Já tinha aqui referido como os sufrágios críticos nos Estados Unidos se dividem entre No Country For Old Men dos Coen e There Will Be Blood de Paul Thomas Anderson, bem como que, depois se ter distinguido na categoria de “melhor filme independente/experimental” pelos críticos de Los Angeles, Juventude em Marcha de Pedro Costa integrava também a lista da crítica do “New York Times” Manohla Dargis.
Entretanto, na “poll” do indieWIRE, a mais ampla, com 106 críticos votantes, Juventude em Marcha/ Colossal Youth também surge entre os “10 best”, 8ª posição mais exactamente, e votado ainda nas categorias de melhor realizador, actor, actriz secundária, fotografia e argumento.
Sobre essa lista, três notas para notar que, 1) o esplêndido Zodiac de David Fincher se intromete entre There Will Be Blood, nº1, e No Country For Old Men, nº3; 2) a lista confirma o caso singular que foi a redescoberta, 30 anos depois, do magnífico Killer of Sheep de Charles Burnett, verdadeiro ponto de partida do cinema afro-americano como o conhecemos (é difícil imaginar um Spike Lee sem o caminho aberto pelos filmes de Burnett, Killer of Sheep e My Brother’s Wedding), que regressou às salas e saíu da invisibilidade em que estava depois de restaurado no Film and Television Archive da UCLA; 3) assinalar ainda a presença, como o mais cotado dos filmes estrangeiros, de Syndromes and A Century de Apichatong Weerasethakul, um dos mais belos filmes que vi em 2007, e que passou no IndieLisboa.
Já agora, e a propósito dessa terceira nota, digo eu que nessa desporto das listas dos “melhores do ano” me faz confusão como em Portugal, ao contrário do que fazem os norte-americanos (pois, os norte-americanos...), se reduz o leque de opções às estreias comerciais; e então mais digo, e tão só isto, que as minhas escolhas pessoais, escolhas, não listas, incidiram em Cartas de Iwo Jima de Clint Eastwood, Natureza Morta de Jia Zhang-Khe e também Não Quero Dormir Sózinho de Tsai Ming-Liang, que passou no Indie e foi directamente para dvd.
A época das escolhas dos críticos note-americanos encerrou entretanto, como sempre, com a mais prestigiada de todas, a da National Society of Film Critics, anunciada no sábado: There Will Be Blood, melhor filme, realizador e actor, Daniel Daniel Lewis, Julie Christie, melhor actriz em Away From Her, Cate Blanchett, melhor actriz secundária como um dos vários Bob Dylan de I’m Not There, Casey Afleck, actor secundário em O Assassínio de Jesse James, e 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias, melhor filme em língua estrangeira.
A propósito, há um divertido (é um dos lados da questão) mas sintomático caso na distribuição portuguesa: é que a regressada Julie Christie, um dos mais inesquecíveis ícones dos “sixties” (oh, Darling!), começa a perfilar-se, no somatório de prémios, e atendendo a várias ponderações, como uma das favoritas para os óscares – e pouco são os “territórios” tão obcecados pelas distinções de Hollywood como Portugal. Pois sucede que Away from Her/ Longe Dela de Sarah Polley também foi directamente para dvd.
Benéfica consequência da greve dos argumentistas: os tão frívolos e desproporcionados Globos de Ouro foram entretanto mesmo cancelados, depois de a Guilda dos Actores se ter solidarizado com a dos Argumentistas.
A estreia hoje nos Estados Unidos de There Will Be Blood de Paul Thomas Anderson, numa “limited release” só em Los Angeles e Nova Iorque para o filme ser qualificável para os óscares, suscitou um delírio crítico como há muito não ocorria.
Inspirado em Oil de Upton Sinclair (e só o facto de alguém se lembrar de Upton Sinclair nos dias que correm já é surpreendente), de facto só na sua primeira parte, ou três capítulos iniciais, o filme relata a saga de um “capitalista da fronteira” (Daniel Day Lewis), prospector de ouro, cuja sorte muda quando do “boom” do petróleo no Sul da Califórnia na última década do século XIX.
Se apesar das diferenças de época não seria difícil advinhar paralelismos com O Gigante de Georges Stevens, tendo de resto grande parte da rodagem ocorrido na mesma zona de Marfa, no Texas, a lista de referências colhida nas críticas do “New York Times”, do “Los Angeles Times”, da “Slate” e do “Village Voice” é exponencial: Greed de Stroheim, Citizen Kane de Welles, O Tesouro da Sierra Madre de Huston, Chinatown de Polanski e até a abertura de 2001 de Kubrick!
Mesmo com delírios, de qualquer modo sinais das fortes paixões que o filme suscita, o que importa ressaltar é, além da ansiedade acrescida pelo filme, a autêntica consagração do autor de Magnólia, esse que é o mais singular dos actuais “wonderboys” do cinema americano (Quentin Tarantino, David Fincher, Gus von Sant ou Todd Haynes).
“California Burning” é o sugestivo título da crítica de Jim Hoberman no “Village Voice” (sim, depois de Magnólia, há novamente uma catástrofe de ecos bíblicos). E falando ainda do acolhimento crítico, os californianos foram os mais sensíveis, em concreto os críticos de Los Angeles que o votaram “melhor filme do ano”.
Houve mesmo uma espécie de divisória “West Coast”/”East Coast”, já que os críticos de Nova Iorque, Washington e Boston optaram por No Country For Old Men dos Coen, adaptado de Cormac McCarthy, os de Nova Iorque tendo ainda assim dividido láureas entre dois: melhor filme, realização, argumento e actor secundário (Javier Bardem) para No Country, melhor actor (Daniel Day Lewis) e fotografia (Robert Elswit) para Blood.
“No Country For Old Men”
A notar, pese ainda a divisão de favores críticos entre uma costa e outra, é a coincidência dos dois filmes terem contudo sido rodados na mesma zona do Texas (e a mansão usada para os interiores de There Will Be Blood já tinho sido cenário dos Coen em The Big Lebowski!), o que é importante enquanto indicador de um dado fundamental: um e outro retomam o grande espaço e a mitologia americana.
Era tempo de haver algo assim (de se criarem expectativas para algo assim), quando o grande imaginário americano parecia confinado ao mais solitário dos solitários, Terence Mallick (também esse citado a propósito de There Will Be Blood), e quando a indústria cinematográfica está dependente das pipocas, ou das “franchisings”, com os nº3 ao cubo, O Homem Aranha 3, Shrek the Third e Os Piratas das Caraíbas 3 que, juntamente com Transformers, foram os raros “blockbusters” do ano.
Entretanto, e falando em acolhimento críticos, houve de algum modo um eixo Los Angeles-Nova Iorque para Juventude Em Marcha de Pedro Costa, exibido no circuito paralelo. Depois dos críticos de L.A. o terem votado “melhor filme independente/experimental”, nos “ten bests” dos críticos do “New York Times” (em que há a prática bem mais límpida e salutar de cada um indicar as suas escolhas, em vez de uma votação corporativa), Manohla Darlis, depois de indicar There Will Be Blood e Zodiac “ex-equo” como os seus favoritos, continua a bater-se pelo filme de Costa, o único não-estreado comercialmente que fez questão de reter na lista: “This movie has not been picked up by an American distributor, making it hard for even intrepid filmgoers to see. If it makes it to DVD, I promise to let you know” – se alguém estiver interessado em tomar nota…
Só para não haver confusões a propósito destas várias “escolhas críticas”, recorde-se que Cartas de Iwo Jima de Clint Eastwood é um filme de 2006.