Less in Algarve
Escrevia eu recentemente:” Uma vaga assola o país: a dos centros culturais e dos centros de arte contemporânea. Bom seria que tivesse consistência, mas infelizmente, para além de alguns casos de trabalho continuado e gestão qualificada, o que na maioria dos casos se verifica é a ambição espalhafatosa de alguns edis, que uma vez feita a obra a deixam ao deus-dará, sem conteúdos e programação.”
Com as suas particularidades, mas com os mesmos problemas de sustentabilidade nesse quadro de disfuncionalidades na redistribuição cultural no território, se insere a notícia vindo a público na passada semana na imprensa da ameaça da insolvência da Orquestra do Algarve.
Em 1992, quando da breve passagem de Maria José Nogueira Pinto pela subsecretaria de Estado da Cultura (antes de se demitir por causa do aval de Santana Lopes à pala do Estádio de Sporting, recordam-se?), o Estado concebeu um plano simultaneamente ambicioso e mais que necessário, o das orquestras regionais. Mas se o Estado central tomou a iniciativa não lhe cabia – e pertinentemente – a gestão directa; constituíram-se associações culturais, agrupamentos de municípios.
Creio que neste momento, entre as formações propriamente regionais, resta a Orquestra do Norte: a Filarmónica das Beiras finou-se em 2004 e agora a Orquestra do Algarve está ameaçada de insolvência devido ao conflito que opõe os músicos à associação de municípios da região, e que está em processo judicial.
O caso, em si mesmo lamentável – os responsáveis da Área Metropolitano do Algarve querem uma orquestra sim senhor, mas a recibos verdes e com baixos salários, e sem previsão de possibilidades de aperfeiçoamento profissional dos músicos – ainda mais o é por razões que, essas sim, ultrapassam a esfera dos municípios e envolvem o governo, conjugando-se em perspectivas sobre a cultura feitas de eventos sem substância e inscrição real, embora por vezes com muito “show-off”: refiro-me ao Algarve e ao “Allgarve” do verdadeiro ministro da cultura da governação socrática., Manuel Pinho.
Num trabalho sobre “O ‘Allgarve’ e a outra oferta cultural” no “Ípsilon” de 27-06-08, o pintor Xana, programador do espaço de exposições do Centro Cultural dde Lagos dizia: “O Allgave tem um problema de raiz que é fazê-lo na época em que toda a gente vem para o Algarve. Devia-se era procurar dinamizar a a actividade cultural e económica a partir do Outono-Inverno”. E liminar era a constatação de Pedro Bartilloti, dinamizador da Sociedade Artística Farense Os Artistas: “Primeiro apregoam que o Allgarve não é só sol e praia. Mas depois é só sol e só no Verão e é só praia porque é só no litoral”.
Sem desconsiderar algumas oportunidades dadas a artistas, continuo a achar lamentável a resposta positiva e mesmo esforçada de Serralves à solicitação do Turismo de Portugal, organismo do ministério da Economia, para organizar “exposições de verão” de uma tão parola iniciativa, uma das mais reveladoras do novo-riquismo vigente, patente desde logo na própria designação – ALLgarve. E, de resto, se falo em artistas, também tenho que dizer que foram de algum modo ludibriados: vários desses artistas convidados por Serralves tiveram de investir, tiveram custos na feitura das peças a expor; pois bem, as exposições abriram em Junho/Julho, e só na semana passada, já em Dezembro, esses artistas começaram a ser informados de que iriam ser pagos, enfim – o que quer dizer que ainda por cima o Turismo de Portugal/Ministério do Turismo, tão pronto para o espalhafato e o aparato promocional, tem depois o conhecido vício do Estado de ser mau pagador, tardio.
Só pela vontade determinada de não estar calada e de ir chateando o seu sucessor se pode compreender a recente sugestão de Isabel Pires de Lima de um Ministério da Cultura e Turismo (que Manuel Pinho poderia então acumular), comprovando uma vez mais que na sua passagem pelo governo e nos sonhos de grandes eventos nada percebeu das concretas realidades e necessidades culturais do país.
Como esse trabalho do “Ípsilion” mostrava, existem estruturas e esforços culturais no Algarve. E depois há o Allgarve de fachada. O risco de insolvência da Orquestra é um exemplo que como em concreto no território os responsáveis não sabem de facto com o que estão a lidar e como. Mas, dizem eles, querem música!