandes protagonistas do ciclo de investimento que está a despontar no nosso país. Há um ano atrás, não teria feito qualquer sentido organizar um encontro semelhante.
 
O segundo é uma exposição de fotografia e vídeo no Palácio da Horta Seca, aonde, naturalmente, o Ministério da Economia e da Inovação regressou.
 
O Plano Tecnológico é uma das principais ideias políticas que germinou no movimento Novas Fronteiras. Passou mais tarde para o programa do Governo, antes de se transformar na peça central de uma estratégia de crescimento para o País. Trata-se de uma ideia política que está associada a inovação, a qualificação, a modernidade e a globalização; à capacidade de traduzir ideias em acção.
 
Há 1, 2, 3 razões para tentar associar esta exposição de arte contemporânea ao Plano Tecnológico.
 
Primeiro, o facto de o acto de criação artística consistir, na essência, num acto de inovação.
 
Segundo, a modernidade da fotografia, a qual passou de disciplina autónoma a meio de expressão privilegiado das artes plásticas no final do século XX e no início do novo milénio.
 
Terceiro, a ideia de confrontar Candida Höfer, um dos ícones da arte contemporânea e uma das principais discípulas de Bernd e Hilla Becher, com alguns dos nossos mais notáveis criadores contemporâneos.
 
Trata-se de artistas consagrados, tal como Helena Almeida e Jorge Molder, e de jovens artistas com créditos já firmados, tal como Vasco Araújo e Cecília Costa. Neste conjunto, o género feminino ganha por um resultado de 3-2.
 
Deste confronto, fica a noção de que a criação artística portuguesa tem características próprias, mas que acompanha as grandes tendências a nível global. Sendo assim no campo da fotografia e do vídeo, o grande desafio que temos pela frente é trabalharmos em equipa para que o mesmo aconteça a todos os níveis da nossa sociedade. Incluindo, na esfera da Economia.
 
Agradeço a Helena Almeida, Vasco Araújo, Cecília Costa, Candida Höfer e Jorge Molder por terem aceite protagonizar esta iniciativa; à Galeria Filomena Soares, Galeria Baginsky e Galeria Mário Sequeira, pela sua colaboração. A Eduardo Prado Coelho, Rosina Gómez-Baeza, Alexandre Melo, Vasco Graça Moura, António Gomes de Pinho e Nicolau Santos por enriquecerem este projecto com as suas reflexões.
 
A Delfim Sardo, por ter aceite este desafio com talento e capacidade de realização.
 
Finalmente, a todos os que deram o melhor de si próprios com o seu entusiasmo e dedicação ao Ministério da Economia e da Inovação durante os últimos doze meses.
 
Manuel Pinho
Ministro da Economia e da Inovação
 
 
Assinale-se, a propósito, que o curador Delfim Sardo fora quem, meses antes, ainda director do Centro de Exposições do Centro Cultural de Belém, dera azo à estreia nessas funções de curadoria, da exposição “Espelho Meu – Portugal visto pelos fotógrafos da Magnum”, de Alexandra Fonseca Pinho, esposa do ministro, e responsável pelo pelouro Photo do BES, enquanto o marido, um degrau acima, era (é) ele próprio ministro Photo.

 

PortugALL SA, as colecções de Manuel Pinho - I

 

Tinham passados duas semanas* sobre a posse do Governo Sócrates, quando um deslumbrado Eduardo Prado Coelho nos fazia saber dos gostos d’O Coleccionador
 
Era de noite, estávamos ao pé do Pavilhão Chinês, naquilo a que se chama uma Loja de Conveniência. Formávamos um pequeno grupo, que comprava garrafas de água. Havia algumas pessoas que adquiriam chá, outros estavam sentados, conversavam, bebiam whisky, em certos casos, cerveja.
 
Na rua, havia gente que deambulava, algumas pessoas vinham do Príncipe Real.
 
Tínhamos algum receio dos que andavam nocturnamente junto às árvores e pareciam assumir dimensões ameaçadoras.
De súbito, encontrei o ministro da Economia.
 
Não se encontra todos os dias o ministro da Economia. Daí o meu espanto.
 
Como é que o vemos numa postura desportiva, descontraída como quem se passeia, com uma camisa e umas calças de quem saiu à rua, se deixou surpreender na primeira esquina? Olhou para mim e perguntou-me: "Conhece a minha colecção de fotografia?" Não, não conhecia. Então propôs-me que subisse ao apartamento onde morava.
 
