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Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

Pacheco ou a fúria dogmática

 

 

A propósito de Pacheco Pereira, e para as coisas serem pela minha parte devidamente claras, trago para aqui duas referências feitas em recentes crónicas do “Estado da Arte”:
 
 
“Na opinião publicada em Portugal existe uma forte hostilidade à criação cultural, aos apoios a essa criação e às estruturas vocacionadas para a arte contemporânea nos seus diferentes campos, há uma estigmatização dos pretensos ‘subsídiodependentes’ que toca mesmo as raias do delírio, e de que o principal expoente e manipulador é Pacheco Pereira (só a pura cegueira pode ‘explicar’ que, por exemplo, a propósito da crise na Câmara de Lisboa tenho escrito isto: ‘O único exemplo a seguir é o de Rui Rio. Apareça alguém a dizer que vai seguir o exemplo do Porto, ouça-se o ‘espernear’ dos animadores culturais a dizer que o ‘contabilista’ está a matar a ‘cidade’, e Lisboa pode vir a ser finalmente governável’ – ‘Sábado’, 10-05-07).”
 
A intervenção do Estado na área da cultura é (ainda) objecto de reticências e refutações. Todavia, na complexidade das sociedades contemporâneas, e no relevo nelas acrescido dessa área cultural, essa intervenção é justificada pela defesa da diversidade, pela necessidade de mecanismos de redistribuição territorial e social, pelo apoio à criatividade nas suas mais variadas manifestações e processos e pela promoção da imagem externa de um país.
 
 
A associação de um ministério da Cultura – ou mais genericamente da intervenção do Estado nesse campo - a uma entidade de propaganda é assim uma comparação que não colhe, porque o seu campo de regulação e intervenção se funda nos princípios fundamentais do Estado democrático, na tripla vertente da universalidade (o conjunto das políticas destina-se ao conjunto dos cidadãos), do respeito pela soberania individual e de representação externa. Aliás, não deixa de ser irónico, mas também sintomático, que o principal veiculador desse tese no espaço público em Portugal, Pacheco Pereira, seja ele mesmo um caso ímpar (e mesmo insólito) de interventor obsessivo no sentido de condicionamento da agenda política e mediática – ou, dito de outro modo, um caso ímpar de especialista em propaganda própria.”
 
E não é igualmente de passar despercebido um recente comentário seu quando da substituição de ministro da Cultura e que está em linha aqui:
 
“As mudanças da ‘Cultura’... significam quase sempre mais mudanças na clientela do que mudanças na política. Num sector tribalizado até ao limite, o que muda é a tribo próxima do Ministro, e quem perde é a tribo longínqua. Em função da distância aos subsídios , claro.
O novo ministro chega lá com ideias, gostos, opções diferentes do anterior: gosta mais de teatro de revista, mais de ópera, mais de cinema, mais do grupo A ou do grupo B, mais do fado ou de Emanuel Nunes, vai ao CCB ou à CGD, à Gulbenkian ou a Serralves, dá-se com os bolseiros da escrita ou com os actores da ‘Rivolução’, está mais com os críticos do Actual do Expresso, do ex-DNA do Diário de Notícias ou com os do Ipsilon do Público, e por aí adiante conforme as tribos. Como nunca há dinheiro que chegue para todos os gostos e tribos, há sempre uma insatisfação activa na ‘cultura’. É só uma questão de tempo até haver outro abaixo-assinado na Internet.”
 
Raia o delírio insinuar que a grave crise orçamental da Câmara de Lisboa é minimamente consequência do muito escasso item para a Cultura, que aliás não se expressa tanto em subsídios, ou antes, “apoios à criação” (pois é disso que se trata), mas em funcionamento de instituições. E é típico do pensamento grupuscular – como se, digamos, epistemologicamente, Pacheco Pereira nunca tivesse de facto consumado o corte com esse mundo político-ideológico em que aliás continua embrenhado, ao menos historiograficamente, inventariando e relatando os mil e um grupúsculos marxistas-leninistas-maoístas  – supor que os “mundos da arte” (para utilizar a terminologia de Howard S. Becker) mais não são que um conjunto de tribos em disputa.
 
Em coerência, devia Pacheco Pereira andar pelos campos do Iraque, à procura das tão proclamadas Armas de Destruição Maciça. Em vez disso, a famosa Marmeleira é o local do centro de controle de um “Big Brother”, passando em cuidadosa revista todos os media, e trabalhando nesse sistema mediático a nível exponencial, como colunista do “Público” e da “Sábado” e comentador da “Quadratura do Círculo”, além de muitas outras intervenções.
 
