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Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

Museus públicos, domínio privado?

 

Os museus são por definição e História instituições de interesse público, abertos à comunidade, aos visitantes. Esse é desde logo o princípio dos museus de domínio público, no sentido de estarem na dependência do Estado central ou da administração local ou regional, como em certos países, por exemplo em Espanha, o florescimento de museus de arte contemporânea em grande se devendo às instituições autonómicas, regionais.

 

Há museus privados. E há os museus de parceria pública-privada.

 

Existe em Portugal a Fundação e o Museu de Serralves, sempre apontado, e justamente, como caso de excelência dessa parceria.

 

E existem outros dois casos, bem mais controversos, O Museu Berardo e agora a Casa das Histórias Paula Rego.

 

 

 

Extractos da nova coluna O Estado da Arte em www.artecapital.net

Uma estratégia para os museus

 

 

A nomeação de Gabriela Canavilhas no governo Sócrates II foi acolhida entre a surpresa, a incredulidade perante alguém sem peso político e também, mais minoritariamente, alguma expectativa de que me fiz eco em crónica anterior. Passados alguns meses, verifiquemos os factos: por um lado mantêm-se a níveis residuais o orçamento do ministério, por motivos é certo justificados pela contenção e rigor de um OE determinado pela grave crise financeira do Estado, mas que ainda assim não deixa de ser sintomática da falta de consideração estratégica do sector cultural (por parte do governo mas também, diga-se, das oposições sem excepção), numa altura aliás em que ironia, veio a público um estudo elaborado pelo ex-ministro da Economia Augusto Mateus sobre “O sector cultural e criativo em Portugal” que inequivocamente concluí pelo relevo e dinâmica acrescida do mesmo.
 
Feita a ressalva estrutural e crónica, não podem todavia deixar de se referir as nomeações para os cargos superiores do ministério e as primeiras decisões políticas da nova ministra.
 
A ministra assumiu, de modo mesmo politicamente excessivo, o projecto excedentário e pernicioso do Museu dos Coches (“por mim já estaria feito”, disse), mas até ao momento teve os focos políticos mais intensos em dois aspectos muito positivos: um empenho na criação de uma Cinemateca no Porto, e justamente a área museológica, decidindo-se, contra o seu antecessor, pela manutenção do Museu de Arte Popular (defendida por um amplo movimento cívico), obra que para além do seu acervo próprio e potencial é exemplo único representativo de uma concepção cultural do Estado Novo, que importa preservar como parte da História, e dando a conhecer um Planeamento Estratégico do IMC que finalmente faz face às realidades.
 
São estes os tópicos da coluna O Estado da Arte na Artecapital.

 

A síndrome dos Coches

 

Quem tutela a “cultura” afinal?
 
 
 
 
O ministério da Cultura está paralisado, e depois de uma Isabel Pires de Lima que acumulou disparates e prepotências, o actual titular, José António Pinto Ribeiro, é o ministro inexistente. Quanto ao primeiro-ministro, o seu desinteresse pela Cultura apenas foi quebrado por uma intervenção que, de tão demagógica, tem de ficar registada – a sua participação, a 9 de Janeiro passado, no anúncio do lançamento do programa INOV-ART proclamando que “É isso que estamos aqui a fazer: dar mais oportunidades aos jovens no domínio da cultura e para que afirmem internacionalmente o nome de Portugal”, ditame que é no mínimo causador de estupefacção.
 
A verdadeira oposição, ou o sujeito de um discurso de tal modo consistentemente crítico que não pode deixar de ser considerado de oposição, estava afinal na bancada da maioria, e até era dela vice-presidente, mas silencioso: o ex-ministro Manuel Maria Carrilho produziu um documento que é um diagnóstico arrasador.
 
“Uma legislatura perdida?” pergunta-se mesmo ele, constatando o malogro (total) do Compromisso para a Cultura do programa do governo socialista
 
Acontece, todavia, que há no governo quem, não sendo tutela, se interesse por matérias culturas ou certas matérias culturais.
 
Tomemos o caso tão polémico e extravagante do novo Museu dos Coches. Quem [o] quis afinal?
 
A resposta está na evidência dos factos: a responsabilidade incube à Sociedade Frente Tejo, da esfera do ministério da Economia. Enquanto Pinto Ribeiro é inexistente, Manuel Pinho gosta de dar nas vistas e de iniciativas vistosas.
 
Embora presumivelmente a maioria parlamentar chumbasse a iniciativa, propor em plenário a chamada à comissão de Cultura de ambos os ministros para esclarecer quem de facto tutela o quê, eis o que era mais que justificado pelos factos desta “legislatura perdida”, como este extravagante projecto de novo Museu dos Coches surgido na esfera do Ministério da Economia e Inovação – desta balofa “inovação” que é a síndrome que agora atingiu os centenários coches.
 