Fomos a um quarto andar de uma casa extremamente sofisticada, com umas janelas extremamente bonitas que davam para a Rua da Escola Politécnica. Havia um quarto de crianças imensamente brincado, uma ampla mesa de casa de jantar, duas ou mais estantes. O apartamento era muito simples e ao mesmo tempo correspondia a um excelente gosto.
 
Já viu a minha jóia da coroa? Era um Man Ray. De Jeff Wall a Alfred Steiglitz e Gary Hill, havia nesta colecção o que há de melhor. A quem pertencia? A Manuel Pinho. Não eram só fotografias belíssimas, organizadas no sentido da beleza, mas no da força, da originalidade, da modernidade, da energia. Eram também fotografias iluminadas. E era sobretudo uma biblioteca de primeira qualidade.
 
Manuel Pinho não se limitava a mostrar, tinha um manifesto orgulho na colecção que reunira, e que gostava de exibir com a alegria de uma verdadeira criança. Não é costume um ministro da Economia gostar de fotografia, gostar de mostrar fotografia.
Não é habitual ter tantos livros. Perguntei-lhe se preferia fotografia à economia.
 
Como misturar coisas tão diferentes? A economia é da ordem do que se acumula: o útil, o instrumental, o capitalizável. A fotografia é outra coisa: o profundamente superficial, o sentido nómada, as coisas que se perdem e não fazem sentido.
 
Que Manuel Pinho consiga jogar nos dois campos deixa-nos surpresos. Parece que Luís Campos e Cunha também colecciona. Ainda bem. Isso quer dizer que há valores que ainda não foram esquecidos.
 
Talvez o socialismo seja hoje isto mesmo. Por outras palavras, colocar uma fotografia no meio de um processo de produtividade. Ou deixar que o que se perde se não perca e preencha as nossas vidas.
 
 
“Público”, 1-4-2005
 
 
Especialmente apreciável no panegírico era o devaneio lírico-político: “Talvez o socialismo seja hoje isto mesmo. Por outras palavras, colocar uma fotografia no meio de um processo de produtividade. Ou deixar que o que se perde se não perca e preencha as nossas vidas”.
 
Entretanto, e para ser rigoroso, uma ligeira correcção, já que fui casualmente testemunha de parte da cena: * o encontro ocorreu sim na noite anterior à tomada de posse do governo, mas o ilustre publicista terá por certo entendido que dava uma outra “patine”  relatar que encontrara, como “não se encontra todos os dias o ministro da Economia - daí o meu espanto”, redobrado da descoberta do coleccionador.

 

O museu de Pinho - e Júdice

 

 

Nem de propósito!
 
Na sua edição de hoje, pág. 27, o jornal “Público” dá notícia de que “O ministro da Economia e Inovação, Manuel Pinho, revelou sábado que o projecto arquitectónico do novo Museu Nacional dos Coches, a construir na zona de Belém, em Lisboa, está concluído e vai ser apresentado publicamente em Julho. ‘Vai ser uma obra arquitectónica marcante’, comentou o ministro durante uma visita ao Algarve [ao ALLgarve?]. Questionado pela agência Lusa sobre a data do arranque da construção do museu, projectado pelo arquitecto brasileiro Paulo Mendes da Rocha, Manuel Pinho afirmou que as obras deverão começar até ao final do ano. ‘Já vi a maqueta final e gostei muito’, comentou, elogiando a qualidade do trabalho do arquitecto que em 2006 recebeu o mais importante galardão mundial da arquitectura, o prémio Pritzker.”
 
Essa é uma das tarefas concretas da Sociedade Frente do Tejo, presidida por um convertido ao socratismo e ex-mandatário da candidatura municipal de António Costa, José Miguel Júdice, embora, em abono da verdade, para o quadro ser completo, não falte também a orientação de António Mega Ferreira, que passou directamente de director de campanha da candidatura de Mário Soares para Presidente do Conselho de Administração do Centro Cultural de Belém, em que aliás, ao longo deste ano, tem seguido uma político auto-comemorativa do 10 º aniversário da EXPO-98, não hesitando sequer em reescrever história para ir forjando a sua própria narrativa.
 
«Somos um país muito merdoso!”, afirmava o ano passado Júdice. “Quem governa tem de se encher de paciência, tem às vezes de ter vergonha de quem está a governar. Mas tem de aguentar. Porque ninguém é obrigado a governar. Quem foi para lá foi porque quis”.. As palavras fiquem com quem as prefere, já que “vergonha” certamente é algo de que Júdice não sente falta.
 
E, claro, no meio disto, continua desaparecido na Ajuda quem é o titular nominal da Cultura.

 

Estado da Arte -Arte do Estado?