Os extractos literários que Pacheco Pereira coloca em linha são um puro gesto mecânico. Em vão se pode procurar nos seus escritos qualquer rasto de uma experiência estética recente, de uma ida ao cinema, a um concerto, a um espectáculo. A reiteração do cânone, no seu caso, é apenas a reafirmação obstinada do dogma.
 
Mas não que a cultura, ou as instituições culturais lhe possam ser de todo indiferentes, enquanto funcionário político.
 
Foi suficiente e justificadamente salientado o seu gesto de renúncia ao cargo de embaixador de Portugal junto da UNESCO, quando da posse do governo de Santana Lopes. Acontece que esse gesto, pelo inegável eco político que suscitou, também colocou na sombra algo que importava interrogar: a própria nomeação.
 
É de lembrar que Pacheco Pereira tinha sido cabeça de lista do PSD pelo Porto, e que nunca respondeu se ocuparia ou não esse cargo quando cessasse as suas funções de eurodeputado. Com a arrogância típica dos “iluminados” demonstrou ele a mais absoluta falta de respeito pelos eleitores. Mas mais: Pacheco Pereira não só é um adversário da intervenção dos Estados em matérias culturais, como, eminente neoconservador que é, despreza o sistema das instituições internacionais sob a égide da ONU, que qualifica de “olimpianismo”. Isso não obstou, contudo, quando a perspectiva do cargo se lhe colocou, de num primeiro  momento aceitar ser embaixador na UNESCO, a organização das Nações Unidas para a cultura.
 
A sua vontade controleira faz salientá-lo como caso ímpar de vocação totalitária no espaço público português, e isto deve ser claramente afirmado – afinal os resquícios do dogmatismo marxista-leninista ainda estão nele bem presentes. Mas mais: é a sua própria ética ou, com frequência, falta dela, que deve também ser interrogada – e, por agora pelo menos, nem sequer me estou a referir ao uso que faz em obras suas de investigações de outrem sem devidamente citar os autores, gesto tanto mais lamentável até quanto muita da sua produção historiográfica, como a biografia de Álvaro Cunhal, é obra de valor e já mesmo de referência (e sobre isto acrescento apenas que, pela parte que também me diz respeito, tenho as provas materiais suficientes, e posso apresentá-las). Mas talvez que para ele, no seu complexo de “Chefe”, de “Big Brother” mesmo, os outros sejam apenas “arraia-miúda”.
 
Por isso mesmo também quando há um campo que ele não domina, como a arte e a criação contemporâneas nas suas mais diversas facetas, nele impera antes a cegueira da desqualificação, a fúria do dogmatismo. E importa afirmá-lo em letra de forma, sem quaisquer subterfúgios.

 

Badiou ou a teologia marxista-leninista

 

