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Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

Letra de Forma

"A crítica deve ser parcial, política e apaixonada." Baudelaire

Jacques Rivette - III

 

 

E com o mais recente filme, Ne touchez pas la hache, se inicia agora, às 21h30, a tão longamente aguardada retrospectiva na Cinemateca Portuguesa, que se prolongará até Abril, 31 anos depois daquela ocorrida na Gulbenkian, e que se concluiu com Noroit – ou seja, justamente o momento de crise do projecto da tetralogia “Cenas da Vida Paralela” – e no ano que será o do 80º aniversário de Jacques Rivette.

Rivette, o instante real e os fantasmas - I

 
 
“La Belle Noiseuse /A Bela Impertinente”
 
 
Este texto podia começar como segue: “A evidência é a marca do génio de Jacques Rivettel. O que é, é.”
 
Se digo que o “texto podia começar como segue”, em vez de introduzir directamente a citação, estou a instaurar uma hipótese que, ao referir-se a um texto prévio, estabelece a possibilidade de a citação ser pertinente, mas também de não o ser. Para averiguar da pertinência, não basta o axioma “o que é, é”, mas impõe-se um percurso em que a verificação da hipótese genérica se pode subdividir em particulares, umas condicionando as outras, delineando-se como um jogo. Um percurso rivettiano, precisamente.
 
A ci­ta­ção es­tá trun­ca­da. A fra­se, fa­mo­sís­si­ma, diz res­pei­to a Howard Hawks e a Mon­key Bu­si­ness. Jacques Ri­vette foi, sim, o seu au­tor. O tex­to, pu­bli­ca­do nos “Cahiers du Ci­né­ma” de Maio de 1953, foi o se­gun­do de Ri­vette na re­vis­ta e a pri­mei­ra crí­ti­ca im­por­tan­te à obra de Hawks, au­tor que em bre­ve iria ser equi­pa­ra­do pe­los “jo­vens tur­cos” dos “Cahiers” a Hitchcock — a fa­mo­sa ten­dên­cia hitchcoc­k-hawksia­na. Ho­je, o gé­nio de Hawks é uma evi­dên­cia; al­guém te­ve a cla­ri­vi­dên­cia de o ver pri­mei­ro. O que era obs­cu­ro, ou es­ta­va na pe­num­bra, tor­nou-se vi­sí­vel.
 
Ca­bera então re­cor­dar o que era, no Ri­vette/crí­ti­co, um re­gi­me de evi­dên­cias (e por­tan­to de vi­si­bi­li­da­de), que mais tar­de o Ri­vette/ci­neas­ta sis­te­ma­ti­ca­men­te re­la­ti­vi­za­rá, con­tra­pon­do às cla­ri­da­des as zo­nas das se­cre­tas obs­cu­ri­da­des.
 
Im­pos­sí­vel, en­tão, não re­fe­rir ou­tro ce­le­bér­ri­mo tex­to, fei­to tam­bém con­tra a cor­ren­te crí­ti­ca do­mi­nan­te na al­tu­ra — a “Lettre sur Ros­sel­li­ni”, em de­fe­sa de Via­gem em Itá­lia, pu­bli­ca­do em 1955, e que im­pli­ci­ta­men­te co­lo­cava as evi­dên­cias co­mo uma ques­tão de fé: “Eis o se­gre­do de Ros­se­li­ni, que é o de se mo­ver com um li­ber­da­de con­tí­nua e com um só e sim­ples mo­vi­men­to no eter­no vi­sí­vel: o mun­do da in­car­na­ção.”
 
Se Ri­vette re­to­mava o dog­ma, não dei­xa de no­tar co­mo ele se re­ve­la: não num de­sen­ro­lar pre­via­men­te de­ter­mi­na­do de um pro­gra­ma fic­cio­nal, mas no mo­vi­men­to, nas es­pe­ras, nos aca­sos. E por is­so, es­se tex­to, que não po­dia ser mais clás­si­co na apo­lo­gia do ci­ne­ma co­mo ar­te da in­car­na­ção, é tam­bém a gran­de de­fe­sa da “mo­der­ni­da­de” de que Via­gem em Itália sur­gia co­mo um exem­plo maior.
 
