A crítica, razões
Desde meados dos anos 90, digamos que desde o último momento eufórico, a Expo-98, e também o fim da experiência Carrilho no ministério da Cultura, com o seu activismo, mas igualmente prebendas e séquitos, em 2000, e tendo em conta as reais dificuldades económicas de muitos jornais em Portugal (situação global, devido entre outros factores, à concorrência dos gratuitos e à diversificação de suportes, mas em Portugal muito agravada), nesse quadro geral, direi que se assiste agora a uma confluência particularmente dramática [à actividade crítica] de vários factores.
1) A esterilidade de um discurso académico (para não falar – e porque memória tenho – de casos de bajulação que são grosseiras falsificações factuais provindas de “críticos académicos”), cada vez mais ensimesmado na sua auto-reprodução – factor que, apesar de tudo, seria irrisório, não fossem os demais;
2) A nova qualificação dos jornalistas provindos dos cursos superiores, sobretudo na área cultural, que é facto indesmentível, não deixou de ter também um efeito potencialmente perverso, agravado pelos condicionamentos resultantes do fantasma da precaridade: é solicitada a esses jornalistas, e eles estão disponíveis, ou são mesmo voluntários, para escrever os textos sobre os objectos artísticos e os consumos culturais. As opções editoriais, aquilo que para os leitores são “as escolhas do jornal”, são suas, as críticas e críticos são um apêndice, tanto mais reduzido ao mínimo quanto agora, com o novo “Público”, se generalizou o modelo simplificado da sinalização pelas estrelinhas;
3) A homogeneização conservadora da opinião expressa na imprensa em Portugal é verdadeiramente alarmante – e o tropismo é tão patente que se torna daqueles que ao fim de algum tempo qualquer observador estrangeiro mais nota.
Ora este conservadorismo, arrogante e de diversos modos ignorante, como fazem gala de o exibir um Vasco Pulido Valente, um Pacheco Pereira, uma Filomena Mónica, ou um Vasco Graça Moura, para só citar os mais “destemidos”, tem da cultura e da arte uma noção anacrónica e patrimonial, formada nos livros, nos museus, talvez nalgum cinema dos seus verdes anos, na música e na ópera mas só até Richard Strauss, que nada de “modernices”.
Porque é este ponto sobremaneira importante? Porque na sua ignorância, e ignorância histórico-sociológica (e note-se que vários são historiadores e sociológos!) da mutação das condições técnicas e sociais de produção e difusão de alguns modos de arte, segregaram um insistente discurso de hostilidade aos ditos “subsidiodependentes”. Mas o que é mais grave ainda é que a insistência deste discurso tende a comprovar que o défice de legitimação simbólica e pública das artes de palco, em vez de se colmatar, pelo contrário agrava-se.
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O tipo de operacionalidade rápida de um blog formatou um tipo de “post” curto, para além de que a acessibilidade de cada um a essa tecnologia não implica a verificação de grelhas, competências e legitimidade como em princípio haverá na escolha de críticos por parte de um jornal ou uma publicação.
Tudo considerado, acabou contudo por ser a base tecnológico do blog que escolhi para dar continuidade ao percurso profissional de crítico e para o fazer em consciência e rigorosa independência, falando do que o desejo me suscita, repondo em linha o que bem entender, etc.
E é assim que, depois de tão longas divagações, me apercebo que afinal vim deixar aqui, nesta revista, uma despedida pessoal da crítica em papel, que sinceramente não estou a ver perspectivas de retornar. Uma despedida frise-se bem que pessoal, pois continuo a considerar que crítica é uma componente fundamental da imprensa e do espaço público. E uma despedida da crítica em papel, pelo que entendo ser o papel da crítica e os seus princípios.
Excertos de um longo texto, O papel da crítica, a crítica em papel e uma despedida pessoal, num dossier, O que é feito da crítica, no mais recente número, 20, da Revista dos Artistas Unidos – um texto de análise e uma explicação pessoal de razões.