Saint Paul au milieu du front
LE MONDE | 03.05.08
 
Austères, intraitables, ils sont restés fidèles à eux-mêmes. A la fin des années 1960, les jeunes "maos" se croisaient dans les couloirs de l'Ecole normale supérieure, entre une discussion avec le philosophe Louis Althusser et un séminaire du psychanalyste Jacques Lacan. Ils ferraillaient à propos de tel ou tel article publié par les Cahiers marxistes-léninistes, une revue où l'on pouvait lire en exergue les mots suivants : "La théorie de Marx est toute-puissante parce qu'elle est vraie."
                                                                                                                                                             Quarante ans plus tard, ces brillants sujets tiennent encore le haut du pavé parisien, partageant toujours une même conviction : qui veut le pouvoir doit détenir la vérité. "Ce sont des aristocrates qui méprisent la piétaille de Mai 68, remarque le philosophe Bernard-Henri Lévy, leur cadet de quelques années. Chez eux, il y a une jeunesse inentamée : l'enthousiasme spéculatif et la furie conceptuelle n'ont pas varié."
                                                                                                                                                                            Par-delà les ruptures personnelles, les clivages idéologiques, les ex-maos ont conservé bien des traits communs : d'abord, la certitude que le combat intellectuel est le seul qui compte vraiment. Ensuite, la conscience que, pas plus que les autres, cette bataille-là ne se mène avec des gants blancs. Enfin, un rapport terroriste au langage, déterminé par la haine du compromis, voué à l'intimidation d'autrui.
                                                                                                                                                                       Leurs joutes continuent de polariser une large partie du champ intellectuel français, où les avant-gardes ont d'autant plus d'impact qu'elles sont marginales : "C'est un jeu stratégique qui se déploie dans un mouchoir de poche, poursuit Bernard-Henri Lévy. Mais tous ont un rayonnement considérable, selon le principe de la microsecte à effets virulents. Et de même qu'il y eut jadis une génération structurée par le face-à-face entre ces deux enragés qu'étaient André Breton et Louis Aragon, de même il y a aujourd'hui une génération qui doit choisir entre deux sartriens, Benny Lévy et Alain Badiou."
                                                                                                                                                                                 Sur les ruines du maoïsme à la française, telle serait la nouvelle ligne de front. D'un côté, la petite troupe attachée à Benny Lévy. Ancien chef de la Gauche prolétarienne (GP), celui-ci a fait "retour" à la tradition juive, dès le milieu des années 1970. Dans l'Institut d'études levinassiennes qu'il a fondé en 2000, l'espérance radicale s'énonce désormais à la lumière de la Torah. Après la mort de Benny Lévy, en 2003, ses amis se regroupent autour du linguiste Jean-Claude Milner : "Milner, c'est une intelligence disponible, commente le psychanalyste Jacques-Alain Miller, ex-mao et gendre de Lacan. Le désir brûlant était celui de Benny, mais Milner sert son impulsion, il parle pour lui. C'est un travail de piété."
                                                                                                                                                                                        De l'autre côté, les disciples d'Alain Badiou. En mai 1968, ce paisible père de famille, qui enseigne la philo à Reims, bascule dans l'engagement politique, s'en allant diffuser ses idées à la porte des usines et dans les foyers d'immigrés. Un choix vécu sur le mode de la conversion : "Mai 68, pour moi, ce fut une chute sur le chemin de Damas, confie-t-il. Avant, je me considérais comme un écrivain ; ensuite, je deviens un militant dont la politique absorbe l'existence." Dans l'après-Mai 68, le philosophe fonde la groupusculaire Union des communistes marxistes-léninistes de France (UCFML). Et aujourd'hui encore, à 70 ans, il dirige un collectif baptisé "L'Organisation politique", qui s'investit essentiellement dans la solidarité avec les sans-papiers.
                                                                                                                                                                                        Parmi les figures intellectuelles du courant "pro-chinois", Badiou est le seul qui n'a pas bougé : dans son séminaire à Normale Sup', qui continue d'attirer chaque mois des centaines d'auditeurs, le professeur brocarde "le capitalo-parlementarisme" et cite abondamment Mao Zedong, dont il affirme que les écrits philosophiques devraient figurer au programme de l'agrégation.
                                                                                                                                                                   Depuis la disparition de Jacques Derrida, en 2004, Badiou est sans doute le penseur français le plus lu et le plus commenté à l'étranger. Ses livres se répartissent en deux catégories : les épais volumes théoriques, d'abord, où il puise dans les mathématiques pour bâtir une pensée de l'événement ; les essais de circonstance destinés à un large public, ensuite, dont le dernier en date, De quoi Sarkozy est-il le nom ? (Lignes, 2007), fait les délices de l'extrême gauche.
                                                                                                                                                                               A mi-chemin entre ces deux catégories, un autre ouvrage a semé la zizanie dans la galaxie des ex-maos français : Saint Paul. La fondation de l'universalisme (PUF, 1997). Sous la plume de Badiou, l'apôtre devient "un Lénine dont le Christ aurait été le Marx équivoque". Bien plus : selon lui, les Epîtres proposent une nouvelle figure du militant, et un credo universaliste pour demain. Contre la prolifération des "communautarismes", les textes de Paul permettraient d'en finir avec les "identités fermées" : au regard de l'universel façon saint Paul, c'est bien connu, il n'y a plus "ni Juif ni Grec, ni esclave ni homme libre, ni homme ni femme"...
                                                                                                                                                                                      Ses ex-concurrents de la Gauche prolétarienne ne s'y sont pas trompés. Dès sa parution, certains ont vu dans le livre de Badiou un authentique casus belli, une façon de déclencher cette "guerre métaphysique sur la notion même d'universel" annoncée par Benny Lévy. "Oubliez son nom !", lançait celui-ci, peu de temps avant de disparaître, à quiconque évoquait Badiou devant lui.
                                                                                                                                                                                      Par la suite, Jean-Claude Milner prend le relais. Ironie souterraine, allusions cruelles et notes assassines : texte après texte, et sans jamais le citer nommément, Milner fustige Badiou, dont il était naguère l'ami. Car, à ses yeux, l'urgence est là : il faut faire barrage aux "sectateurs de l'universel facile", qui confondent cet universel avec l'effondrement des identités, l'effacement des noms particuliers : ni Juifs ni Grecs... "L'universel selon Badiou est un universel en extension, fondé sur la conversion du plus grand nombre, affirme Milner d'une voix cristalline. Dans cette logique, est bon ce qui unit, est mauvais ce qui divise, pour paraphraser Mao... Or le nom juif est ici en position de cisaille. Depuis l'affaire Dreyfus au moins, il est le point d'achoppement, le point de honte de la belle langue française. Le nom juif divise au maximum, et c'est pour cela qu'il est porteur d'un autre universel, non plus en extension, mais tout en intensité."
                                                                                                                                                              Universel en "extension" contre universel en "intensité", fraternisation globale contre identités singulières, général contre particulier : à l'horizon de ces débats, il y a bien sûr plus d'un enjeu d'actualité. Mais il y a aussi une dispute autour de l'héritage sartrien, si central dans la conscience des gauches françaises : "Pour Sartre, l'homme n'est rien, il est néant, il ne peut pas exister sur le mode de l'identité, souligne Alain Finkielkraut. Mais Sartre admet que face à l'antisémite, celui qui s'assume comme juif mérite le respect. Si Benny Lévy est fidèle à l'homme Sartre, donc, c'est Badiou qui tire les conséquences de sa philosophie : pour lui, il n'y a rien ni personne, et surtout pas de juifs, car ils fournissent la matrice de toutes les identités à venir. Badiou, c'est Sartre moins la générosité ! Et voilà comment l'extrême gauche prend son tournant théologique : au moment où l'Eglise devient vraiment judéo-chrétienne en invoquant la première Alliance, ce sont les gauchistes qui la révoquent en enrôlant saint Paul !"
 