A mo­der­ni­da­de, jus­ta­men­te. De­la, foi Ri­vette o mo­tor teó­ri­co nos “Cahiers” (nomeadamente contra Rohmer, há que relembrar). Os gran­des rea­bi­li­ta­do­res crí­ti­cos do clas­si­cis­mo do ci­ne­ma ame­ri­ca­no ha­ve­riam de ser os ci­neas­tas da “mo­der­ni­da­de”. No ca­so es­pe­cí­fi­co de Ri­vette (de res­to, com Go­dard, cer­ta­men­te o mais “ex­pe­ri­men­ta­dor” do gru­po), a pas­sa­gem pa­ra de­trás da câ­ma­ra foi acom­pa­nha­da por uma re­ti­cên­cia me­tó­di­ca.
 
“Com tu­do o que hou­ve du­ran­te os úl­ti­mos 25 anos, e so­bre­tu­do du­ran­te os anos 70, a re­fle­xão tra­zi­da por pes­soas co­mo Bar­thes ou mes­mo aque­la a par­tir de Bre­cht so­bre a im­pos­si­bi­li­da­de do pri­mei­ro grau, afi­gu­rou-se-me pro­gres­si­va­men­te im­pos­sí­vel fa­zer fil­mes co­mo, com to­das as de­vi­das dis­tân­cias, al­guém co­mo Ros­sel­li­ni, com aque­le la­do ime­dia­to, bru­to. O fac­to de sa­ber que o pri­mei­ro grau é sem­pre uma ilu­são, que não exis­te, e que, pois que es­ta­mos sem­pre pe­lo me­nos no se­gun­do grau, mais va­le en­tão par­tir daí e ser­vir-se des­sa obri­ga­ção de par­ti­da, jo­gar com ela, ou em to­do o ca­so não se dei­xar en­ga­nar a fim de não en­ga­nar os ou­tros.”
 
A ci­ta­ção da­ta de 1985 e se re­pa­ro ca­be fa­zer é so­bre a re­fe­rên­cia aos anos 70. Efec­ti­va­men­te, Ri­vette po­de­ria ape­nas fa­lar do que en­tão eram “os úl­ti­mos 25 anos”, uma vez que, já no prin­cí­pio dos anos 60, es­ta re­fle­xão so­bre a ilu­são (on­de an­te­rior­men­te se su­pu­nha uma evi­dên­cia) e os di­fe­ren­tes graus da re­pre­sen­ta­ção es­tá pre­sen­te na sua prá­ti­ca, quer na crí­ti­ca, on­de di­ri­ge a cha­ma­da “vi­ra­gem mo­der­nis­ta” dos “Cahiers” (que le­va no­mea­da­men­te ao diá­lo­go in­ter­dis­ci­pli­nar com per­so­na­li­da­des co­mo Bar­thes e Bou­lez), quer na rea­li­za­ção, com Pa­ris Nous Appar­tient.
 
“Se­rá ver­da­dei­ra­men­te o fil­me da nos­sa ge­ra­ção”, di­zia Fran­çois Truffaut em 1958. Po­de­ria ter si­do (“de­ve­ria” ter si­do?) o pri­mei­ro fil­me da “nou­vel­le va­gue”, mas, por atra­sos su­ces­si­vos, ape­nas foi es­trea­do em fi­nais de 1961. E se es­se la­do de ex­pe­riên­cia ge­ra­cio­nal não é de des­con­si­de­rar, pois que su­põe uma as­pec­to de­ci­si­vo — a ins­cri­ção de um fil­me no real e num tem­po his­tó­ri­co con­cre­to (lá vol­ta­re­mos) —, ca­be so­bre­tu­do in­ter­ro­gar se Pa­ris Nous Appar­tient não é, en­tre to­dos os pri­mei­ros fil­mes do gru­po vin­do dos “Cahiers”, aque­le em que há uma mais agu­da cons­ciên­cia de uma no­va ex­pe­riên­cia, da “mo­der­ni­da­de” ci­ne­ma­to­grá­fica.
 
