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Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

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"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

Perspectivas mozartianas - III

Mozart
Sinfonias nº38 “Praga” & nº41 “Júpiter”
Freiburger Barockorchester, René Jabobs
Harmonia Mundi

 

 

 

 

Uma vez que a referi no texto anterior, “recupero” agora esta gravação do ano passado. De resto seria desnecessário invocar pretextos para pôr em relevo este disco extraordinário, seguramente o mais notável e surpreendente registo de sinfonias de Mozart em anos recentes.
 
René Jacobs, como bem sabemos, foi cantor, um contra-tenor superlativamente admirável. A sua dedicação à direcção foi de par com o progressivo afastamento de cena como cantor. Não se tratou apenas de um facto ser paralelo ao outro. “Diriger c’est chanter” disse ele, e a sua actividade concentrou-se na direcção de óperas e oratórias, com algumas gravações, de Monteverdi, Cavalli, Caldara ou Alessandro Scarlatti que são das mais belas de toda a discografia do barroco. Depois veio também Mozart, em particular um admirável Così Fan Tutte que nos deu a ouvir, como nunca antes, as relações intricadas das linhas de canto e das madeiras. Mas abordar o repertório estritamente sinfónico é uma outra história.
 
Certo que essa nova faceta se prenunciava num disco com as Sinfonias nº 91 & 92 “Oxford” de Haydn, mas essas ainda acompanhadas de uma obra vocal, a Scena di Berenice. Este é pois o seu primeiro disco estritamente sinfónico – e que disco!
 
Ouça-se o primeiro andamento da Sinfonia “Praga”. Tem esse andamento uma eara em Mozart estrutura à la Haydn, com uma introdução Adagio ao Allegro. Ora, logo no ataque inicial afirma-se nesse Adagio um tom marcadamente teatral, qual Abertura do Don Giovanni. Com uma energia e mesmo um furore de excepção, com uma mestria esplendorosa dos contrastes, Jacobs e os Freiburger tornam esta interpretação da Sinfonia nº38 numa das magníficas da discografia.
 
Equiparáveis qualidades reencontram-se na Sinfonia “Júpiter”, nos transbordantes andamentos extremos, vivace, vivacíssimos mesmo, num caprichoso Andante cantabile, prodigioso no uso do rubato e dos contrastes tímbricos, num Menuetto já sem réstea de salão, qual antecedente directo dos scherzi beethovenianos.
 
De facto, um disco deveras extraordinário e por certo, em particular, uma das mais portentosas interpretações da Sinfonia nº38 “Praga”.