 
 
                                                                                                                                                                         Tournant théologique ? Alain Badiou dément. Et répond à ces critiques de plusieurs façons. Sur le mode du dépit personnel, pour commencer, en confiant sa nostalgie d'une certaine solidarité entre ex-camarades. Hier, il pouvait dire "nous les soixante-huitards professionnels". Maintenant, il déplore que ce "nous"-là fasse défection : "Ce "nous" était précisément tout sauf un nom...", souffle-t-il.
                                                                                                                                                                       Pour le reste, le théoricien maoïste est tenté de rabattre la polémique sur un axe gauche/droite, un partage classique entre progrès et réaction. A l'entendre, les critiques dont il est la cible marquent l'émergence d'un néoconservatisme dont l'originalité serait à la mesure de l'expérience mao : "Quand se mettent en place des figures inédites du conservatisme, observe Badiou, elles sont souvent liées à des retournements, au pivotement de gens qui ont été nourris par la tradition révolutionnaire. Or le maoïsme a été la grande nouveauté politique issue de Mai 68. Dans ces conditions, il n'y a rien d'étonnant à ce que ses militants continuent d'irriguer les nouveautés. Y compris les nouveautés réactionnaires !"
                                                                                                                                                                                    S'il n'en reste qu'un... Dans la famille des normaliens "lacano-maoïstes", Alain Badiou se présente comme celui qui ne s'est jamais "retourné". Ni vers l'ordre bourgeois, ni vers le ciel des religions. Et si certains le décrivent comme un chrétien qui s'ignore, Badiou, lui, proteste de son radical athéisme. Pourtant, même ses meilleurs soutiens sont tentés d'inscrire sa pensée dans le champ théologique : ainsi le théoricien trotskiste Daniel Bensaïd évoque-t-il une "philosophie guettée par la sacralisation du miracle événementiel", tandis que son collègue slovène, Slavoj Zizek, n'hésite pas à présenter Badiou comme "le dernier grand auteur de la tradition française des catholiques dogmatiques". Quand on lui rappelle ces propos, l'intéressé ne se défile pas. "A mes yeux, assure-t-il, il n'y a pas d'histoire transcendante. Mais quand on rallie une cause puissante, on s'inscrit sur une scène qui est plus vaste que soi-même. Dès lors qu'on aborde les motifs de l'appel radical, de la conversion, du nouvel homme... je vois bien qu'il y a une généalogie chrétienne, oui, bien sûr. C'est pour cela que j'ai écrit le Saint Paul." Ainsi, le plus "marxiste-léniniste" de nos philosophes prend-il toute sa part dans l'aventure métaphysique du maoïsme français.
 
Jean Birnbaum
Article paru dans l'édition du 04.05.08