Gil­les De­leu­ze, que foi gran­de ad­mi­ra­dor da obra de Ri­vette, fa­lava a pro­pó­si­to da “nou­vel­le va­gue” da “cri­se da ima­gem-ac­ção”, cu­ja apo­teo­se ti­nham si­do os fil­mes de Hitchcock, ba­sea­da nu­ma con­ti­nui­da­de sen­so­mo­triz, na ex­pe­riên­cia pe­lo es­pec­ta­dor do “sus­pen­se”, da an­gús­tia e dos mo­vi­men­tos. Com a “nou­vel­le va­gue”, sur­ge uma “no­va cons­ciên­cia in­te­lec­tual e re­fle­xi­va”, da qual, en­tre vá­rios exem­plos, De­leu­ze de­sen­vol­ve os dos pri­mei­ro e ter­cei­ro fil­mes de Ri­vette, Pa­ris Nous Appar­tient e L’Amour Fou.
 

Rivette, o instante real e os fantasmas - II

“Céline et Julie vont en bateau”
 
 
Em Paris nous Appartient, a primeira longa-metragem de Rivette, um gru­po tea­tral tra­ba­lha nu­ma en­ce­na­ção do Pé­ri­cles de Sha­kes­pea­re, is­to é, o da­do da re­pre­sen­ta­ção é ex­pli­ci­ta­men­te in­tro­du­zi­do no fil­me. Tra­ta-se as­sim de al­go em vias de se cons­truir, da­qui­lo que nos anos se­guin­tes vi­ria a ser co­nhe­ci­do co­mo “work in pro­gress”. Es­te pro­ces­so em mo­vi­men­to, au­to-re­fle­xi­vo, pres­su­põe uma dis­tân­cia pe­ran­te as re­fe­rên­cias pré­vias, por ve­zes mes­mo iró­ni­ca, sen­do que no de­cor­rer do fil­me há uma de­ne­ga­ção do tí­tu­lo: “Pa­ris n’appar­tient à per­son­ne.” En­fim, as in­tri­gas no seio do gru­po fa­zem acu­mu­lar os mis­té­rios, o pres­sen­ti­men­to de um “com­plot”.
 
É no­tó­rio que a ideia do “com­plot” se cris­ta­li­zou co­mo uma es­pé­cie de mar­ca re­co­nhe­cí­vel de Ri­vette, um pou­co a con­tra­gos­to do au­tor di­ga-se, que ape­nas a re­co­nhe­ce pa­ra três fil­mes, to­dos eles sen­do “en­saios, se­gun­do mé­to­dos e apro­xi­ma­ções com­ple­ta­men­te di­fe­ren­tes, de pe­que­nas cró­ni­cas pri­va­das em re­la­ção a da­dos da ac­tua­li­da­de do mo­men­to em que se ro­da­va, ou pró­xi­mos de al­guns me­ses”. Es­ses fil­mes, que se es­ta­be­le­cem em ca­deia, nu­ma re­la­ção de iro­nia ou dis­tan­cia­men­to com o(s) pre­ce­den­te(s), se­riam: Pa­ris Nous Appar­tient, o seu pri­mei­ro, de 1958-60, ten­do co­mo qua­dro his­tó­ri­co de re­fe­rên­cia os dois anos ime­dia­ta­men­te an­te­rio­res, os do pós-mc­car­this­mo e do pós-Bu­da­pes­te; Out One, o quar­to, de 1970-72, ou do pós-Maio de 1968; e Le Pont du Nord, o no­no, de 1980-81, dos fi­nais do gis­car­dis­mo.
 
Ad­mi­tin­do que es­tes fil­mes cons­ti­tuem uma se­quên­cia par­ti­cu­lar, não se­rá, no en­tan­to, oca­sio­nal que cons­ti­tuam uma “mar­ca re­co­nhe­cí­vel”. Se ne­les se ra­di­ca uma ma­triz ri­vettia­na, os as­pec­tos que aí es­pe­cial­men­te se con­den­sam, pa­ra além da in­si­nua­ção do “com­plot”, são três: a cons­tan­te bi­fur­ca­ção dos even­tos, is­to é, o la­do emi­nen­te­men­te cen­trí­fu­go das fic­ções de Ri­vette, o pri­ma­do que ne­las tem “o mo­men­to”, um e ou­tro as­pec­to com­bi­nan­do-se nu­ma su­ces­são lú­di­ca em que “a his­tó­ria”, “as his­tó­rias”, vão sen­do en­gen­dra­das e de­sen­vol­vi­das, pe­ran­te o olhar do es­pec­ta­dor.
 