 
 
Extractos da coluna O Estado da Arte em linha na ArteCapital.

 

 

 

 

Os novos africanistas - II

 

 

 

Feitos os considerandos gerais, há a notar que este anúncio é verdadeiramente extraordinário a nível do governo e da Câmara de Lisboa.
 
Não posso, uma outra vez, deixar de relembrar o que consta do Programa do Governo:
 
“A política cultural para o período 2005-2009 orientar-se-á por três finalidades essenciais. A primeira é retirar o sector da cultura da asfixia financeira em que três anos de governação à direita o colocaram. A segunda é retomar o impulso político para o desenvolvimento do tecido cultural português. A terceira é conseguir um equilíbrio dinâmico entre a defesa e valorização do património cultural, o apoio à criação artística, a estruturação do território com equipamentos e redes culturais, a aposta na educação artística e na formação dos públicos e a promoção internacional da cultura portuguesa. A opção política fundamental do Governo é qualificar o conjunto do tecido cultural, na diversidade de formas e correntes que fazem a sua riqueza do património à criação, promovendo a sua coesão e as suas sinergias.”
 
O que se vem passando, como bem (ou mal) sabemos, é o inverso: asfixia financeira reforçada, desqualificação, secundarização.
 
E de onde vem o dinheiro? Pois, das empresas que têm negócios em África: "a banca, a EDP, têm estratégias de projecção para o futuro que passam pela África para além dos PALOP". Se nos lembrarmos da demarcação do BES em relação às declarações de Bob Geldof, demarcação submissa para com a cleptocracia angolana, isto não augura nada de bom – porque há um factor nada dispiciendo a considerar que é o de muitos artistas africanos terem posições críticas ou conflituais com os poderes dominantes.
 
Mas diria que ainda mais extravagante do ponto de vista político é o investimento da CML.
 
Sabe-se a sua apertada situação financeira. Mais: para angariar fundos, e de modo mesmo indecoroso, alguns espaços públicos (pelouro do vereador Sá Fernandes) estão a servir para publicidade, como dois dos espaços mais nobres de Lisboa, o Terreiro do Paço e o Marquês de Pombal, que de modo literalmente obsceno são agora campo de publicidade da TMN.
 
Não há dinheiro para a EGEAC, a empresa gestora dos equipamentos culturais, e para os teatros municipais. E há uns meses atrás foi mesmo cancelada uma iniciativa que nos três últimos anos vinha tendo êxito, público crescente e repercussão – pois imagine-se que era o África Festival! Agora vá lá compreender-se – ou antes, compreende-se que desta vez arrastando a deficitária Câmara Municipal de Lisboa, houve o “Quero, mando e posso” de Sócrates, que fará a apresentação oficial do África.Cont. no próximo dia 9.
 
No meio disto tudo se prova uma vez também a inexistência política de José António Pinto Ribeiro, o qual, como vai sendo hábito, fica na Ajuda, vendo lá do alto passar os navios.
 
Logo abaixo, o seu solicito colega da Economia e Inovação, Manuel Pinho, ocupa-se do pólo museológico e turístico de Belém, com o novo Museu dos Coches (que na situação actual dos museus portugueses estava longe de ser uma prioridade), obra de um laureado do Prizkter (o “Nobel” da arquitectura), o brasileiro Paulo Mendes da Rocha, e da construção dos módulos 4 e 5 do CCB.
 
Mas porque me hei-de eu queixar? O África.Cont. ficando nas Tercenas do Marquês, entre as Janelas Verdes e a 24 de Julho, passo a ter na vizinhança três museus ou centros, o de Arte Antiga, o nóvel do Oriente e depois este, um autêntico  “museum district bis” – chic a valer!

 

Os novos africanistas - I

 

 

 

 

Uma vaga assola o país: a dos centros culturais e dos centros de arte contemporânea. Bom seria que tivesse consistência, mas infelizmente, para além de alguns casos de trabalho continuado e gestão qualificada (Guimarães, Braga, Guarda, Viseu e poucos mais), o que na maioria dos casos se verifica é a ambição espalhafatosa de alguns edis, que uma vez feita a obra a deixam ao deus-dará, sem conteúdos e programação.
 
Também já tivemos recentemente uma ministra, a ilustre confrade queiroziana Isabel Pires de Lima, que sonhava com museus: era o Museu do Mar da Língua nos edifícios que restam do Museu de Arte Popular e o Museu do Multicularismo na Estação do Rossio em Lisboa, o de São João Novo no Porto. Além, claro, do megalómano pólo do Hermitage.
 