 

 

 

Está entretanto em linha na artecapital a nova crónica do Estado da Arte, a que atribuo especial relevo, pelos factos que sumaria e a questão que coloca: “Arte do Estado?”
 
 
“Num conjunto de artigos sobre ‘Arte e sistema’, em 2003/05, entendi trazer claramente ao debate público a consideração de como um conjunto restrito de mediadores privilegiados se constituíam numa esfera autónoma e num exorbitante poder próprio, uma ‘nomenkultura’. Forçoso é constatar agora que essa situação se agravou com muitos mais directas imbricações em instâncias do poder político executivo.”
 
Em particular abordo o intervencionismo do Manuel Pinho no domínio artístico, de resto tanto mais notório quanto não há praticamente sinais de ministro da Cultura, e a sua promiscuidade com as iniciativas do BES no campo da fotografia, designadamente de iniciativa de sua mulher, Alexandra Fonseca Pinho.
 
Não é contudo o único exemplo de um enviesamento de intervenções culturais públicas.
 
“A objectiva legitimação do sistema instituído de promiscuidades, concretiza-se no facto do assessor para a cultura do primeiro-ministro ser o crítico e programador que por si só representa exponencialmente esse sistema, Alexandre Melo …com o protagonismo descomplexado e sem princípios que há muito exerce, pelo menos desde o ano de 1986 em que fazia a capa desse manifesto social de distinção que foi ‘A Idade da Prata’, um vértice que justifica consideração própria.”, em próxima crónica.
 
È uma perspectiva sobre uma situação gravosamente inquinada.
 
 
 

 

"Europe's West Coast" - "The inland"

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Para além de todos os outros aspectos, alguns até eventualmente controversos em termos factuais, há um facto indesmentível na sequência dos dados que o “Público” noticiou: o Eng. Técnico José Sócrates Pinto de Sousa assumiu a autoria destes projectos. E isso é si mesmo um facto estético e cultural medonho, um facto político também.
 
O homem que reclama a asssinatura destes projectos foi depois, nomeadamente, Secretário de Estado do Ambiente e Ministro do Ambiente com a tutela do ordenamento do território – do ordenamento do território, sublinhe-se bem. É agora Primeiro-Ministro de um governo que no seu arsenal propagandístico inclui o novo-riquismo da mais recente colecção fotográfica encomendada pelo ministro Manuel Pinho, esse exemplo de parolice consumada que é a campanha “Europe’s West Coast”.
 
Pois, será a “west coast”, mas no “inland”, no interior, como afinal no caos urbanístico de tantas autarquias, não faltam exemplos à revelia dos mais elementares padrões estéticos, arquitectónicos e de qualidade de vida, exemplos como estes de autoria assumida por José Sócrates.
 
A este respeito, transcrevo um mail do arquitecto Pedro Gadanho:
 
Um país de patos bravos
Num momento em que Portugal se procura relançar como West Coast, o último pequeno escândalo que envolve o nosso PM é apenas patético. Para além da eventual ilegalidade dos actos praticados, o que aqui se joga é a imagem de uma cultura nacional. Trata-se dessa cultura bacoca e mal-formada que tarda ainda a revogar um Decreto-Lei, o famigerado 73/73, que simplesmente devolverá a competência de projecto àqueles com quem sempre deveria ter estado. Trata-se da cultura que durante algumas gerações premiou a chico-esperteza e a saloiice. Se, num contexto de mudança, os erros de juventude fossem realmente para se corrigir, se esta cultura fosse mesmo para superar, esperar-se-ia que Sócrates aproveitasse esta tragicomédia para fazer o mea culpa e procurar mudar a paisagem. Quando envereda por desculpas esfarrapadas, quando afirma a sua autoria dos projectos agora vindos a lume, o PM esquece o essencial: são aquelas imagens e aqueles crimes estéticos contra a paisagem que é preciso combater. Lançar uma West Coast cujo PM se declara ufano autor de tais projectos é um contra-senso de marketing político.
 
Pedro Gadanho, arquitecto
 
 
Para além das questões específicas que dizem respeito ao exercício da actividade dos arquitectos – o tal malfadado Decreto-Lei 73/73 que abriu a capacidade projectista a outros -, mas que no fundo nos afecta a todos e à paisagem construída do país, importa sublinhar que “são aquelas imagens e aqueles crimes estéticos contra a paisagem que é preciso combater” , e que “lançar uma West Coast cujo PM se declara ufano autor de tais projectos” não é apenas “um contra-senso de marketing político” mas ainda mais soa descaradamente a uma feira de vaidades.
ADENDA – O texto de Pedro Gadanho figura hoje também nas cartas ao director do “Público”.