com Dmitri Hvorostovsky, Renée Fleming, Ramón Vargas
encenação de Robert Carsen
direcção de Valery Gergiev
produção da Metropolitan Opera House
2 dvds Decca/Universal
Chega presto este registo das representações no Met em Fevereiro do ano passado, facto que provavelmente se prende com a política encetada pelo novo “general manager” Peter Gelb (que fora responsável pela Sony Classicals Records) no sentido de nova formas de difusão – sinal dessa política foi o início de transmissões televisivas directas em alta-definição para um conjunto de salas de cinema com equipamento digital, e que inclusive já abrange mesmo salas europeias.
Nos arquivos, encontro a crítica de Anthony Tommasini no “New York Times” de 12-02-07, “Star power, Charisma and Ardor in ‘Onegin’”. “Star power” pois: estreias no Met de Hvorostovsky e Gergiev nesta ópera, estreias aí de duas vedetas, Fleming e Vargas, numa ópera russa.
A encenação é de Robert Carsen e data de 1997. Mas uma tão forte aposta do Met não teve mesmo assim o próprio encenador a dirigir o “revival”, sinal suficiente do “sub-sistema Carsen”, que muito produz e vai entregando a assistentes os cuidados de reposições. É uma encenação bastante mais depurada que o habitual, por vezes com o espaço vazio, dependendo fortemente de um admirável trabalho de luzes do grande Jean Kalman, mas ainda assim com esses sinais tão distintivos de Carsen que são as cadeiras (basta atentar ao Acto I da Tosca ainda em cena no São Carlos), só que desta feita com uso inteiramente justificado nas cenas de baile.
Por falar em bailes – o espectáculo é-nos introduzido por Mikhail Barashnykov, como que a reforçar a associação “Tchaikovski-ballet”, o que no caso é inteiramente descabido, mas é não deixa de indiciar uma concepção vigente no Met, de “star power” também, e de um luxuoso “charisma”. Todavia, por entre tanto luxo, não se deixa também a notar a falta concreta de um encenador na direcção dos actores/cantores, quer no tocante ao modo como Fleming sobrecarrega a sua composição da jovem Tatiana no Acto I, quer nos esgares de Hvorostovsky no Acto III.
Fleming sobrecarrega pois – a sua voz cremosa e sensual é adequada no Acto III, mas desajustado no I., em especial na grance cena de Tatiana, a da carta. Diga-se ainda assim que não é só ela, pois que a Olga de Elena Zaremba é uma matrona. A grande surpresa é o sensibilíssimo Lensky de Ramón Vargas, um tenor que se iniciou no repertório bel-cantista e tem vindo a evoluir para papéis mais líricos.
Ainda assim, inevitavelmente, os atractivos maiores são as presenças dos dois russos, Gergiev e Hvorostovsky, com uma direcção ardente do primeiro e, pesem ainda os tais esgares, o segundo no seu papel de eleição – e se existe um dvd do Kirov (Kirov ainda, antes de voltar à designação de Mariinsky) com Sergei Leiferkus, é inteiramente justificado que possamos enfim possuir ter o registo do incomparável Onegin actual que é Hvorostovsk registo em dvd, que em cd já existia, com um memorável confronto com o Lensky de Neil Shicoff, na gravação dirigida por Semyon Bychkov (Philips).
com Dalibor Jenis, Elena Prokina; Marius Brenciu, Anatoli Kotscherga
direcção de Lawrence Foster
Gulbenkian, 29 (e 31) de Maio
Desde que Lawrence Foster é maestro titular e director artístico da Orquestra Gulbenkian, a Fundação tem apresentado todos os anos uma ópera em versão de concerto nas suas temporadas – e para o facto não é indiferente um sublinhado de ser ele “maestro titular e director artístico”, uma tal programação afigurando-se directamente da sua esfera de decisão. Agora que é anunciada a próxima temporada, 2008/09, verifica-se mesmo que ele irá dirigir sucessivamente não uma mas três óperas em concerto, a Elektra de Strauss, a Norma de Bellini e a Medée de Cherubini, agrupadas sob um hipotético denominador comum de “Heroínas trágicas da Antiguidade”.