“Qu’es­t-ce que le ci­né­ma, si­non le jeu de l’ac­teur et l’ac­tri­ce, du hé­ros et du dé­cor, du ver­be e du vi­sa­ge, de la main et de l’ob­jet?”
 
Es­ta ci­ta­ção (pre­ser­van­do o ori­gi­nal fran­cês pe­los múl­ti­plos sen­ti­dos, fun­da­men­tais na obra ri­vettia­na, de “jeu”) dir-se-ia directamente referida a La Bel­le Noi­seu­se, quando perante o espectador vai sendo feito o quadro de Frenhof, para o qual Marianne é modelo. E no entanto, e por in­crí­vel que pa­re­ça, ela é re­ti­ra­da de uma en­tre­vis­ta a “L’Écran Fran­çais” em... 1958, quan­do Ri­vette ro­da­va Pa­ris Nous Appar­tient!
 
Quan­do, em 1987, o “Li­bé­ra­tion” fez a 700 ci­neas­tas a per­gun­ta “Por­quoi fil­mez vous?”, Ri­vette res­pon­deu nes­tes ter­mos:
 
“O que, se com­preen­do o sen­ti­do da vos­sa per­gun­ta, pri­mei­ro me ocor­re é o que mui­tas ve­zes (an­tes, du­ran­te, de­pois de ca­da ro­da­gem) me per­gun­tei: Co­mo fil­mar, com quem, pa­ra quem? Mas o por­quê da coi­sa fi­cou sem­pre ri­go­ro­sa­men­te opa­co. Pois bem, que fi­que! E se­ja en­tão tal­vez es­se ‘pon­to ce­go’ no fun­do do olho, sem o qual não ve­ría­mos, a que Jean Pau­lhan fez mais de uma vez re­fe­rên­cia. Vol­to à ver­da­dei­ra ques­tão que, no que me diz res­pei­to, é: Com quem? En­tão, por­que fil­ma? Pa­ra po­der en­con­trar os cúm­pli­ces ne­ces­sá­rios e que o nos­so tra­ba­lho co­me­ce, que a nos­sa reu­nião de al­gu­mas se­ma­nas che­gue, por ve­zes, a al­go co­mo um fil­me.”
 
“Cum­pli­ci­da­de”, con­cei­to ca­pi­tal, mais de­ci­si­vo que o de “com­plot”, que aliás abran­ge. A cum­pli­ci­da­de com os ac­to­res, a cum­pli­ci­da­de na equi­pa. A cum­pli­ci­da­de em que se es­ta­be­le­cem as re­gras pa­ra o jo­go. Con­se­quên­cia não me­nos ca­pi­tal: por pa­ra­do­xal que pa­re­ça em re­la­ção a al­guém tão re­co­nhe­cí­vel, en­quan­to “au­tor ci­ne­ma­to­grá­fi­co”, o que a Ri­vette im­por­ta não é a afir­ma­ção do pa­pel do “cria­dor”, mas o es­ta­be­le­ci­men­to dos la­ços que per­mi­tem um de­sen­ro­lar do mo­vi­men­to que to­ma­rá cor­po co­mo fil­me.
 
“Mais, le len­de­main ma­tin” - mas, ao segundo dia, foi Ma­rian­ne, aceitando-se na condição de modelo, a ir ter com o pintor Fre­nho­fer, na Belle Noiseuse. “Mais, le len­de­main ma­tin” é também um car­tão re­cor­ren­te em Cé­li­ne et Ju­lie vont en ba­teau. To­dos os dias se­guin­tes ha­via uma ou­tra hi­pó­te­se má­gi­ca, à ma­nei­ra de ban­das de­se­nha­das, co­mo a Bé­cas­si­ne que Ju­lie es­prei­ta, ou de ve­lhos “se­riais” ci­ne­ma­to­grá­fi­cos, dos de Feuil­la­de nos pri­mór­dios a, por exem­plo, Os Es­piões ou As Aranhas de Fritz Lang, mo­de­lo da no­ção ri­vettia­na do “com­plot”. To­dos os dias, a nar­ra­ti­va to­ma­ ou­tras vias, no pre­sen­te de ca­da dia.
 