Faça-se ao menos ao sucessor, José António Pinto Ribeiro, a justiça de notar que deixou calmamente cair esses projectos – e ter-se descomprometido é do pouco que conta no seu activo.
 
Eis que agora, segundo o “Público” de sábado, e na sequência da cimeira euro-africana de Lisboa de há um ano, se anuncia um novo projecto retomando os piores equívocos “multiculturais” (ou “inter-culturais” como passou a estar na moda) dos projectos do Mar e da Língua e do outro para o Rossio, a uma escala muito mais relevante: o Africa.Cont, não um museu mas um centro pluridisciplinar dedicado às artes contemporâneas africanas. E porquê? Por vontade política de Sócrates, e do seu mote, “Quero, posso e mando”, em associação com o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, António Costa.
 
Vamos por parte.
 
Em primeiro lugar, o próprio conceito de África, pesem ainda as ideologias pan-africanistas, engloba duas entidades histórico-culturais bem diferentes, o Magreb islâmico e a África negra sub-saariana – e hoje em dia, de algum modo já também de forma autónoma a África do Sul.
 
Haverá que reconhecer ser um pouco estranho que, independentemente do Museu de Etnologia, não haja um espaço museológico dedicado às culturas que foram as da África Colonial portuguesa, ao que agora se chama “artes primeiras”, consagradas no Museu do Quai Branly aberto no ano passado em Paris.
 
Mas, independentemente disso, é óbvio que há em Portugal um enorme desconhecimento das artes contemporâneas africanas.
 
Doeu-me imenso verificar, em Junho do ano passado, quando morreu o senegalês Ousmane Sembene, o autor que praticou procedeu à “invenção cinematográfica de um continente”, a África negra, que o facto quase tivesse passado despercebido na imprensa portuguesa. Estou curiosíssimo de ver Teza, o primeiro filme em quase 10 anos do etíope expatriado Hailé Gerima (que noutros tempo, quando o Festival da Figueira da Foz era um nosso ponto de encontro obrigatório, obteve o Grande Prémio, em 1976, com A Colheita dos 3 Mil Anos),que esteve no recente Festival de Veneza. Por cá é nulo ou quase o conhecimento dos fotógrafos malianos Seydou Keita e Malick Sidibé. Há vários coreógrafos africanos interessantes e, como bem se sabe (e muito também se não saberá) inúmeros músicos importantes.
 
Agora atenção: o reverso do preconceito colonial tem sido uma certa condescendência “multiculturalista”, que entendo a seu modo como a outra face de uma atitude neo-colonial: por exemplo, solicitam-se “artistas africanos” não pelo seu intrínseco valor enquanto “artistas” mas porque são “africanos”. Esse foi a meu ver aliás o aspecto contestável da acção de António Pinto Ribeiro (inevitavelmente ouvido no trabalho do “Público”) na Culturgest, prolongado agora nalgumas das suas iniciativas na Gulbenkian.
 
Podia ser frutuoso, em abstracto, que houvesse vontade política de lançar pontes, mas este projecto para "perpetuar esta realidade de Lisboa ser a ponte entre a Europa e África" (António Costa dixit) vem ainda do fundo histórico-colonial, e não tem sentido nas geografias humanas e culturais de hoje – não há “A ponte”, mas vários espaços privilegiados como Paris e a França em geral, ou até Berlim, com nomeadamente a actividade da Haus der Kulturen der Welt.

 

Dez pontos sobre o Museu Berardo

Daniel Buren: “Projecto-Soprar: Deambulatório”
(em “Um Teatro sem Teatro”)
 
 
Por falar na exposição Um Teatro sem Teatro no Museu Berardo: Dez pontos sobre o Museu Berardo é a minha crónica "O Estado da Arte" deste mês na Artecapital.net. Sem prejuízo de manter presentes os termos poucos acautelados para o interesse público do acordo entre o Estado e o investidor e coleccionador José Manuel Rodrigues Berardo, ou a amputação numa importante entidade pública cultural como o CCB de uma sua componente estrutural, há também que fazer uma apreciação do Museu e da sua programação com a experiência de sete meses passados, o que deve ser autonomizado das susceptibilidades que suscita e justifica a pessoa concreta do investidor.
Essa mostra veio também pôr em evidência que o espaço que era o do Centro de Exposições do CCB continua a ser uma plataforma de acolhimento de exposições temporárias, embora também a sua concreta montagem não deixe de manifestar alguns problemas de exiguidade – isto para além das questões, essas intrínsecas à própria exposição, de mesmo numa tão importante proposta interdisciplinar ser ainda assim dado um muito maior concreto relevo às obras, autores e matérias reconhecidos como do campo das artes visuais, em detrimento das propostas teatrais e performativas, um aspecto a abordar em textos mais detalhados sobre a exposição.