Ser a razão a margem de decisão do “maestro titular e director artístico” será justificativo da linha de programação mas também não é razão suficiente para cabalmente sustentar cada uma das óperas concretas. Foster tem desenvolvido um trabalho assinalável, e tido mesmo algumas iniciativas de programação interessantes, mas é no mínimo duvidoso que esta política de óperas em versão de concerto seja dos aspectos mais relevantes. Ainda assim, a apresentação agora de Evgueny Onegin era credível de um maior interesse, já que se trata efectiva e estranhamente de uma ópera rara em Portugal, apresentado uma única vez, em 1993, no São Carlos.
Obra-prima de Tchaikovski (e digo eu isto de um compositor que está longe de se incluir nas minhas preferências) sobre o drama em verso de Pushkin, Evgueny Onegin é uma ópera de uma delicadeza que exige quatro cantores idiomáticos e na plenitude dos recursos para os papéis de Oneguin, Tatiana, Lensky e Gremin, os primeiros porque estabelecem o trio fundamental de personagens, o último, mais acessório ao núcleo dramático, sendo todavia finamente caracterizado pela música. E este é um dos casos em que a execução em concerto mais faz exigir uma caracterização vocal e dramática sem falhas por parte dos quatro principais.
Sucederam desde logo dois percalços: o previsto intérprete do papel titular, Serguey Murazaev, teve de ser substituído, e Elena Prokina apresentou-se numa forma que não deixou supor a Tatiana que foi – e digo “que foi” porque não só havia sido ela já a cantar no São Carlos como também tive a oportunidade de a ouvir nesse mesmo papel no Festival de Glyndebourne, produção de que existe dvd. Ainda mais penoso me foi assim constatar como, abrindo a voz, esta se revelava instável e com aquele distintivo “vibrato” que é o pior da escola russa.
Se Dalibor Jenis, que substituiu Murazaev, se mostrou aplicado e conhecedor do papel, ainda assim falta-lhe o timbre aveludado, o lado sedutor desse estranho dandy que é Onegin, e sobretudo a capacidade de caracterizar a metamorfose da personagem, que de jogador altivo e insolente se torna em frustado e dilacerado sujeito de paixão. Mas o pior foi a voz e as linhas desarticuladas do Lensky de Marius Brenciu – e Tatiana e Lensky em muito comprometeram assim este Onegin.
O que se pode esperar numa interpretação desta delicada ópera apenas se ouviu ao grande baixo Anatoli Kotscherga (que foi nomeadamente intérprete de Boris Godonov com Cláudio Abbado), soberbo Gremin, a tal personagem finamente caracterizada pela música, mas personagem de uma só ária, e acessória ao núcleo das relações dramáticas, Tatiana-Onegin e Lensky-Onegin.
E uma decepção, Prokina no caso, não veio só: foi também penoso ouvir Laurence Dale, que fez o fundamental da sua carreira com William Christie e foi também um dos intérpretes de Don José na Tragédie de Carmen de Peter Brook, e que supunha hoje em dia já de todo reconvertido nas tarefas de encenador e director de teatro, apresentar uma ruína de voz – o papel de Triquet é episódico, mas ainda assim ouvir Dale foi de facto penoso.
Os precalços sucedem, mas ainda assim é difícil entender neste caso algumas das escolhas. Realizada em tais condições, uma versão de concerto não fez de modo nenhum justiça à obra. E se o apego à obra de Lawrence Foster foi pressentível, todavia o carácter lírico e apaixonado da obra só a espaços transpareceu nas cores orquestrais.
Que a apresentação tivesse sido escolha do “maestro titular e director artístico” só veio mostrar afinal que terá de haver precauções acrescidas a este tipo de programação. E tendo isto ocorrido quanto já está anunciado para a próxima temporada não uma ópera mas um ciclo com três ainda mais faz acrescer essas precauções.