Trans­por­tar o “era uma vez” pa­ra o pre­sen­te, um “pre­sen­te” co­mo ra­ra­men­te se sen­te no ci­ne­ma, eis ou­tro as­pec­to ca­pi­tal da obra de Ri­vette, se­guin­do a cons­tru­ção de uma obra pa­ra a tor­nar pre­ci­sa­men­te “pre­sen­te” e não ob­jec­to aca­ba­do. Se­guin­do-a, mo­men­to a mo­mento.
 
“Ça se sent dans vo­tre film, l’ins­tant est com­ple­ment ro­yal, il est trai­té comme le seul”
 
Is­to dis­se-o Mar­gue­ri­te Du­ras a Jacques Ri­vette, nu­ma con­ver­sa a pro­pó­si­to de Le Pont du Nord. En­quan­to nou­tros ca­sos de tra­du­ção há uma per­da, nes­te há um acrés­ci­mo su­ben­ten­di­do, por­que nos fil­mes de Ri­vette “o ins­tan­te é com­ple­ta­men­te real”. É no seu pri­ma­do que se re­gis­tam as ima­gens e os sons.
 
.“O ins­tan­te é com­ple­ta­men­te real”, mas, crí­ti­co ar­gu­to co­mo pou­cos, Ri­vette sabe bem que o da­do a ver, sen­do ain­da apre­sen­ta­do co­mo “pre­sen­te”, não dei­xa de ser o re­gis­to de al­go que já foi. Ora, é ex­traor­di­ná­rio o mo­do co­mo nos seus fil­mes coe­xis­tem uma per­cep­ção do pre­sen­te e do pas­sa­do.
 
O qua­dro de Frenhofer, “La Bel­le Noi­seu­se”, per­ma­ne­ce­rá um fan­tas­ma – Le Chef’Oeuvre inconnu, no texto de Balzac que é ponto de partida - Balzac como em Out One ou agora neste mais recente Ne touchez pas la hache. No ab­so­lu­to do de­se­jo, es­té­ti­co ou eró­ti­co, quer-se ser o mes­mo e um ou­tro. “I am Heathcliff”, diz Cathy em O Mon­te dos Ven­da­vais“Je suis Ro­ch”, diz Cathe­ri­ne em Hur­le­vent, a ver­são de Ri­vette do ro­man­ce.
 
 
Im­pos­sí­vel é evo­car o ci­ne­ma de Ri­vette sem aten­der ao que ne­le há da fan­tas­má­ti­co. “Phan­toms la­dies over Pa­ris” (co­mo num ima­gi­ná­rio fil­me de Jacques Tour­neur) é o subtí­tu­lo de Cé­li­ne et Ju­lie vont en ba­teau. “Ce­nas da Vi­da Pa­ra­le­la” era a de­sig­na­ção de uma pro­jec­ta­da te­tra­lo­gia de afron­ta­men­to da luz e das som­bras que se fi­cou por Duel­le e No­roit, mas viria afinal a ter também um tardio outro “episódio” em Histoire de Marie et Julien. Um fan­tas­ma evo­ca­va Lu­cia (Inês de Me­dei­ros), no mais be­lo pla­no de La Ban­de des Qua­tre. Fan­tas­má­ti­cas eram as mãos que se sau­da­vam, no fi­nal de Hur­le­vent. E Julien sonha com Marie, uma “revenante” (de entre os mortos?). Pos­ses­são le­tal, exis­tên­cias fan­tas­más­ti­cas.
 
Mestre do “jeu”, da duração e da multiciplicidades de narrativas, Jacques Rivette é um cineasta que, como poucos, nos coloca perante a intensidade do “do instante real” e ao mesmo tempo convoca a potência fantasmática do cinema. É um dos máximos cineastas vivos e um dos grandes autores da arte cinematográfica.