Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

Casa da Música - III

 

 
Neste quadro de balanço e perspectivas da Casa da Música não quereria cometer uma omissão, sobre algo que é já em si mesmo uma omissão: a ausência - ou exclusão, não sei -  de Anthony Wittworth Jones, que foi o primeiro director artístico da instituição.
 
Certo, houve muito equívocos, mesmo jogadas e faltas de transparência, na nomeação do britânico pela então Casa da Música/Porto 2001 S.A., conduzindo ao afastamento do projecto de Pedro Burmester. Mas à medida que se integrou e se foi inteirando do processo, o antigo director do Festival de Glyndebourne também compreendeu por ele próprio que, uma vez estatutariamente constituída a entidade responsável pela Casa, fazia todo o sentido que o Conselho de Administração entretanto nomeado optasse por um regresso de Burmester.
 
O que é certo é que em muito pouco tempo, dada a sua vasta rede internacional de contactos, Wittworth-Jones conseguiu trazer à novel Casa a Sinfónica de Londres, Brendel, Gardiner, etc., e assegurou para todos efeitos - ainda que com o elemento de continuidade, António Jorge Pacheco como coordenador de produção - as duas primeiras temporadas.
 
Falou-se na altura que, com Burmester como director artístico, ele pudesse permanecer como consultor. Desconheço as razões porque tal não se concretizou, se incompatibilidades, se limites de ordem financeira (e das questões de gestão da Fundação da Casa da Música falarei também). Certo é que houve momentos em que a programação se ressentiu nitidamente de uma certa ausência de nomes mais prestigiados, de cabeças de cartaz, a que aliás o público também tem direito – e Anthony Wittworth-Jones, que aliás continua a vir com regularidade ao Porto, bem pode ser o ponta de lança de relações nos circuitos musicais internacionais que também cabe à Casa da Música ter.

 

Casa da Música - I

 

 

Ao contrário da anterior, estas duas notícias, referentes à Casa da Música, não são novas, datam mesmo já de há meses, mas vem a propósito abordá-las – tinha aliás dito em tempos que me propunha uma abordagem sistemática das programações e questões correlativas do São Carlos (quanto a este, aqui, aqui e aqui), Gulbenkian, Casa da Música e CCB, as macro-instituições culturais.
 
Com escasso intervalo, António Jorge Pacheco foi anunciado em Junho como sucessor de Pedro Burmester na direcção artística e em Julho cessou uma curta experiência de cinco meses de Dalida Rodrigues na direcção de Comunicação e Marketing, um óbvio “erro de casting”, pouco conforme às suas capacidades – e é gratificante que entretanto lhe tenha sido endereçado por Paula Rego o convite para dirigir o futuro museu em Cascais, a Casa das Histórias.
 
O que parece bizarro é a determinação do administrador-delegado, Nuno Azevedo, de não preencher esse cargo de direcção de Comunicação e Marketing. Sabe ele perfeitamente, por certo, que essa é uma área vital, e por exemplo, no recente ciclo “À Volta do Barroco” creio que houve uma falta de investimento promocional específico - bem como até, no caso, de envolvimento do Serviço Educativo. E uma instituição como a Casa da Música não pode deixar de ter devidamente um Gabinete de Comunicação e Imprensa.
 
Quanto à saída de Pedro Burmester (na imagem), “pai” do projecto, ela teria de ocorrer mais cedo ou mais tarde, e não muito mais tarde, sob pena de comprometer a carreira artística própria do pianista. Do que foi a génese do projecto, do que foi já consolidado, lhe somos amplamente devedores – mesmo que em relação aos moldes com que o projecto foi anunciado haja coisas importantes por cumprir, o que já explicarei.
 
Em excepção ao que digo abaixo, compreendo que neste caso não tenha havido concurso público. António Jorge Pacheco está no projecto desde o início, é mesmo a única pessoa que sempre esteve no projecto, sem interrupções (já que Burmester esteve mais de um ano afastado dado o conflito com Rui Rio), é o principal obreiro do Remix, agrupamento de excelência da Casa, e tem também estado muito ligado à programação da Orquestra Nacional do Porto.
 
Mas isto dito, justificada a nomeação, e desejando-se os melhores auspícios ao novo director, há também que chamar a atenção para algumas reservas.
 
António Jorge Pacheco tem grandes responsabilidades no modo canhestro como surgiu primeiro uma híbrida Remix Orquestra e depois enfim a Orquestra Barroca Casa da Música, que ainda é muito frágil, e devia ser uma das prioridades. Sobretudo, 1) o modo como fez inscrever internacionalmente o Remix Ensemble ocorreu basicamente segundo a doxa vigente, com pouca autonomia e, 2) retomou da Gulbenkian o favoritismo nunesiano: foi indisfarçável intermediário fundamental na tristemente célebre entrevista de Emmanuel Nunes ao “Público” em que este, intriguista, anunciava ele próprio a próxima saída de Paolo Pinamonti do São Carlos; mesmo depois da catástrofe de Das Märchen (já estaria previsto antes, mas isso não altera o fundamental), Pacheco programou para Setembro do próximo ano uma nova obra de teatro musical de Nunes, em que o nepotismo chega ao ponto do dispositivo cénico ser do próprio compositeur portugais e da sua mulher e biógrafa, Hélène Borel, a qual é também responsável pelos figurinos!
 
A Casa da Música é demasiado importante e, por muito que falte ainda consolidar, já se impôs largamente. Como disse, compreendo neste caso a excepção à regra que defendo dos concursos públicos, e desejo os melhores auspícios ao trabalho directivo de António Jorge Pacheco. Mas também por isso mesmo as reservas ficam desde já claramente enunciadas.