Museus, uma farsa exemplar (I)

 

 
Por socrática graça, é Isabel Pires de Lima senhora ministra da Cultura. À eminente literata justa homenagem acaba de ser prestada com a sua entronização na Confraria Queiroziana, momento solene que uma magnífica fotografia de Paulo Pimenta no “Público” de hoje, que com a devida vénia se reproduz,  fixou para memória futura – dando-se como certo que é daquelas fotos que não nos sairá da memória.
 
Por socrática graça mas para nossa desgraça é Isabel Pires de Lima ministra da Cultura. E terá de ser dito, volvidos mais de dois anos e meio, que a acção e a postura da actual titular da Cultura ombreará certamente com as duas malfadas gestões santanistas, a do próprio enquanto secretário de Estado e, sendo Santana Lopes chefe do governo, a da sua ministra Maria João Bustorff.
 
Diz ela, em proverbial exercício de auto-estima: “Em consciência, não vejo razão que haja objectivamente razões que motivem o primeiro-ministro a remodelar a pasta da Cultura. Pelo contrário” (“Expresso” 29- 09-07). A declaração é insólita, já que remodelações são da competência própria e exclusiva do primeiro-ministro, e não cabe a ministro nenhum postular a sua inamobilidade. Mas tratando-se de Pires de Limes, só lhe faltou mesmo acrescentar como o outro: “Jamais, jamais”, en français dans le texte, quais passagens parisienses d’A Cidade e as Serras.
 
Certo é que, que tendo embora já sido ela por duas vezes desautorizada pelo primeiro-ministro (nos casos da Casa da Música e da colecção Berardo), não menos é ela a figura ornamental adequada para a tecnocracia pusilânime da gestão socrática, pouco afecto que é o primeiro-ministro ao investimento cultural.
 
Ainda assim destoa do padrão vigente, porque em matérias de planos tecnológicos e gestão propagandística está a senhora ministra manifestamente desfasada. Vai-se à página do ministério da Cultura e a última notícia informa-nos que iria ela estar presente na abertura da exposição “Encompassing the Globe: Portugal and the World in the 16th and 17th Centuries” em Washington, ocorrida a 20-06.
 
Justiça seja feita, não é que da actividade da senhora ministra da Cultura não haja outros ecos. Assim, por exemplo, a 17-07-05, informava a agência de informação iraraniana: “Deputy Head of Iran's Tourism and Cultural Heritage Organization for Communication Affairs Mohammad Hassan Atrianfar met with Portuguese Culture Minister Isabel Pires de Lima on the sidelines of an exhibition dubbed `7000-Year Persian Art'. The Portuguese minister expressed her country's willingness to boost cultural cooperation with Iran and termed the Iranian works being on display at the exhibition as ‘surprising’. She then accepted an invitation presented to her by the Iranian official to pay a visit to the Islamic Republic in the near future" (www.iranmania.com... ).
 
Embora já tendo andado pelas Arábias, não nos chegaram ainda notícias da prometida visita à República Islâmica do Irão. Mas o fascínio da senhora ministra Pires de Lima pelas autocracias está ora patente na exposição do Hermitage, montada na Ajuda, no palácio sede do ministério, com um custo de 1,5 milhões de euros, a que acrescem os 850 mil que, para acolher a montagem, foram necessários às obras na galeria de D. Luís. Isto, num sector, a Cultura, e num sub-sector, o museológico, claramente suborçamentados.
 
“Provincianismo atroz”, exclama a ilustre queiroziana perante as críticas à operação-Hermitage. Em tão elevada auto-estima, sucede à senhora ministra Pires de Lima ser obnubilada pela própria imagem e involutariamente se auto-classificar.
 
Sucede que, azar, logo a realidade veio bater à porta, e com isso uma inequívoca demonstração, mais outra, do que é o carácter político de Isabel Pires de Lima: falo de trapalhadas e incapacidades do Instituto dos Museus e da Conservação, IPMC.

Museus, uma farsa exemplar (II)

Já em Março passado, a falta de vigilantes tinha obrigado museus a encerrar ao público parte das suas salas. Sucedeu isso nomeadamente no Museu Nacional do Azulejo, MNA, e no Museu Nacional de Arte Antiga, MNAA. A directora do MNAA, Dalila Rodrigues, que vinha prosseguindo uma enérgica acção de revitalização pública do museu, fez-se então ouvir, “indignada com a situação”. O mesmo não se notou da parte do director do MNA, Paulo Henriques, o que aliás nada teve de surpreendente, já que sob a sua direcção um museu que tem um acervo patrimonial dos mais distintivos, vinha definhando na notoriedade que deveria ter, designadamente traduzida na perda de visitantes.
 
Mas nessa situação e noutras, tinha Dalila Rodrigues feito ouvir a sua voz. Era caso para dizer que estava a traçar o seu destino. Recém-inaugurada uma nova exposição no MNAA dedicada ao Tapete Oriental, exposição de um âmbito sem precedentes no capítulo das chamadas artes decorativas, e quando Dalila Rodrigues ia apresentar a sua directa tutela do IPMC os planos próximos, com destaque para uma exposição Zurbáran, recebeu guia de marcha do director do Instituto, Manuel Bairrão Oleiro, sendo muito “apropriadamente” substituída pelo obediente Paulo Henriques.
 
Em tempos idos, ainda de expectativa mesmo que reservada, que a governação ainda era então só de sete meses, e quando os novos responsáveis da tutela procederam às primeiras nomeações, escrevi um texto, “Cultura, nomeações e (in)competências” (“Público” de 20-10-05).
 
“Sucede por vezes que o PÚBLICO seja um jornal desconcertante, sobretudo para os seus leitores mais atentos e dedicados. Aconteceu isso a propósito das nomeações para cargos directivos no Ministério da Cultura. Fiquei estupefacto pela notícia na secção de Cultura, a 1/10, com chamada de primeira página, taxativamente enfatizar ‘Ministra da Cultura troca chefias e coloca quadros ligados ao PS’, ‘todos ligados ao PS’, como era afirmado em relação a Elísio Summavielle, Jorge Vaz de Carvalho e Jorge Couto, nomeados respectivamente directores do Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR), Instituto das Artes (IA) e Biblioteca Nacional (BN). E depois, qual não foi o meu espanto quando a 7/10, no exercício semanal de ‘Sobe e desce’ na secção de Política, me deparo com uma seta para cima graciosamente atribuída à ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, por ter procedido a essas mesmas substituições. Sobre um acto relevante de política cultural, as secções de Cultura e de Política deste jornal tiveram leituras distintas, senão mesmo opostas. Relembro o facto não só porque ele me desconcertou, mas também porque assinala que na própria redacção do PÙBLICO houve entendimentos diferentes daquele que foi expeditamente o da secção de Cultura”. Para concluír eu: “A prova da falta de verdadeira vontade política nestas nomeações é a recondução no Instituto Português dos Museus de Manuel Bairrão Oleiro”.
 
Mas eis agora que, numa sucessão de poucos dias, de novo a falta de vigilantes obrigou museus a encerrar parte das salas de exposições (e, por exemplo, no MNAA, a entrada pela própria Rua das Janelas Verdes, que Dalila Rodrigues tinha reaberto, está de novo fechada) e é público que não só o IPMC não tem verba para comprar um quadro de Tiepolo, Deposição de Cristo no Túmulo (um Tiepolo!, note-se bem), como também que para a senhora professora Pires de Lima o ministério não tinha conhecimento de uma e outra situação, por as mesmas não lhe terem sido comunicadas pelo IPCM. E mais ainda, que – imagine-se – a situação de escassez de verba para pagar aos vigilantes seria tanto mais incompreensível para a senhora ministra"quando o IMC é dos organismos mais reforçados no Orçamento de 2008" – cabendo-nos perguntar como um anunciado reforço para o próximo ano deveria ter colmatado a escassez de meios de gestão corrente em 2007, isto enquanto na operação-Hermitage se gastaram 1,5 milhões mais 850 mil euros.
 
Para a senhora ministra Pires de Lima, ora enfim ilustre Grã-Louvada da Confraria Queiroziana, nem as verbas investidas no Hermitage têm relação com a suborçamentação dos museus, nem o ministério é responsável pelos lapsos do IPMC.
 
Mas se para algumas coisas nada tem a ver, nem por isso Pires de Lima, depois da pública reprimenda, deixa de reiterar a confiança em Bairrão Oleiro. O conto é exemplar, do que é incompetência e falta de carácter político de uma governante, e daquilo para que serve um seu fiel director de Instituto: para lhe garantir obedientes funcionários, sempre prontos, mesmo quando humilhados, às normas do servilismo vigente. É a grave farsa da incompetência e mesmo do descalabro em vigor no ministério da Cultura.